29 dezembro, 2006

Berlin, den 28. Dezember 2006


embora atrasada,


Tem de ficar marcado o dia em que nevou pela primeira vez.

16 dezembro, 2006

11 dezembro, 2006

07 dezembro, 2006

«Erasmus» é símbolo do que a Europa faz de melhor

O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, apontou hoje em Bruxelas o «Programa Erasmus» como «um símbolo do que a Europa faz de melhor», no arranque das celebrações do 20º aniversário deste programa educativo.

Numa conferência de imprensa em Bruxelas que assinalou o «pontapé de saída» das celebrações - que terão o seu momento alto durante a presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007 -, José Manuel Durão Barroso afirmou que o «Erasmus não é um programa qualquer», mas sim «um sucesso europeu único».

Adoptado em Junho de 1987, o Erasmus contou nesse primeiro ano com a pa rticipação de 3.244 estudantes, número que em 2005 se elevou a 144.032 estudantes (3.845 dos quais portugueses), aproximadamente 1% da população estudantil europeia.

Desde 1987, o programa beneficiou com bolsas mais de 1,5 milhões de estudantes, esperando a Comissão Europeia que até 2012 o número atinja os 3 milhões de estudantes.

«Pode-se falar de uma »geração Erasmus«», comentou Barroso, que recordou a propósito o filme «L'Auberge Espagnol» (A Residência Espanhola, 2003), do realizador Cédric Klapisch, que retrata a experiência de um jovem estudante parisiense que vai estudar para Barcelona, e que tornou popular este programa de intercâmbio estudantil «nos quatro cantos do Mundo».

Na conferência de imprensa participou também o comissário europeu com a pasta da Educação, Jan Figel, que indicou que o 20º aniversário do Programa Erasmus - que se assinala em Junho de 2007 - será celebrado particularmente em Setembro e Outubro, durante a presidência portuguesa da UE, com uma série de eventos em Lisboa.

Tanto Barroso como Figel sublinharam a importância do papel do Programa Erasmus como motor de modernização dos sistemas europeus de ensino superior, na promoção da mobilidade dos estudantes e professores, e a nível do acesso ao mercado de trabalho.

Além de estudantes, o Programa Erasmus beneficia também professores universitários, tendo em 2005 participado no programa 20.877 docentes.

Entre os «top-20» das instituições de ensino na União Europeia que mais acolhem e de onde partem estudantes e docentes no âmbito do programa, surge a Universidade de Coimbra como a oitava que mais recebe professores de outros países, tendo em 2004/2005 acolhido 101 docentes estrangeiros.

05 dezembro, 2006

Bleiben?

Há dias em que aperta demasiado a saudade de tudo aquilo de que "já" tenho saudades...

E há outros, como o de hoje, em que

a velinha acesa em cada mesa dos cafés,
as torradas no quentinho de casa
e a sensação de que vivo uma evolução...

...fazem-me sorrir e querer ficar.

30 novembro, 2006

Donnerstag - uma particularidade na rotina



À quinta-feira entro em êxtase. Delicia-me fazer parte da Universität Leipzig. E particularmente nesta quinta-feira, quando o Sol de Inverno sob uns toques de nevoeiro se espalha lá fora, sinto que já devia ter descrito há um tempo como é exactamente a minha rotina académica por cá.

À segunda-feira começo por ter uma aula no Studienkolleg, o edifício onde se aprende alemão. A Aula é de Alemão para Ciências Sociais. A Professora é a Frau Tieg, uma mulher muito caricata, típica alemã, que tem umas contas a acertar com a moda e com tudo o que em geral é moderno. Só fala na DDR (República Democrática Alemã) e parece que ainda não vive no tempo do Euro. Mas é sem dúvida culta e esforça-se por nos pôr a debater (auf Deutsch, natürlich), temas de interesse geral para os alunos de várias nacionalidades que ali estudam História, Germanística, Estudos Europeus, Teologia ou Jornalismo (sou a única, como sempre). Fazemos normalmente uma espécie de fóruns porque em cada país a realidade é diferente.

Sigo a correr para o centro, onde me espera a única Vorlesung que visito (eles usam o verbo “visitar” para as aulas). Vorlesung, para os colegas FCSHianos, são as conhecidas aulas em que o auditório se senta a ouvir; aceitam-se atrasos e baldas (aprendi aqui um verbo importante: “schwänzen”, como quem diz fazer gazeta), mas igualmente para os FCSHianos importa referir que o Powerpoint, o microfone e o silêncio são regra. A aula é de Comunicação Política, onde Habermas é citado como cidadão cá da terra, o que não deixa de ser mais interessante. Em todo o caso aproveito o facto de ser a única cadeira em que só se marra para o exame final e por isso vou às aulas só recolher a assinatura e aproveito aquela hora e meia para despachar trabalho de outras cadeiras - no fim vou ver-me grega (ou alemã...), mas não vamos stressar já porque isso é só "para o ano". Naturalmente compreensível a inviabilidade de absorver Habermas, problema suficientemente grave, acrescida do factor “auf Deutsch”, que triplica a gravidade da coisa. Kein Problem!

À terça só tenho aula no Studienkolleg: Alemão em prática escrita. Não havia lugar na turma de nível intermédio, então armei-me em esperta e meti-me na turma de Alemão avançado e fico caladinha o tempo todo porque não percebo metade do que é dito. Mas não deixa de ser interessante: praticamos a escrita de comentários (por exemplo, de discursos melodramáticos de ministros americanos), protocolos, etc.

Quarta-feira é dia de seminário. Bases do Jornalismo Online – no edifício cuja fotografia foi publicada no fotolog mais famoso da blogosfera erásmica. Cerca de 20 alemães e a pobre Tuga sentam-se numa sala com vários computadores, onde assistem aos temidos Referats (as apresentações, para as quais não sou excepção: na próxima quarta é o meu dia, que ontem não houve tempo, sabem, eles entusiasmam-se tanto com as pesquisas que depois fazem Referats de meia-hora quando lhes pedem 20 minutos). Aprendemos as várias particularidades do Ciberjornalismo através dos Referats, cada um tem de escrever um artigo sobre um tema previamente distribuído (calhou-me “Erasmus na Europa de Leste”, vou entrevistar uma alemã que esteve na Polónia e já é jornalista), a ser publicado na Online-Magazin dos estudantes de KMW (Ciências da Comunicação). No fim do semestre ainda há um exame, por isso podem ver como eles gostam de trabalhar.

Tive a infelicidade de escolher um seminário que começa às 8 da manhã a uma sexta-feira. Sair à noite na 5ª, festas WILMA, noite de estudantes, é para esquecer (isto agora soou um pouco Pimpinha Jardim, mas juro que não me sinto a emburrecer por aqui). E apesar de acordar quando ainda é noite (bom, a maior parte do tempo aqui é noite, mas…!) vale a pena, porque Jornalismo Radiofónico é realmente interessante. Não basta ser seminário, ainda é designado de seminário-prático, o que significa que não dá propriamente para parar. Treinamos a pronúncia em estúdio (sim, nem os alemães sabem fazê-la, por isso imaginem a risota que não é verem a Tuga a tentar soar como uma locutora alemã: TOLL!), aprendemos como os textos jornalísticos para rádio devem ser redigidos, somos obcecados pelo chamado O-Ton (os cortes do que os entrevistados dizem para serem colados na peça), aprendemos a mexer no EasyCut, programa radiofónico por excelência e há referats, mas a Professora foi muito querida e livrou-me disso. Isto porque também temos de fazer individualmente 2 reportagens de quatro minutos. A minha primeira, sobre WILMA (sehr interessant) vou montar na próxima segunda-feira: mais um momento de riso se adivinha. Claro que tudo isto em alemão queima os meus neurónios, mas o senhor Rasmus, que ainda por cima trabalha para a rádio da Uni-Leipzig, dá-me uma mãozinha. [Aceitam-se pedidos de envio da reportagem que ele fez na abertura do Mercado de Natal em directo para a rádio, por telemóvel, ao meu lado no meio das barraquinhas. É muito giro viver o Jornalismo in loco, sobretudo quando a velocidade com que eles falam me faz confirmar que o alemão ainda me é muito inacessível!!]

E isto tudo para descrever a particularidade da semana que mais me delicia (em termos académicos, claro…): a Quinta-feira.

Um 9 Uhr
arranca o seminário “Recepção de televisão pelas crianças”. Falamos da pedagogia inerente aos Media e apesar de ser uma cadeira mais teórica, a interactividade entre os 25 alunos (fora a Erasmusstudentin, que prefere ficar caladinha a tirar apontamentos) torna aquela hora e meia muito interessante. Com Referats, powerpoints e acetatos constantemente, a informação a absorver é mais que muita. Mas o que é mais interessante é que em cada Referat os alunos preparam uma selecção de programas televisivos (desde desenhos animados, telenovelas até blocos noticiários e Reality-Shows) a que assistimos e sobre os quais discutimos a partir da perspectiva das crianças. O Referat, no meu caso, será substituído por uma recensão (5 páginas, vá lá) sobre o tema em geral: "Warum die Kinder Fernsehen lieben?" Dá pano para mangas. E não acabou: no fim do semestre tenho de fazer um Hausarbeit sobre um tema específico. Hausarbeit, esse palavrão que inicialmente julgava ser um Hausaufgabe (o chamado TPC). Pois nada a ver: é mesmo um trabalho realizado em casa, em paralelo com a biblioteca e, no meu caso, com o meu dicionário. Tem de ter 15 páginas, o que em alemão, para mim, corresponde a uma tese de mestrado. A ver vamos.

Mas apesar de toda esta carga, a verdade é que saio daquele seminário com uma boa-disposição incrível. Hoje não apanhei o Strassenbahn (eléctrico) porque faço questão de andar todos os dias a pé pelo mercado de Natal um pouco. Mas uma regra mantém-se: passar pela Cafeteria, pedir o meu habitual Doppel-Espresso (que mesmo assim não dá a força de uma boa bica Delta portuguesa, mas é o que se arranja…), organizar a agenda, ler um pouco ou escrever o Diário Erasmus, sair meia-hora depois toda encasacada, apanhar o Strassenbahn, passar no supermercado aqui ao lado de casa, comprar um pãozinho, chegar a casa, fazer umas torradinhas e sentar-me na secretária a trabalhar.

[É verdade, passo muito tempo isolada; ossos do ofício de uma aluna Erasmus abandonada na área de Jornalismo. Mas digam lá que não gostavam de um isolamento assim?]

Agora, se me dão licença, tenho muito que fazer.

26 novembro, 2006

É um pouco como os outros contavam dos Erasmus deles,

mas a cidade, o país, a latitude trazem diferenças.

O aquecimento central engana. Visto o casaco mais curto a pensar que lá fora está agradável como no Zimmer 537. Quando abro a porta para a rua e sinto aquele vento continental geladinho bater na cara, lembro-me que o 5.º andar já está longe. “Que se lixe”.

Alguém trancou a minha bicicleta. Mas não se deixam bilhetes nem 4 piscas nem se buzina. (Há quanto tempo não oiço buzinar?). Tentei simplesmente fazer a minha linda e ferrugenta Fahrrad sair do estacionamento e lá fui eu.

Aqui é tudo “immer gerade aus”. Sem curvas vou parar ao centro e a vantagem da bicicleta é que quanto está verde para os carros vou na faixa dos carros e quanto está verde para os peões vou na faixa dos peões.

Elas ainda não tinham chegado à Augustusplatz. Nem sabia bem com quem me ia encontrar. Uma estudante de Medicina, aus Barcelona, que conhecera no Montagskneipe e que achei muito querida por falar português do Brasil sem dificuldades, convidou-me pelo MSN a ir ver um concerto.

E assim estava eu na Thomaskirche, com três espanholas e uns duzentos alemães à minha volta, num fim de tarde (diga-se, dezasseis horas) de Domingo. Tocou o Coro da Universität Leipzig com Orquestra. Belíssimo. Arrepios, olhos fechados a saborear esta capacidade de dezenas de pessoas conseguirem criar uma musicalidade tão perfeita. E aos poucos começo a acreditar que os músicos sabem quando gostámos do espectáculo, mesmo sem aplaudirmos – porque aqui não se aplaude.

“Wollen wir ein Kaffee trinken?” – Natürlich. Levo a bicicleta pela mão e prendo o cadeado a um qualquer poste ao pé do Coffee Culture. Queríamos o Lukas Café, mas fechava às 18 horas. “Estamos en Alemania…”

“Ich hätte gern ein Espresso und einen Zitronekuchen, bitte”. Que não deu para saborear muito bem. A amiga da Bulgária (num mês fazem-se amigos, aqui) telefonou porque ficou sem Internet. “Vem lá a casa daqui a nada, usas a minha”...

E então, meninas, tive de ir mais cedo. "Scheiβe, já é noite e eu insisto em arriscar andar por aí sem luz na bicicleta. Não há Polizei ao Domingo, hoje não se trabalha na Alemanha", pensei. E de facto a multa sempre sai mais barata do que comprar uma luz nova.

E novamente me fiz ao caminho “immer gerade aus”, com o vento consideravelmente mais gelado, próprio do cair da noite. Estacionei a bicicleta na Tarostraβe, Nummer 12.

Ah, que quentinho que está em casa. “Dling-dlong”. “Maria, es ist für mich“, digo eu à minha Mitbewöhnerin, para se deixar ficar no quarto com os pais e o cão.

A minha amiga búlgara usa a Internet enquanto pinto as unhas e leio qualquer coisa.

“Danke, Débora.”
“Bitte! Janta cá hoje.”

19 novembro, 2006

Saudades da minha Menina


Desta não estava eu à espera.

Lembrar-me da minha Lisboa é como lembrar-me de uma Amiga que estimo demais. E por ela sinto aquelas saudades apertadinhas que dão vontade de chorar.

O paradoxo de estar totalmente afeiçoada às ruas de Leipzig e de sentir uma falta terrível da Júlio Dinis, da praça do Campo Pequeno, do caminho a pé para o Saldanha, do Picoas, do verde triste da Avenida da Liberdade, do Rato, de Campo de Ourique, do Tejo.

Nada substitui a Calçada Portuguesa.
E ainda assim, esta é aquela Saudade que vale a pena sentir. É preciso senti-la para reconhecer as afeições.
Se a virem, mandem-lhe cumprimentos meus.

16 novembro, 2006

Ao fim de dois meses,


não há tempo para descrever tudo o que acontece e se sente.
Acontece de tudo um pouco e sinto-me Bem.

10 novembro, 2006

Eine heiβe Schokolade, bitte.


Este frio consegue ser delicioso.

26 outubro, 2006

,,Somos animais de hábitos."


[Passei a usar as aspas como os alemães usam.]
Passei a gostar de leite frio quando tenho sede à noite. Nem sempre tenho tempo de aquecê-lo.
Passei a achar normal pagar 2 € por um café.
Passei a separar o lixo a sério e não a brincar como em Portugal.
Também passei a trazer sempre um saco na mala para o caso de ir ao supermercado.
E passei a ser eu a fazer a lista das compras.
Passei a olhar para o Professor como o meu colega mais prestável.
Passei a ver a cidade como a da minha rotina e não como um ponto turístico.
Passei a lavar a loiça do pequeno-almoço.
Passou a incomodar-me que o eléctrico se atrase um minuto.
Passei a também não atravessar a estrada com o sinal vermelho.
Passei a olhar com naturalidade aqueles que às 10 da manhã comem pão com salsicha e molhos.
Passei a não dar pela falta de guardanapos à mesa.
Passei a ver o correio todos os dias. (Ansiosamente.)
Aqui ninguém olha para a marca dos telemóveis uns dos outros.
Aqui a correria faz-se a pedalar na bicicleta.
Aqui as luvas fazem parte do dia-a-dia dos latinos.
Deixei de desperar quando surge um afazer. São demasiados, para se pensar no receio que temos deles.
O cheiro da minha casa, que no início me incomodava, identifico agora como o cheiro de um doce lar onde anseio chegar todos os dias, no percurso (gelado) de regresso.
Então passei a preocupar-me com "o que vou fazer hoje para jantar".
Sem dúvida. Aos poucos adaptamo-nos.

22 outubro, 2006

Plötzlich...


(sejam quais forem os obstáculos que ainda tenho de ultrapassar.)


...de repente olho para o pôr-do-sol lá fora e sinto um orgulho enorme de estar aqui.

19 outubro, 2006


schwierig adj. difícil, complicado

O estereótipo não se confirma, pela experiência de um mês que aqui tive.
Mas não posso refutar o que é lógico: este povo tem a sua língua, que me atrai de facto, mas que me está ainda (muito) distante.
Um aluno Erasmus, ao pé de todo este Volk, é pequeno na sua capacidade, grande na sua coragem... genau, confuso nas sensações que o invadem.
É o confirmar que estar aqui é schwierig, que não sobrevivo sem o meu dicionário e que tenho uma vontade enorme de compreender e ser compreendida. Mas que só a vontade não chega.
Digo eu por cá que Erasmus bedeutet kein Problem, mas mais do que isso significa acreditar que sem relaxar um pouco fica tudo noch schwierigER.
Cada dia é uma batalha. E ter vencido hoje uma em Portugal tem de me convencer a ver a batalha contra este Deutscher Volke como algo mais... einfach. Nicht so wichtig.

schaffen v. tr. conseguir (fazer); conseguir passar em.

18 outubro, 2006

Lissabon!...


No castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama descanso o olhar
E assim desfaço o novelo
De azul e mar

À ribeira encosto a cabeça
À almofada da cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem, tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto cruz, bordada
Toalha à beira mar, estendida
Lisboa, menina e moça, amada
Cidade, mulher da minha vida.
No terreiro eu passo por ti
Mas da Graça, eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar.

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem, tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a ponto cruz, bordada
Toalha à beira mar, estendida
Lisboa, menina e moça, amada
Cidade, mulher da minha vida.

Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos, despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida...

Ary dos Santos
(na voz de Carlos do Carmo, que tanta companhia me tem feito)

11 outubro, 2006

Daqui


Daqui já não vejo o Apolo 70 nem oiço o senhor lá em baixo a gritar que hoje anda à roda. Daqui oiço jovens a jogar futebol às sete de manhã, e acordo sobressaltada com os gritos que me fazem lembrar a fonética dos filmes do Holocausto. Também oiço crianças a brincar no pátio do Jardim de Infância, as mesmas que vejo andar sozinhas nas redondezas, paradas à espera do sinal verde para atravessar a estrada.
Daqui tenho visto muito azul e muito verde, sempre a imaginar os dias em que vou ver mais o verde-seco, o castanho e depois o nu, cobertos por um céu "dunkel" que todos os alemães desejam que venha o mais tarde possível.
Sim, daqui ganhamos uma nova visão das coisas, percebemos que eles não são arrogantes como se diz, porque arrogantes dos que vejo cá também vejo em Portugal. Daqui percebemos que também o estereótipo "espanhol" não corresponde à realidade, porque eles esforçam-se por nos perceber. Ao mesmo tempo, confirma-se que falam muito alto nas ruas, confirma-se que os americanos acham que toda a gente tem de falar inglês, confirma-se que os cidadãos de leste têm facilidade em aprender.
Não há dúvidas que, daqui, todos falam do seu país com um orgulho floreado, saboroso de reparar.
E ainda é cedo para perceber o que daqui é perceptível. Mas gosto (já) de confrontar as coisas, filmar uma tailandesa a escrever caracteres chineses, de sorrir quando me apercebo que falo com asiáticos, sul-americanos e europeus diversificados, de admirar a naturalidade com que este povo se preocupa com o ambiente e as formas práticas e económicas de levar o dia-a-dia.
Um alemão disse-me que Leipzig, Dresden e Jena são das melhores cidades para estudantes, sobretudo se estrageiros, porque o Leste não é tão obcecado com o trabalho e cá sobressai a nova geração, preocupada em lutar contra o esterótipo do "alemão frio".
Daqui sinto, naturalmente, saudades daí. Da minha língua, com a qual me exprimo tão mais transparentemente. Dos meus petiscos, como o bacalhau, a carcaça ou o presuntinho. Mas daqui também estou certa que levarei o hábito de comer mais legumes, mais fruta, pão com sementes e iogurtes de todo o tipo e feitio.
Daqui inspira-se um ar agradável, o ar do Norte, o ar da exploração, o ar da neve que se aproxima, o ar da nostalgia de casa que me ensinará como a nostalgia portuguesa não tem razão de ser.
Porque, a partir daqui, há tanto que deixa de fazer sentido... e tanto que ganha um sentido mais forte.

04 outubro, 2006

Nova casa.


É este o meu caminho para casa. Nestas duas primeiras semanas, sempre a pé, cerca de 5 Km todos os dias, com as andanças necessárias. Agora, com um Passe semestral de 60 Euros, ando onde eu quiser, quando quiser, com máquinas em cada estação, painéis com os horários também em cada estação, nenhum eléctrico se atrasou até hoje, não espero mais do que 5 minutos, e como o frio começa a apertar o caminho a pé começa a ser substituído. A bicicleta está também à porta de casa, mas ainda não me habituei a usá-la.

É bom sentir-me nesta nova casa. No meu quartinho, com a minha nova cama, mas os meus lençóis portugueses (os alemães não dormem com lençóis...), com o meu computador (agora) sempre pronto a contactar com o que deixei temporariamente aí - já que só aí me lêem. Gosto do desafio de acordar e olhar directamente para a janela, ou seja para o céu, porque os almães também não usam estores nem cortinas, e lembrar-me assim que o despertador toca (porque o despertador tem de tocar, porque eu tenho de ser pontual nos compromissos) que estou mesmo cá, tive mesmo coragem de, pelo menos vir. Por enquanto, é um dia de cada vez.

É a caminhar, por vezes sozinha, por esta calçada, que eu sinto o tempo a passar e tento avaliá-lo. Mas definitivamente a escala de tempo, nesta experiência de Erasmus (não gosto de chamá-la assim, soa cliché demais, mas parece sê-lo assim mesmo), não tem uma unidade de medida certa. Acima de tudo julgo que o tempo passa devagar, e ao mesmo tempo é mais do que insuficiente para fazer tudo o que preciso. E é sobretudo insuficiente para quem desejaria parar para falar com cada pessoa de cada vez e contar tudo de maneira especial. Nem há tempo nem há forma de exprimir tudo o que se sente em tão pouco tempo.

Fala-se muito alemão, mais do que seria de esperar para quem lida mais com estrangeiros. Os espanhóis falam demasiado espanhol e os anglo-americanos falam demasiado inglês. O dicionário vem sempre comigo e o diário desta viagem especial também está por perto, mas também o tempo não deixa que lhe dê a atenção merecida. Assim sendo trago a máquina fotográfica, Fotoapparat como lhe chamamos, e a cada instante pode registar-se um momento diferente, uma imagem engraçada, ou pelo menos fora de vulgar, como de resto tudo o que sinto que se vive por aqui.

Enquanto é fase da exploração, o sentimento é de agrado, pelo menos porque há mais coisas entusiasmantes do que medo do que aí vem. Mas o certo é que vem e só aí veremos...

aber... kein Problem!

Porque em Erasmus não chegam os textos...



www.fotolog.com/debbiemiranda

Por engano nao consegui por um nome mais apelativo, e por irritação nao consigo sempre pôr fotos no blog. ora entao, fica definido, que têm outro link para guardar nos favoritos e manterem-se deste modo a par das novidades por cá ;)

Grüsse!

23 setembro, 2006

Erste Augenblick (primeira impressao)

Sem estores no quarto, acorda-se a ver os predios frios e o ceu cinzento. Assustadora sensacao. (no teclado alemao nao ha "til" nem "c cedilha"). Arrepios fortes quando sobe a cabeca a consciencia de que estou a muitas milhas de casa.
É verdade. Eles andam na rua com ar serio e frio. Eles comem muita fast food, nao tem muito calor e nao usam guardanapos à mesa. Mas há quem passe os sinais vermelhos, sobretudo os jovens. Tambem comem muitos molhos, tanto que eu resolvi comer um molho à colher que estava numa tigela a julgar que era sopa. Só depois de a tigela estar vazia é que percebi que era molho para a carne.
Organizados, mas mil vezes mais burocráticos. Há uma pessoa para receber a inscricao, na mesa ao lado explicam-me os transportes, na seguinte o programa e noutra sala o pagamento - com uma Frau para eu assinar um papel e outra Frau para entregar o dinheiro.
Mas sim, há muitos estudantes aqui. Muita história. E muitos estrangeiros. Muitos edifícios bonitos e outros em obras. Faz lembrar Portugal. Mas há muitas bicicletas, porque tudo é plano, coisa que na minha Lissabon nao há.
Conheci alemaes que nesse primeiro encontro nao me olharam nos olhos, e no segundo já disseram "Hallo". De qualquer maneira cumprimentam-se com abracos ou apertos de mao e olham espantados quando cumprimento as duas portuguesas que cá há com dois beijinhos.
Os precos sao como em Lisboa. A casa é fofa, sinto-me responsavel pelo meu espaco e gosto de desfrutar dele.
Há uma ansiedade gigante por parte dos 100 Erasmus que já cá estao em ter a internet disponível rapidamente. É compreensível por que é que hoje em dia faz-se mais Erasmus. Há mais formas de comunicacao.
A Família faz falta.
E percebemos agora por que é que os outros Erasmus levam tanto tempo a dar notícias. O tempo passa devagar, mas ao mesmo tempo nao estica para tudo o que é preciso fazer.
E ao mesmo tempo ainda falta tanto para fazer, pensar e... sentir.
Boa sorte para voces todos que também por aí "andam".

15 setembro, 2006

azul, cinzento

Sinto-me como o céu se sente hoje.

Amanhã.

11 setembro, 2006

Aeroporto

Welcome - Bienvenue - Willkommen - Bem-Vindo

Eis um palco de sensações fortes. O espaço que tenho vindo a conhecer melhor, porque contactado melhor. Mais. Mais intensamente. Quase. Sentindo já tudo tão na pele.

Sobre o frio do mármore ou outras pedras que combinam com o ar condicionado e o grande volume de espaço em redor, passeiam-se carrinhos para bagagem, arrastam-se pés de quem por lá vive, os sapatos de salto alto das hospedeiras, os sapatos engraxados dos business men, os ténis dos turistas, os sapatos gastos de quem parte ou chega em busca de oportunidades, saltando continentes.

No meio de tantas diferenças, sobressai o que de tão intenso encharca aquele ar. Despedida. Suave ou intensa, seca ou chorada, breve ou indeterminada, próxima ou distante. No meio de burocráticos processos a lembrar um pescoço de um passageiro ou um piloto cortados com um X-Acto, por entre papéis e despachos e muito dinheiro, é naquele espaço de autênticas chegadas e partidas que pisam vidas, experiências, passeios, devaneios e carreiras.

Viagens.

Sinto-me como nos filmes. Correndo para o aeroporto, pouco antes do embarque, para dar o último abraço, o último beijo, o último aperto, o último olhar, o último aceno. Porque a última lágrima não está agendada.

Mas depois de ficar tantas vezes, agora quero ir. E está quase a minha vez.

01 setembro, 2006

Setembro

Eis o mês em que até os míopes vêem melhor. Cada dia que passa o Sol esconde-se um pouco mais cedo, parecendo chamar a atenção daqueles que gostam de aproveitar o tempo. Convencidos pelo espírito da rentrée a vários níveis enchemo-nos inevitavelmente de uma energia que dizem ser o verão a repor. E então, "este ano vai ser diferente".

Prepara-se mentalmente a lista dos projectos. Este ano é que me vou meter naquilo, desta vez é que vou àquele sítio, agora vou mesmo mudar este hábito.

A lenga-lenga repete-se ano após ano e hoje continuo sem saber se o facto de em Outubro já só termos dez por cento daquela energia se deve à magia que só faz fotossíntese à luz de Setembro - ou ao simples reconhecimento de que não conseguimos avançar de uma vez com todos os planos que temos em mente.

Será o Verão uma ilusão? Acaso a verdade, é uma pena. Porque no Verão ficamos invariavelmente mais felizes e a verdade é que é no Inverno que damos provas do nosso valor. Como se a auto-confiança nos ajudasse a sobreviver ao frio dos dias.

Seja como for, e embora não saiba se sinto isto por Setembro se ter aproximado a um ritmo galopante (!), a verdade é que este mês é... bonito. Não fosse ele e a depressão-de-fim-de-Verão seria insustentável. E a sorte é que ele surge progressivamente. Agora que ele chegou sinto já a minha Lisboa a renascer, a alimentar-se daquilo que lhe é próprio; substituo a angústia pelo alívio quando torno a ouvir as buzinas dos cargas-e-descargas, a ficar apertada no metro em hora de ponta e a poder usufruir finalmente de alguns serviços.

Se calhar, porém, só sinto este ar renovado dentro de mim porque ainda saio à rua com os meus pés bronzeados enfiados nas havaianas.

Enfim, Setembro é um fenómeno. Só tenho pena que este ano não possa fazer planos como os que fiz em todos os outros. Ou por outra, talvez o plano que fiz - e os que fizeram por mim - simplesmente não deixe espaço para muitos mais.

17 agosto, 2006

Sobre os carris do Alentejo

Gosto das metáforas e da realidade simplificada aos meus olhos. Atravesso o olhar pelo comum dos mortais, ignoro o pensamento dele, quiçá também concentrado. Ambos relaxamos com a ajuda destes fios conectados aos ouvidos, cada um a transportar decerto uma energia diferente. Por detrás do seu perfil vejo uma paisagem alentejana, aquela que arriscaria dizer só o portugês nato e amadurecido saberá observar para além do verde e castanho secos.


Sinto como se os sobreiros falassem a toda esta carruagem, lembrando que o equilíbrio passa por olhar para eles com alguma frequência. Passa a senhora com petiscos para o lanche, quebrou a minha concentração, mas agora não me apetece comer, vou continuar a olhar.

É esta metáfora de quase duzentos km/hora a penetrar o Alentejo rumo ao Sul que me força à reflexão. Com os olhos regalados pela luz de fim de dia de Agosto e uma alma tão requisitada nos últimos tempos mergulho num agradecimento e numa força interior que só neste sossego poderia conseguir.

Consciencializo-me de que só no isolamento se vencem algumas batalhas. Aliviante ideia, se pensar que me delicia o silêncio de uma carruagem que todos aqui obriga a conversarem apenas consigo mesmos. Não é no entanto à escala de uma carruagem ou de uma travessia do Alentejo que me apraz falar. Encontrei, ideologicamente, a proporção destes pensamentos num patamar que propõe muito mais. Alarga-se o tempo, o espaço, o contacto. E alarga-se o horizonte, certamente.

Descobri com orgulho ser isso que pretendo. Como se, no acumular de todas as viagens que fiz sob o silêncio do transporte à luz de Agosto, tivesse visto a necessidade de fazê-lo sob outra tipologia.

É irónico constatar que, na consideração de ter posto neste desafio uma fasquia demasiado alta, fui alertada para os clichés que julgava adaptáveis aos outros, nos seus projectos que eu idealizava perseguir tão mais tarde - eu, que penso sempre para tão mais tarde. Irónico porque só então assimilei os meus vinte e um anos, a empurrar-me para um novo início. Quem sabe conseguido com este primeiro passo de qualquer coisa que, pela primeira vez, conheço apenas até certo ponto da escalada.

Esta carruagem não esperou por mim, tal como a Vida não espera por nós. A ousadia de que o "próximo comboio" também surgiria na minha vida castigou-me na suposta fase madura da minha vida. Não censuro. A ousadia reconhece-se com um estalo, aos olhos dos outros, aqueles cuja imagem só nós no nosso isolamento podemos esquecer.

Soube fugir sem ser para dentro de qualquer esconderijo. E não saberia qual escolher, mesmo que o quisesse. Do lar fugiria para um coração em par, deste para uma amizade listada ou desta novamente para o lar, no arranque de um ciclo sem fim à vista.

Como se tivesse saboreado estas certezas a escapar-me das mãos, castigo-me agora, ao mesmo tempo que me sinto florescer. Numa planície como esta que se estende ao meu olhar.

Vou apanhar o comboio para ir ter comigo.

04 agosto, 2006

Calor

Humano, familiar, do lar, dos amigos, do amor, do Verão.
Quando é esta energia que o Calor traz, eu adoro-o. Consome-me por completo.
As boas notícias têm sabor a mar, a casa fica mais alegre, os amigos mais próximos, o sorriso mais presente, as viagens mais apetecíveis.
O comboio vai soar a partida e eu hei-de ficar no meu lugar, sentada, sossegada, observadora. Isolada no meu Eu, como só agora faz sentido precisar.
Hoje sinto-me capaz de enfrentar as temperaturas negativas do amanhã. Ou, mais precisamente, do mês e pouco que falta.

23 julho, 2006

No vale do semblante.

Semelhante a um manual de instruções. Por fases, seguindo uma de cada vez, com cuidado, com se’s. Como num manual de instruções também há momentos em que não percebemos o que nos indicam, parece que algo não bate certo.

Folheio essas fases, embebida de inseguranças, de muita esperança, de sorrisos sinceros e transparência. Só disfarço as lágrimas, quando elas me atraiçoam. No fim de cada dia folheio mentalmente o que me trará o amanhã, a semana seguinte, o mês seguinte num fechar de olhos molhado, fraco e isolado.

Com o raiar de cada nova manhã correu nestas veias a tranquilidade, a vontade de subir àquele terceiro andar para lembrar a presença, o amor, o valor – e garantir que somos especiais, sem pretensões no entanto.

Aos poucos fui tomando a consciência do que tenho em meu redor de certo e incerto, de corajoso e cobarde, de prestável e impotente, de insignificante e imperativo.

Nunca duas velas do meu aniversário tinham sido tão partilhadas, tão amigas, tão fiéis. Sopradas ao sabor do lar, com a fragrância de um ar que se construiu pelas suposições e contrariedades do início, pela consciencialização das prioridades entretanto e pela consolidação dos valores com o passar do tempo. Os princípios que o quotidiano de uma Família faz emergir e que comandam as emoções com esta facilidade. Falo pelo Caranguejo que sou.

Depois de aquela cigana me agoirar o mal só porque não quis ouvir o meu futuro pela voz de uma estranha acabei por confirmar o que pressentia para este arranque de terceira década de Vida. A mudança iria envolver-me, essa que vira como um desafio e que agora ganhou contornos de protecção. Ou, na perspectiva contrária, de abandono.

Agora as dúvidas quanto ao desafio ganham novos argumentos – que desejava ardentemente não ter precisado de conhecer para olhar os anteriores com desdém. Pois enquanto nos movimentarmos, respirarmos e contactarmos tudo ganha viabilidade.

Agora as ausências adivinham mais dor. A saudade antecipada rouba a força, a coragem que nunca foi muita e até a vontade de ir. Um desafio que julgava enriquecedor soa-me agora, todas as noites, disparatado e irreflectido. Mesmo sabendo não ter nada a provar, a vontade de me pôr à prova oferece o seu espaço à vontade de saborear cada presença e companhia. Cá.

Custa, esta necessidade de abdicar de qualquer coisa. Custa conjugar o desejo sincero de estar por perto com a certeza de que quem está por perto deseja ver-me amadurecer lá longe. Custa pensar no motivo que me levou a crer que deveria ir. Custa mais agora pensar que falta tão pouco para sentir tanto a falta de quem fará sempre falta. Por se ter unido quando a surpresa nos surgiu como só ela sabe surgir.

Não gosto de clichés, não gosto do carpe diem, não acredito que viva mais por me concentrar no momento. Acredito sim que sofro mais, tão mais, pelo medo constante que nasceu comigo, este medo do futuro em todos os seus sinónimos.

A dúvida consome-me, o pânico aproxima-se e eu recuo. Como ultimamente tenho dito, não posso mais planear. Não tenho força nem experiência para isso. A Vida tem-me dito, nos últimos dias, que a Família, a Saúde e os Amigos são tesouros a acarinhar. E para isso precisava de estar presente. Para não sentir falta, para adiar a saudade, para ter onde chorar depressa, para estar segura e retribuir a dedicação que até hoje me foi dada.

Está a corroer-me este sofrimento de não saber o que será melhor.

E no fim, tal como num manual de instruções, ficam as hipóteses. Ou se consegue sem saber como, ou se persiste com a ajuda do tempo, ou se desiste.

06 julho, 2006

O semblante

Depressa se escondem os traços outrora mais visíveis, aqueles que a todos familiarizam pelo tom inequivocamente superficial. Uma bola na rede certa, uma agenda cheia de cores ou um simples bonito dia de sol carregavam a força do sorriso que em todos queremos ver. Pois os traços lá se esconderam, frios sob os poros da pele, por onde agora só entram os olhares que nós queremos. Como se nos sentíssimos bem apertadinhos, naquele calor tão forte, o calor humano do núcleo do lar, preso num espaço também apertadinho. Um espaço para tudo o que é preciso. É dele que olho lá para fora, para os sorrisos que ainda espreitam acolá, lembrando-me novamente da perícia em que consiste o olhar para além da visão. E por isso é para este espaço que eu tenho a certeza que poucos estão a conseguir olhar. Aos que me e nos observam realmente, com aquela palavra certa ou mesmo aquele silêncio que diz tudo, a esses devolvo a garantia que é por eles que ainda olhamos lá para fora. Para aqueles que, de lá, se mostram capazes de estar atentos a todos os casulos espalhados pelas arestas das suas caixas de amigos.


Para os que mantêm um olhar inocentemente ignorante, cá dentro não somos capazes de declarar nada, pois a força do instinto amigo não se manifesta e creio que não compensa acenar para que nos vejam. Conformo-me, tranquila. Dói mais quando tantos daqueles pares de olhinhos que apareciam no parapeito do casulo, tantas vezes, fazendo parecer daquela fronteira um espaço tão mais amplo e harmonioso, não espreitam mais, por qualquer motivo que quase parece não ter agora importância alguma. As marcas dos cotovelos apoiados no parapeito ainda se vêem, mas a erosão vai tratando do assunto. Faz-nos acreditar que é possível já ter passado, que não há lugar para rancores num espaço tão pequeno, num tempo tão valioso.


Tudo porque o semblante oscila e nem sempre aquele mais escondido está ao alcance do olhar de quem gostaríamos, ou de quem seria suposto. Importa assim recarregar as forças do casulo, queimar os ácaros das arestas e, se Deus quiser, sair enfim de volta para o mundo dos semblantes, onde então o nosso lembrará a hierarquia dos valores.

Enquanto isso, não calculam a força que vai cá dentro.

01 julho, 2006

(Mesmo) Imbatíveis.

Porque arrisco dizer que só nós temos este espírito, este de quem se agarra a uma causa como se pouco ao nosso redor ainda fizesse sentido louvar sobre uma Pátria fora das memórias áureas. Portugal faz HOJE História, o nosso apesar de tudo tão querido País representa-se de uma forma que nos faz reconhecer como há alturas em que a força para ostentar o Vermelho, o Verde e o Amarelo é profunda demais. Nada como a força de vontade que nos caracteriza para pôr de parte os tão sempre emergentes pessimismo, falta de confiança e prontidão para a crítica. Porque, como o bom Português tão bem sabe fazer, à última da hora é que nos lembramos que podemos vencer. Aconteça o que acontecer, já vencemos, pois já pudemos, neste arranque crítico do novo milénio para os Lusos, voltar a gritar com aquela garra que faz as lágrimas quererem saltar para também fazerem a festa.

Obrigada, Nação Valente.

30 junho, 2006

Uma geração desorientada

Escrevi este texto em Fevereiro passado e não sei ao certo por que não o publiquei na altura. Talvez a clara transparência, passe o pleonasmo, me fizesse crer que o deveria mostrar a quem o soubesse ler como o escrevi. Mas sujeita a esta eterna espera de feedback, e porque nada melhor do que esta fase de transição académica da minha vida, ei-lo

Fala-se em aposta na educação, em reformas no ensino superior, em jovens que farão o futuro do país. Aos poucos vemos o esforço relutante de dar as mãos entre o ensino e a tecnologia, na esperança de nos aproximar das invejadas “médias europeias”. Quem sabe, as crianças de hoje não venham mesmo a lucrar com isso?

Mas nós, os estudantes do ensino superior de hoje, de uma transição ainda não palpável, sentimo-nos descurados desse apoio. Aliás, são as falhas de que nos queixamos que alertam os governos para a necessidade de dar importância à educação dos jovens. Há pouco tempo, na Universidade Nova de Lisboa, onde estudo Ciências da Comunicação, uma Professora minha, ainda nova, mostrou-se muito surpreendida quando lhe contámos, seus alunos que rondam os 20 anos, ter sentido uma grande angústia no tempo em que nos era imposto seguir uma determinada área profissional. “Mas vocês chegam ao ponto de deixar que o medo da situação do mercado de trabalho influencie a decisão sobre o que querem fazer da vida?”, perguntou-nos, incrédula. Confessou, garantindo que a sua geração era unânime, não ter essa consciência.

É a mais pura verdade. Desde o tempo em que nos ensinam a importância da evolução tecnológica, fazendo da Revolução Industrial o grande passo da nossa História, parecem esquecer-se simultaneamente que é preciso darem-nos o espaço, a oportunidade e as condições para que façamos, um dia, História também. E no entanto sinto, juntamente com a maioria dos meus colegas, um desamparo desmedido que nos faz sentir que a única solução para vingarmos na vida passa por um dinamismo consciente da ausência de apoios. Resta-nos fazer e procurar, lutando contra os obstáculos que parecem só agora constituir uma “questão a estudar no plano legislativo”. Talvez para daqui a alguns anos.

Enquanto isso, porque não podemos perder tempo a esperar, resta-nos seguir esse caminho de pedras, buracos e poeira. Um caminho em que nos constituímos cidadãos como autodidactas, por não termos sobre nós o princípio, o exemplo. Se tanto lutam para que tenhamos uma infância feliz, longe das atrocidades que sabemos atacar crianças por todo o Mundo, violadas, exploradas e famintas, a verdade é que crescemos com uma maturidade fragilizada que não permite, a muitos, enfrentar as dificuldades da crua realidade prática da vida.

Quando julgamos sentir em nós a capacidade para “mudar o mundo”, depressa nos retiram esse alento, gritando-nos diariamente sobre as elevadas taxas de desemprego, acompanhadas da frase-desilusão “ainda tens muito que aprender nesta vida”.

Parece ser este o espírito perdedor de um povo de glórias passadas que viu o tempo correr e já não crê no retorno dos tempos áureos. E que culpa temos nós, jovens obrigados a estudar todas as datas que marcaram a magnificência portuguesa, que o caminho percorrido desde então por Portugal não tenha sido mais bonito, nós a quem pouparam a oportunidade de acreditar mais agora para viver melhor depois?

Desorientaram-nos porque se sentiram atraiçoados pela conjectura que os antecessores viveram. Fraquejaram com esta crise de identidade permanente, qual criança de um país de Terceiro Mundo que não pôde sentir a protecção à sua volta.

Hoje somos negativamente acusados de espírito revolucionário, de não nos esforçarmos, de deixarmos de estudar. Porquê? Porque sem um desenvolvimento motivador somos forçados a trazer esse dinheiro caro para casa, a trabalhar cedo para viver, e não a trabalhar para cultivar outros sonhos. Aos que tiveram um berço mais feliz mas apenas aos que sabem valorizá-lo, é possível pegar em alguns tostões e alargar horizontes, procurar oportunidades além-fronteiras, ir. São esses ou os que sonham com isso que, quando abordados na rua pelos repórteres sobre o que fariam com o prémio do Euromilhões, respondem, sem hesitação e com um sorriso ambiguamente melancólico e determinado, “ia embora daqui”. São esses que, com uma frustração cada vez mais unida, parecem só saber gritar “Portugal!” a todo pulmão quando o futebol os faz esquecer que, aqui, não têm espaço para muito.

Não nos culpem por nos revoltarmos e querermos ir embora de um País que não nos ajuda.

18 junho, 2006

Imbatíveis Portugueses - permanente actualização

É favor cantar com a melodia do Dartacão :)

[de volta às origens.]

Era uma vez os onze imbatíveis portugueses
Do Scolari campeão são os vencedores
Não mporta a arbitragem e os seus cartões Não importa o Zidane e o seu penalti
Porque
somos e seremos sempre campeões

Quando eles vão a jogar
Já ninguém lhes tira a bola
É o Figo a passar e o Maniche a marcar
Uma finta aqui e ali e o bailinho a pairar
Holanda e Inglaterra p'ra trás a ficar

Vai o Cris Vai o Cris
E marca o golinho
Vai Ricardo Vai Ricardo
E defende os penalties
Vai o Figo vai o Figo
E passa a bolinha
Pró Pedro Pôlétaaa

Ricardo Carvalho
Defende com pinta
Vai o Deco vai o Deco
E faz uma granda finta
Nuno Gomes sai do banco
E marca o golão que salva a Selecção
Força Portugaliii !!

13 junho, 2006

Falta um pouco.

Sinto-o aproximar-se novamente. Esse vento mais forte que leva as cores mais carregadas da minha mente. Surge sem aviso, é inconveniente, fatigante e bloqueador. Faz-me ter saudades das manhãs em que salto da cama atrás dos meus projectos, para tantas horas depois concluir que foi um dia preenchido e isso preencher-me interiormente. Dar um contributo a qualquer nível faz-me sentir maior e melhor, ajuda-me a acreditar nas capacidades que se escondem na ramificação melindrosa de uma alma que dá tão pouco do que poderia dar. Ocupar o tempo, saboreá-lo com sorrisos, partilhas, lembranças, planos, conversas, presenças, eis a vontade que recalco com o passar dos anos, presa ao futuro que “só virá depois” e que, convenço-me, me dá tempo de aprender a vivê-lo. Armadilha essa a de me distanciar do amanhã, por saber hoje que assim já perdi muito do que pude ter. Feliz, polida, tranquila, responsável e atenta, características que já não coincidem certamente com o dinamismo, o risco, o avanço, a vontade e a sua força. Orgulhosa sim, de mim mesma, porque antes tarde do que nunca adquiri essa consciência, a de saber que “tenho de” mais do que “terei um dia de”. O futuro faz-se no presente, a nuvem que passou sei-a aproximar-se de novo, mais tarde ou mais cedo, e terei de estar preparada para ela, cada vez mais e melhor, até ao dia em que faça e diga tudo sem sentir a tempestade que me cai em cima.


Falta pouco para esse auto-teste, sem que dele precise de tirar provas para quem quer que seja. Mas aproxima-se impiedosamente a data marcada em que terei de pôr em prática tudo aquilo em que tenho pensado, sobre o que tenho escrito, que me tem atormentado e encorajado, nuns dias mais, noutros menos. Nessa altura não terei tempo para projecções, talvez nem sequer expectativas. Não as quero, por me faltar a bagagem que permita construí-las com razão. Estou forçada a este amadurecimento radical porque assim o quis, porque graças a Deus tive várias manhãs de sede de fazer, tendo hoje um pequeno caminho esbatido por onde decidi que me vou aventurar.

E, em todo o caso, a vontade não dita a preparação. Tortura essa de saber que lá mais à frente me vai doer, tanto e com tanta força, com tanto frio, solidão, vazio, questionamento. Falta tão pouco para me ver confrontada com tanto, falta-me tanto para não ter medo, mas quero crer que falta só um pouco para que finalmente eu comece a acreditar que consigo.

01 junho, 2006

Conversa de Criança

Sinto falta de ser pequenina para andar de baloiço,
de correr com os pneus e esfolar os joelhos.
Não me lembro das barbies, nem dos Onda Choc, porque isso era para a menina da minha irmã.
Eu fui o Joãozinho muito tempo, aquele que a minha Mãe quis.
Quando me cortou o cabelo à tigela e ficou feliz daquela forma,
não acreditei como podia aplaudir o meu choro desesperado...
Mas hoje sorrio com isso,
como sorrio sobre tudo o que invadiu a minha infância.
Criancices,
como a de ir de pijama para a escola por engano,
como a de conspirar com a Tatiana para guardar as couves do almoço no bolso da bata,
como a de ver na 4.ª classe o cinto encarnado dessa bata já todo podre,
como a de comer todos os dias um bolo de côco ou de açúcar... a 30$.
Criancice aquela de viver quatro anos no Externato do Parque,
de ainda hoje cantar as Olimparquíedas.
Era tão bom ter o material escolar cor-de-rosa e aprender a ler, a escrever, a desenhar,
a cantar o "A B C" em inglês com a Julieta.
Gostava de ser chamada para encher a garrafa de água da Ester,
de ir ao caixote do lixo afiar o lápis.
Gostava de usar fato-de-banho, fitas no cabelo, roupa de todas as cores,
misturando bolas, riscos e quadrados.
Via na minha Mãe uma criança que fazia de nós os seus nenucos.
Delirava de pânico quando a minha irmã se fingia de morta,
Estremecia à espera do Pai Natal,
Gostava dos mimos da Irene,
Adorava as festas de anos, de levar para casa o saquinho com balões e guloseimas.
Era triste fazer anos no Verão e nunca ter uma festinha parecida.
Uma vez obriguei a minha Mãe a preparar uma festa para o feriado 5 de Outubro,
telefonou e comprou e cozinhou tudo na véspera.
Lembro-me do cesto do lanche,
Lembro-me de não me lembrar da correria dos meus Pais para terem a certeza
de que as "filas" estavam sempre bem.
Ainda gosto de bater na minha irmã, de lhe puxar os cabelos,
(e ela a mim, claro).
Tenho saudades das bolachas Bonne Maman ao pequeno-almoço,
Tenho saudades do "fato-polícia" do meu Pai,
de quando se desculpava por chegar tarde, "filha, estava nos tostões".
Gostava dos meus hamsters, piriquitos, da Bolinha porquinha da índia,
Gostava de programar as minhas férias num papel colorido,
de desesperar por não conseguir aprender a ver as horas.
Gostava das Belinhas, as melhores bolachas de chocolate de sempre,
de jogar ao elástico e ao macaquinho-do-chinês.
Tenho saudades do Porto Covo dos meus quatro anos,
da Marina de Vilamoura dos meus seis.
Tenho saudades dos caracóis no meu cabelo,
do meu sorriso traquina,
de brincar na Gulbenkian,
da sesta na creche.
Sinto falta do muro à minha volta,
da minha ingenuidade,
de não precisar de saber.
Hoje não recebi a minha caixa de lápis de cor Caran D'Ache,
mas tenho-a aqui para sentir que o dia 1 de Junho ainda é para mim.

Um beijinho a todos os que foram crianças quando eu fui e que se identificam com estas palavras.
Um dia destes brindaremos com vinho e carro lá fora
a esta passagem cruel do tempo...
...Embora eu ainda seja uma bebé-bolacha!

24 maio, 2006

Flor-de-ir-embora


Flor de ir embora
é uma flor que se alimenta
do que a gente chora
Rompe a terra, decidida,
flor do meu desejo
de correr o mundo afora
Flor de sentimento
amadurecendo, aos poucos,
a minha partida
Quando a flor abrir inteira
muda a minha vida
Esperei o tempo certo
E lá vou eu, e lá vou eu
flor de ir embora, eu vou
E agora esse mundo é meu.

Maria Bethania

Obrigada M.J. :)

23 maio, 2006

Too love


Adoro o som da rega dos jardins.
Adoro a minha cama.
Adoro folhear os livros.
Adoro o cheiro do fósforo quando se apaga.
Adoro pensar que quero.
Adoro o silêncio.
Adoro andar a pé.
Adoro músicas melancólicas.
Adoro a praia vazia.
Adoro Lisboa.
Adoro a urbe impessoal.
Adoro sentar-me à secretária.
Adoro observar.
Adoro lembrar a minha infância.
Adoro chocolate.
Adoro o Dartacão.
Adoro dizer "eu vou".
Adoro comer petiscos.
Adoro os jogos de Portugal.
Adoro tirar as meias a meio da noite.
Adoro escrever à mão.
Adoro olhares que falam.
Adoro Nova Iorque.
Adoro a minha Casa, a minha Família.
Adoro o meu coelho, a minha caturra.
Adoro o banho matinal.
Adoro os sábados de manhã com sol.

19 maio, 2006

Zukunft


Terrível a sensação da incógnita,
Terrível o medo do imprevisto,
Terrível não poder prever,
Terrível não poder fugir disto.

Aliviante a força das relações,
Saudável a compreensão,
Propício o momento,
Ponderada a decisão.

Saber que é o melhor e não poder prová-lo já.
Eis o problema do futuro.

16 maio, 2006

Cinzento abafado

Um tic tac que baloiça para um lado e para o outro, hipnotizando quem por ele se deixa absorver. É o paradoxo da minha alma, neste tempo de flores, decisões, calor e tensão. Porque me apetece muito sair e sentir o bafo quente tocar-me a pele e porque não saio, digo eu que não posso, tenho coisas para fazer. Em vez de fazê-las fico a pensar em mim, não responsável mas egocêntrica, e tanto ao ponto de não ter visão para o que me rodeia. Penso em mim e decido que não vou planear-me dessa forma, que não me é saudável, que devo pôr o pé à frente em vez de andar como há 20 anos neste pé-ante-pé-recuado. Em todo o caso acabei de não sair por achar que não podia, para no fim concluir que o que mais quero é contrariar-me nesse terrível defeito que me prende. E a ele me prendo continuamente, e nele penso, para novamente amanhã querer decidir e fazer e levar avante uma ideia, ínfima que seja, e ter quase a certeza de que não o farei, por alguma razão que o tempo que digo não ter não me deixa apurar. Confundo-me comigo mesma, oiço o fado do campo pequeno e sorrio pelas coisas boas que posso saborear, para no instante seguinte as pálpebras fecharem e abrirem num movimento melancolicamente lento. Confundo-me na minha própria imagem, há minutos tão serena e feliz, agora tão apaticamente triste. O meu coelho rói-me as calças como quem me chama à terra que ele pisa ali em baixo, "taninha, reage". E eu não reajo, por saber que estes dias não têm solução. Então imagino-me sob o ar gélido da neve e das ausências que somente imagino, e cai por terra toda a força de vontade que tenho acreditado que está em mim, guardada para explodir quando for preciso. Não sou mais expectante, não sou mais pensante sequer, pelo medo de dias como este que hei-de ter. E o bafo lá fora sufoca-me por não saber que atitude devo tomar.

13 maio, 2006

Confirma-se

Dear Mr./Ms. Miguel Marcal Correia Deyrieux Centeno ,

I am pleased to inform you that you have been accepted to the Charles University in Prague, Faculty of Medicine in Pilsen as a full time student of the 1st year of General Medicine Course in the Academic year 2006/2007.

O meu fofinho vai ser Médico como tanto sonhou, depois de recalcar esse sonho em vão durante os últimos três anos.

Nada mais genuíno do que saber da notícia antes dele e sentir, sozinha em frente ao computador, o coração a pulsar com força e uma vontade enorme de saltar, rir e chorar. Nada mais delicioso do que correr atrás dele e dizer-lhe que ele conseguiu, que ele está em Medicina como tanto merece há tanto tempo. Nada mais gratificante do que ver aquele sorriso lindo dele a rasgar-se até às orelhas e vê-lo saltar e gritar como um parvinho no meio da rua.

Não importa pensar no que é que isso implica. Importa sentir esta felicidade pela felicidade alheia.

Chamaram-lhe amor incondicional.

Obrigada a todos os que sempre perguntaram e se preocuparam.

Agora é aproveitar.

04 maio, 2006

Um ano.


Sem palavras, com amor, sem remorso, com perdão, sem falácia, com cumplicidade, sem cinza, com força, sem presentes, com olhares, sem destino, com sorte, sem aliança, com passeios, sem novela, com enredo, sem desconfiança, com orgulho, sem vazio, com verdade, sem ausência, com história, sem transtorno, com amizade, sem favores, com compreensão, sem prisão, com lágrimas, sem lágrimas.

Sem certezas, com esperança, com memória, com saudade.


20 abril, 2006

À beira-rio de Lisboa


Como um filhote às ordens das sete colinas, a beira-rio da minha cidade delicia-me.
Delicia-me o cacilheiro cor-de-laranja que me leva ao caminho para as praias de São João e ao “Atira-te ao Rio” da Trafaria.
Delicia-me o Padrão dos Descobrimentos, a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos a protegê-los com o olhar, impondo a quem passa a memória dos tempos áureos lusitanos.
Os pastéis de Belém são deliciosos.
A homenagem aos combatentes do Ultramar delicia o meu orgulho familiar.
São deliciosos todos os momentos de que podemos desfrutar desde o Parque das Nações até ao fim da grande marginal, passando pelos petiscos nas esplandas das Docas, pelos cafés a ver o Tejo, pelos passeios ali a pé, pelas corridas de patins em Algés e pelo luar na companhia da ponte 25 de Abril.
Porque não há como esta cidade que espelha no Tejo a rendição de quem a visita, venha de onde vier. Lisboa é luz e água.
Meditar sozinho, estudar com amigos, namorar, passear com a Família, brincar na relva… ou simplesmente olhar e respirar. É essa vontade que se sente à beira-rio de Lisboa.

19 abril, 2006

Num instante...


… perdeu-se uma vida. Jovem.
… perdeu-se um filho.
… um corpo desfez-se.
… começou um trauma.
… algo numa Família perdeu sentido.
… outros números foram ignorados.
… os media esbracejaram.
… não houve tempo para despedidas.
… houve muitos arrependimentos.
… houve pena.
… lembrei-me do Eduardo.
… parou-se para pensar.
… o tempo parou.
… o alheio aconteceu connosco.
… a coincidência assustou.
… a estabilidade fez-se estilhaço.
… a confiança traiu.
… um fenómeno nacional perdeu o seu sentido para, quiçá, ganhar outro.
… soltaram-se os clichés.
… a fama pareceu ensinar.
… o adulto não soube explicar.
… a Televisão (i) exagerou.
… explorou-se a dor.
… cresceu a apatia.
… cresceram as romarias.
… o amigo sofreu.
… dois irmãos angustiaram-se.
… questionou-se o habitual.


Num instante o choque alastrou e mais uma vez a dor viu-se efémera para uns e eterna para outros.

A revolta face à exploração mediática da morte de um jovem, apenas porque era (!) um ídolo para muitos adolescentes, faz apetecer o off da televisão, como se não interessasse. Começamos a deixar de ter espaço para fazer o nosso juízo de valor, como se não nos deixassem sentir mortes destas sem nos emocionarmos com as imagens do jovem ao som de músicas que apelam ao amor pela vida, sem passarmos SMS e outras mensagens de condolências, sem seguirmos as cerimónias fúnebres pelo pequeno ecrã.

Não sei nem cabe a mim saber o que é correcto dizer ou pensar acerca de um fenómeno destes.

Resta-me respeitar aqueles para quem, num instante, a vida não seguiu em frente.

16 abril, 2006

Não penses, faz



Cada dia que vivo, anseio pelo próximo, não pela sede de viver, mas pela vontade de ver já passados os desafios que me surgem. Não obstante sinto a cada dia mais um pouco dessa sede, por a cada dia ouvir e ver vivências que julgam obrigar-me a saborear cada instante respirável. “A vida é curta”, “Carpe Diem”, “Sê optimista” não me convencem, mesmo que não saiba justificá-lo. Pois o que tem vindo a conquistar esta vontade de reagir à minha apatia tem sido algo que não sei definir, creio que por ser contínuo. E isso orgulha-me. Fui ensinando a mim mesma, em quase todas as oportunidades que tive, a forma de vivê-las com menos receios, com mais vontade e descontracção.

Hoje deparo com a inevitabilidade de parte do meu futuro e, simultaneamente, com a terrível responsabilidade de ter uma decisão nas mãos. Neste interior que, tão bem tantos sabem, canta fados cinzentinhos, chocam as células habituadas ao conformismo pessimista com aquelas que, mesmo fortes, não têm força suficiente. E nestes momentos de solidão caseira vence-me a frustração de querer estar lá fora, de casa, da cidade, do país, de mim mesma, e não poder, porque não faço, porque não quero realmente. Querer é poder, esse sim é um cliché no qual muitas vezes acredito. Pela primeira vez sorrio por sentir verdadeiramente que quero um pouco mais, porque tive a modéstia de partir sempre de um ponto em que não seria capaz de nada. Então era como se não quisesse.

E tudo graças ao que me rodeia. Às pessoas, aos amigos, aos inimigos, às imagens, às notícias, à minha imaginação ambiciosa. Tudo graças aos que me aturaram, dando-me a certeza de que, aproximada de alguém parecida comigo, eu saturaria facilmente. Não deve ser fácil conviver com quem está constantemente a dizer que não, quando na maioria dessas vezes poderia dizer que sim. Quem baixa a cabeça quando tem motivos para sorrir.

Não posso negar que tenho as minhas razões para ter inseguranças, pelo menos desde que, há cerca de três anos, saí da protecção colegial para ouvir os comentários gelados sobre os futuros com “n” adjectivos. Tantas razões quantas as que podem designar para me acusar de egoísmo e egocentrismo. E mesmo assim eu não cedo, por a escrita ser ainda o meu poço preferido de fraquezas.

Ora, admito, já estas palavrinhas parecem carregar outro alento para dentro desse meu poço profundo e misterioso. Quem sabe eu não esteja mesmo a ganhar forças?

04 abril, 2006

Der Frühling



Não há melhor do que estes meses em que tudo é harmonioso.

16 março, 2006

Lá no Colégio



Cada nota tocada na bateria, no piano, na guitarra ou na flauta do Musicentro, senti-a na sua individualidade, absorvendo a melodia que tanto ali me diz.

Os papelinhos de orientação da Eucaristia foram substituídos pelo retroprojector, num acto disfarçado de uma poupança de papel traduzida em tecnologia de luxo.

A entrada é de vidro, com portas automáticas. Ao lado, a homenagem ao Pe. José Alberto Mendes recorda os valores daquela Casa. Os momentos fortes. No corredor para o pátio do primeiro ciclo e outros, as luzes acendem também sozinhas. O campo de terra é agora de um verde sintético, cheira a novo. Nele e no novo pátio, de um soalho-atenuante-de-quedas, sente-se a corrida do tempo, lembram-nos que não estamos lá. Os miúdos, ou meninos, correm atrás de uma bola, esfolam as calças Ralph Lauren e sujam as camisolas da Gap.

Naquele antigo terraço nasceu agora uma biblioteca, toda em vidro. Finalmente um espaço maior, com mais mesas, mais livros, mais interesse. E ainda assim insistimos, alguns, na crítica ao uso ostensivo dos milhares de euros que todos ali deixámos.

O Colégio está sobrelotado, é uma elite. Os Finalistas, já não tão vestidos a rigor, não têm também já lugar junto ao altar. No pórtico do Secundário parece que ainda chove através do pseudo-tecto roto.

Mas a melodia da Missa de S. José abafa todas essas imagens, brilhantes e luxuosas, das quais falamos como se nos envergonhasse. Não percebo porquê. A oração que invoca todos os alunos das Oficinas de S. José orgulha-me. O "Onde Tu Estás" a decalcar uma voz insubstituíel arrepia-me. Os temas que não conhecia lembram-me igualmente que já lá não estou.

É nesta oportunidade de regressar à minha Antiga Casa que, na qualidade de "Antiga Aluna", renovo o ar que me adensa a alma. Deixa de interessar se saio de uma instituição que mal tem dinheiro para pagar a electricidade, para ir para uma casa católica onde tudo se paga a muitos zeros por mês. Vou sim de uma instituição académica repleta de hierarquias arrogantes para uma casa em que a pedagogia também pode tratar-me pelo nome. Convidam-nos para ir, para visitar, para estar, para perguntar, para aconselhar.

Chamem-me lamechas, mas os Salesianos acolhem-me. Qual colheita de frutos.

10 março, 2006

Sem resposta.

Enquanto estudo, enquanto procuro uma resposta para este interesse pelo Jornalismo, enquanto folheio e leio as páginas de um jornal, enquanto oiço e oiço dizer. Para aquilo que me interessa e para aquilo que me revolta, sou constantemente desafiada a reagir, manifestando-me. Mas nem quando me antecipo, fazendo-o de livre vontade, venço a frustração.

Em meados de Novembro do ano passado, em carta registada:

Exma. Sr.ª Dr.ª Inês Serra Lopes

É com algum desapontamento e receio que sinto necessidade de escrever directamente a V.ª Ex.a.

Serei frontal, para não fugir à concisão dos meus argumentos e para tentar que V.ª Ex.a tenha disponibilidade para ler a totalidade do que aqui exponho. Refiro-me, portanto, à coluna de Catarina Jardim no suplemento VIDA do jornal que V.ª Ex.a dirige, O Independente.

Foi com discórdia e desalento que tomei conhecimento do facto, confrontada directamente com um dos textos assinados pela conhecida jovem numa das páginas iniciais do referido suplemento. Ocorreu-me, de imediato, o conhecimento geral de que a figura pública em questão terá ingressado no presente ano lectivo para o Ensino Superior, Privado, com a comentada baixa média de acesso ao curso de Comunicação Social.

Não teria motivo nem legitimidade, se é que a tenho neste instante, para fazer conhecer a V.ª Ex.a a presente crítica, caso a já polémica crónica “Livre Trânsito” reflectisse temas de interesse público, críticas a acontecimentos da actualidade ou simples reflexões pertinentes – no fundo, os critérios designados para o conteúdo dos usualmente qualificados de “artigos de opinião”.

Ora, não considero, eu e aqueles com quem confrontei a minha indignação, que me apoiaram com um juízo semelhante, que textos que abordam egocêntrica e presunçosamente a rotina da jovem em questão, servidos de desabafos acerca do cansaço da rotina académica, a referência a amigas que constituem igualmente figuras públicas ou a descrição de um cruzeiro como um evento social sem a mínima perspicácia nas referências desenhadas, entre outros assuntos, satisfaçam os critérios supra-referidos.

Decerto tenho consciência das possíveis motivações que direccionaram V.ª Ex.a a concretizar o fenómeno que aqui apresento, os quais, de resto, constituem domínio público. De igual modo, estou disposta a considerar que, de alguma forma, a “vida de Pimpinha Jardim” possa reunir interesse para uma qualquer percentagem de leitores do suplemento VIDA. Não obstante, mantenho a minha posição, pois não julgo suficientemente justificatórias as razões apontadas para permitir que se considere que Catarina Jardim tenha as habilitações profissionais mínimas para assumir a responsabilidade por um espaço caro num jornal prestigioso como é O Independente.

Apresento, naturalmente, os argumentos que ajustam a presente crítica às minhas motivações pessoais e profissionais.

Sou estudante da Licenciatura de Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e, frequentando hoje o 3.º ano, considero-me capaz de perspectivar e prospectivar o meio onde pretendo construir carreira e onde V.ª Ex.a se constitui incontornável, dominando-o certamente.

Neste sentido, sinto que tenho uma noção suficientemente clara – e assustadora – de que o jornalismo não sobrevive de profissionais habilitados mas vive sim em permanente parceria com aqueles que passam pelo meio, seja por insistência, acaso ou descendência, e que agarram as oportunidades que se lhes surgem. Sinto até que devo esforçar-me por encontrar também essa oportunidade, provavelmente para lá das minhas habilitações.

No entanto, sou apologista da ideia de que a agenda de contactos não deverá subestimar a capacidade de reflexão exigida pelos diversos ramos desta actividade. É por essa linha que lutei e trabalhei até hoje e entristece-me que factos como este se nos deparem de uma forma fria e bloqueadora, a nós, estudantes com o jornalismo e a vontade de “falar sobre” nas veias, a nós que estudámos horas a fio, abdicando de tantas festas, para conseguir as médias de 16 e 17 exigidas para aprender a dominar as regras dos diversos registos da escrita.

Não pretendo transmitir uma ideia prepotente da minha visão relativamente a este assunto nem tão pouco criar da parte de V.ª Ex.a uma interpretação pejorativa da liberdade de expressão que aqui exerci. Trata-se apenas de um desabafo de alguém que aspira, também, a um lugar num jornal como O Independente e que acredita convictamente no bom-senso e capacidade crítica de V.ª Ex.a na leitura destas linhas.


Com os meus respeitosos cumprimentos,
Débora Miranda

O meu desabafo foi ignorado, o namoro terminou, a "crónica" mantém-se.

03 março, 2006

Sol de Inverno



Atravessar o rio e dar as mãos. Tentar pôr alguma pele a descoberto e deitar sobre a toalha, fechar os olhos e sentir os suaves raios de sol bater na cara. Ouvir o som das pequenas ondas a rebentar. Fazes-me festinhas no cabelo, quase adormeço. Saboreio uma sandes do sabor do verão.

É uma delícia este adorar da companhia um do outro. A paixão preenche-me enquanto o vejo apaixonar-se pelo mar ali estendido, vestir atrapalhado o seu estimado fato, pegar numa das suas preciosas pranchinhas, dar-me um beijo rápido e correr em direcção à água.

Desta vez não o perdi de vista. Era dos poucos que quiseram cortar as ondas daquela área. Vejo-o atravessar vários metros no mar à minha frente e sorrio, aconchegando-me na toalha de uma praia tão longínqua, ainda que os raios de sol soubessem já a Maio. E então a onda esmorece, ele agarra a prancha, sempre a sua prioridade, e esbraceja para mim, chama por mim, eufórico, a perguntar "Viste esta?? Viste??".

Adoro aquela criança grande.

Deixo-o com o seu brinquedo e apoio a cabeça na mão enquanto leio o meu livro. Como eu adoro ler... e tantas vezes não o posso fazer com aquele prazer. Sentada numa duna, assim, despreocupada.

Temos aproveitado cada minuto. Creio até que nos julgam por isso. De todo, não se trata de prioridades, nem de esquecimentos, muito menos de trocas. Trata-se de seguir até o conselho daqueles que gostam de nós e de nos ver juntos.

É na fuga a estes e outros momentos que nem sempre tenho que se apodera de mim a vontade de me exprimir nestas pobres palavras. Aí, julgam-lhes o pessimismo inerente - do qual tenho pena, por não ser ele que me espelha. Vejo em mim a certeza do amor, a valorização da luz do sol, a força para agarrar aqueles cujos laços estão em mim e os meus neles - coisas que não se dizem nem se ditam, mas se sentem. Vejo em mim a angústia de alguns instantes, em alguns dias, sim, mas procuro sempre que ela não me consuma. Quero aproveitar cada instante para vê-lo como insubstituível, embebido de vivências que poderei um dia recordar.

Vou recordar estas imagens destes dias perfeitos em que reina a cumplicidade, vou recordar a temperatura da minha pele e a força da brisa que me refresca a alma.
Vou recordar o sabor do amor, qual beijo que ele me dá no regresso, sorridente, salgado e molhado.

E aí as lágrimas terão o sabor do mar.

02 março, 2006

Coisa citadina


Despertador. Telemóvel. Pantufas e robe. Chuveiro, água quente. Toalha. Televisão. Roupa. Frigorífico. Leite e pão. Relógio. Chaves. Mala. Elevador. Guarda-chuva. Poças. Pessoas. Prédios. Carros e semáforos. Quiosque. Portas, escadas, portas. Livros, papéis, canetas e óculos. Um professor. Colegas. Amigos. Um café numa mesa de um bar. Escadas e portas. Poças, pessoas e prédios. Metro. Bilhete. Luz branca. Silêncio. Olhares fugitivos. Jornais. Multidão. Mais poças, mais prédios, mais pessoas, mais sacos, mais livros. Relógio. Telemóvel. Mendigo. Portas e escadas. Carteira, moedas, notas. Pão. Mesas, cinzeiros, casacos pendurados nas cadeiras. Relógio. Telemóvel. Portas abertas. Poças que passam a correr. Metro, multidão, mendigo cego, indiferença, relógio, sacos. Pessoas. Chaves e portas. Casa. Pantufas. Leite. Sofá. Televisão, computador, telemóvel. Ecrãs. Pessoas. Família. Pratos, refeição quente, palavras. Papéis e ecrãs. Cama. Almofada.

Pensamentos.

26 fevereiro, 2006

Asas



Habituei-me a ver os melros pousar neste jardim, verde, frio e despenteado pela chuva. Pousam pela direita ou pela esquerda e logo levantam voo quando pressentem que os observo. Saudosa da visão deste pequeno pedaço de vida, levanto a cabeça e procuro-os nos ramos dos pinheiros. Camuflados entre as pinhas, torna-se vão encontrá-los. Então suspiro e arrasto o olhar para o contraste entre este verde que me delicia e o céu azul de um fim de tarde de Inverno solario. E de repente vejo três, quatro, cinco corvos a voar para o outro lado do lago, numa dança embalada pelo vento que oiço gritar lá fora. Bem alto os corvos sobrevoam aquele pedaço de água sobre o qual dançam também os patos que já são uma companhia. De vez em quando visitam a água química que temos aqui, a poucos metros do habitat que construíram ali. Gosto muito daqueles patinhos. Fazem-me lembrar o pintainho bem pequenino que trouxemos para Lisboa uma vez, no tempo do Monte. Triste bichinho, atirado para uma cozinha de um prédio alto bem no centro de uma cidade. Mas ele acomodou-se. Exactamente como a caturra linda que tenho em casa, perfeitamente adaptada a este ritmo humano e urbano de quem sai e chega a casa a horas certas. Cumprimenta-nos sempre com um assobio e pendura-se com a cabecinha para baixo, ao nível da porta da gaiola, a pedir festinhas a quem se aproxima dela. Quando calha passarmos mais tempo fora de casa do que é habitual, ela rejeita as festinhas e pica-nos os dedos, muito zangada. Enquanto ela espera por nós lá do outro lado do rio, vou saboreando as asas que batem em direcção ao outro lado do lago. Um corvo esconde-se atrás de um arbusto, cá em baixo, bem pertinho. Livre para levantar voo quando quiser. Já o melro, vaidoso, prefere o Verão para dar o ar da sua graça, saltitando ao longo do jardim a passear o seu lindo bico amarelo. E todos os dias, quando aqui acordo, é o seu cantar que me lembra que o raiar de um novo dia é a maior razão para ser feliz.

Estes passarinhos são muito meus amigos.

21 fevereiro, 2006

Obsessões



É inevitável ouvir as conversas alheias enquanto me visto no balneário de um ginásio. Duas senhoras de meia idade, encasacando os seus padrões burberry e outros quadriculados, antes de tratarem as suas poupas na zona dos secadores, falam sobre “a vida”. A mais faladora (nestas situações há sempre uma que fala mais e mais alto, tanto que o que a outra disse passou-me ao lado) começou por dizer “não tenho obsessões na vida”. Do pouco que percebi, achei a senhora descontraída e sem razões de queixa. “Continuo a viajar e a passear como quero”, diz ela. Pouco tempo depois, conta à sua dialogante, que não deve conhecer há muito tempo, ter-se casado três vezes, a última com 49 anos.

Não ouvi muito mais, para pena minha, porque ainda tinha de arrumar o saco e ela foi para os secadores. Fiquei curiosa quanto à vida da senhora.

Mas com isto tudo, porque eu não gosto de me limitar a ouvir, pus-me a pensar. Há quem diga que não cometer excessos de vez em quando faz mal a si mesmo, não aproveita bem a vida. Outros dizem que fazer as coisas com moderação permite-nos conhecer um pouco de tudo de uma forma saudável e enriquecedora. Pois eu acho que a primeira hipótese faz mais sentido. A segunda parece soar a projectos inacabados, a querer provar sem nunca saborear até ao fim, sem aprender com o arrependimento de ter exagerado, sem, enfim, matar a curiosidade, seja de que tipo for.

Ainda assim, acho que não sou obcecada por nada. Claro, se não contarmos com a gastronomia. E talvez com os meus defeitos. Com as minhas indecisões ou a minha incapacidade de me decidir sobre qualquer coisa. E se não contarmos com Nova Iorque.

Tenho uma força implacável para criticar estas minhas incapacidades, ou a minha insistência para auto-incapacitar-me, que irrita tanta gente. Confundo-me propositadamente, ao ouvir sobre a vida dos outros, velhos, novos, ricos, pobres, portugueses ou patrióticos. Acho sempre que eles escolheram o caminho certo. É como em criança. Quero a boneca daquela menina, no instante seguinte tenho-a e nem olho para ela porque quero a boneca que a menina comprou a seguir. Gosto daquela camisola, gosto daquela casa, posso imitar, mas nunca fico satisfeita. Não, não é uma questão de o homem estar permanentemente insatisfeito com o que tem e o que é. É sim uma questão minha, porque eu vejo, efectivamente, os outros a fazer coisas tão simples e eu limitar-me a constatar que eles as fazem. Ou têm. Ou são assim. Olho, assim, com os braços caídos, sem atitude.

O que tem esta reflexão egocêntrica (como sempre) a ver com as obsessões? Bastante até. Não sou obcecada por carros, nem por animais, nem por tabaco, nem por compras, nem por festas, nem por livros, nem por filmes, nem por pessoas. Gosto de saborear de tudo um pouco para poder lamentar-me que não conheço um pouco mais. Gostava de ser obcecada por viagens, se ainda viajasse, ou se já viajasse mais, ou se fosse obcecada por andar de avião, ou se fosse workohollic (uma obsessão, sem dúvida) de forma a semear fortunas, ou se não gostasse do meu país. Não, eu sou muito mais modesta. Queixo-me de tudo, prendo-me às pessoas q.b., não confio no meu futuro profissional, insisto em não me desenvencilhar com nada, e assim esquivo-me a poder dizer que sou obcecada por viagens.

Acho que a senhora do ginásio era obcecada por ela mesma. Queria fazer bem a ela própria e acabava por cair na descontracção de querer afastar as preocupações. Sem grande esforço. E assim viajava, ia ao ginásio com as amigas e até se casava três vezes. Assim é que é, minha senhora. Fico contente que goste de si dessa maneira. Sabe, eu também gostava de ser assim. Assim... como quem diz.

19 fevereiro, 2006

Cai...




Cai a terra, caem as tradições. Cai a alma num fado cantado, embalado, rendido. Caem as amarguras e nasce quiçá o desejo de prosperar. Cai a voz sobre as mágoas, derrama a mágoa sob as verdades cruéis. Cai a melancolia lusitana, a deste povo embalado pela queixa e pelo conformismo.

Cai a chuva, forte, voa a chuva, grita o vento, une-se o calor do lar. Erguem-se os princípios. Cai a saudade dos que já foram, a saudade da lembrança, a memória das coisas e das pessoas. São emoções que dão vida à saudade que tenho. Caem os dias, dia após dia, cai a marca sobre a alma. Uns partem, alguns voltam. Cai a lágrima no rosto, cai a chuva na cidade.

Cai o sentimento puro, o fogo do amor, nasce a banalidade. Cai o segredo desse amor, aquele que cada um sentia bem para si, bem guardado. Bem protegido, puro, forte, cansado de sofrer, esperançoso e sonhador. Agora ele percorre as ruas das cidades, das metrópoles, do que as liga. Cai o sentimento puro, um tesouro se resiste.

Quando a chuva cai, lembra-nos tudo o que de nós já partiu. Cai no chão, desperta a lembrança, não dá tempo, logo cai mais, mais forte, com um sabor mais confuso. Percorro as ruas da cidade saboreando a imagem do tempo antigo, do que teria havido ali então. Olho a chuva. E eis que ela bate no vidro trazendo a saudade.

16 fevereiro, 2006

Despedida


Há tantas e tão cruéis. Tão dolorosas que nem imagino. Por isso com as restantes deveria sorrir e pensar que é apenas um adeus que diz olá a uma nova oportunidade.

Foi uma escolha, é só uma experiência, uma pequena aventura com certeza de regresso. Nem chega a meio ano. Meio ano aos vinte anos, depois de aos dezoito já ter dito adeus até ao próximo fim-de-semana, depois de saber que só lá vai divertir-se e estudar um pouco.

Não passa de um momento único e feliz, mas que exige um adeus temporário, que não chega a ser um adeus, é mais um comprovativo de que ficam cá pessoas que lhes transmitirão apoio.

Não passa disto, é verdade. Mas custou-me demais. Vi tudo, naquele aglomerado de pessoas. Vi três amigas que partiram juntas, umas com mais lágrimas do que outras. Vi os Pais que ficaram, tentando atenuar o vazio que, imagino, tê-los-á preenchido. Vazio por uma partida para o bem da filha, vazio por uma partida que deixa saudade, vazio por não poder protegê-la enquanto estiver lá. Vi as amigas, com relações tão diferentes entre elas, também com expressões tão diferentes, a abraçarem-se de maneira diferente enquanto diziam “força”, “juízo” ou “não fiques assim”. Vi os frustrados, como eu, a ver a coragem a subir aquela rampa com malas grandes e um bilhete na mão e a ir-se embora. Vi os namorados que ficaram. Os amores outrora tremidos, agora consolidados e naquele instante fragilizados. O último beijo, o último toque de mãos, o último olhar. O pensar como cada um estará “lá” e não saber o que fazer ou sentir enquanto se estiver cá.

E no entanto não passa disto. Tem tudo para ser só uma coisa boa, mas a despedida teima em transformá-la num momento penoso.

Na hora da despedida, em que controlamos a queda da lágrima para que um sorriso seja visto pelas três que ali mais precisam, na hora da despedida corre freneticamente este rio cá dentro, de lágrimas, de sonhos, de uma frustração revoltante. De uma força de vontade que não tem pernas para correr, apenas voz para se manifestar.

Quando eu der por mim, na hora desta despedida, eu hei-de ter de revirar todo o meu interior para soltar este egoísmo, soltar estas amarras que nunca me libertaram, soltar a energia da força que digo sentir. Mas antes, terei de ter outra destas despedidas. Mais dolorosa, com mais dúvidas, com mais lágrimas, com a revolta da inevitabilidade que não vi hoje. Sem necessidade. Mais esperançosa e com menos força. Por mais tempo. Por muito mais tempo. Com mais sabor a “último”. E aí, talvez a minha vontade ganhe a força do vento, talvez eu respire fundo, talvez eu limpe as lágrimas e... talvez vá.


[Desculpem se subestimo a vossa partida, meninas. Sabem que não se trata disso. É que custa muito. Boa sorte.]