06 maio, 2007

"À minha querida Mamã"


Ó terras de Portugal
Ó terras onde eu nasci
Por muito que goste delas
Inda gosto mais de ti.


Fernando Pessoa

02 maio, 2007

Incerto



A mala preta, grande, que agora só guarda um cadeado, enche o cantinho do meu quarto de paredes cor-de-laranja. Vai esperando por uma data, sem pressas, praticamente presa ao chão a ganhar pó. Já quase não reparo nela, como se fizesse parte da mobília. Atiro para cima dela os casacos que o meu armário sem cabides não deixa pendurar.

Agora começa a fazer sentido pensar mais na grande mala preta. Com ela parti para onde hoje estou. Entre tantas coisas palpáveis e que julguei importantes (quão difícil se revela seleccionar o que precisamos de ter por perto...) vieram, dentro daquela mala, sobretudo incertezas. Muitas, pequeninas, embrulhadas em inseguranças que não consegui desfazer sem a ajuda do tempo. Boa parte delas desfez-se, sim; outra parte ainda permanece dentro da mala, porque colada ao corpo, às células. É incrível - mudar tanto e deixar a essência intacta.

Incertezas quando às pessoas, quer as que deixava, quer as que ia encontrar, que não conhecia e que hoje são pilares para mim nesta casa longínqua. Incertezas quanto ao espaço que me iria acolher, e tão inesperadas incertezas quanto à falta que a graciosa, ausente e insubstituível luz de Lisboa ia fazer. Incertezas quanto aos sorrisos que imaginaria em mim, e com que frequência, e com que intensidade. Incertezas quanto a mim mesma.

Vim, voei, corri, encontrei, estremeci, superei, traduzi (tanto, tanto, tanto!), gastei, festejei, aprendi, conheci. Principalmente, comuniquei. Comigo, com os outros e com o mundo. E então, natürlich, sorri. Por reconhecer que tinha conseguido - para decidir continuar.

Ao contrário do que esperava, porém, não foi um mero continuar. Foi um começar de novo. Novos desafios, novas estranhezas, novas dúvidas, novas incertezas. Em cada manhã desta nova fase apercebi-me que prolongar uma experiência como esta não significa apenas um esticar do que houve de bom, mas ainda uma nova oportunidade para levantar os braços a novos desafios. A cada fim de tarde regressa a sensação de que consegui dar outro passo.

Mas cada fim de tarde, agora, já dá sabor de Saudade. O Sol de Primavera neste norte chega pelas cinco da manhã e só pelas nove da noite se despede até ao dia seguinte. Dá ainda mais vontade de saborear cada pedaço de luz lá fora. E saborear esse percurso do tempo lembra que o percurso do meu tempo já está numa contagem subtilmente decrescente.

Pior. Agora que estar aqui é ainda melhor, por poder estar "lá fora" e viciar-me ainda mais na observação deste povo complexo quando o sol raia, os sorrisos se rasgam e as vozes se ouvem mais altas; agora que pessoas à minha volta consolidam os laços e passam da amizade necessária para a Amizade comprovada; agora que o vento bate na cara com sabor fresco e não gelado e dá vontade de passar no parque com a bicicleta antes de vir para casa; agora que se descobre que a Universidade pode trazer, simplesmente, motivação...

Agora, como dizia, é um pouco pior. Porque agora, como no início, há que pensar no depois, no danach, no que me espera. Agora sou obrigada a lembrar-me que este tempo se perde perante as preocupações que estão em modo stand by sobre mim. Sem jamais traduzi-lo por "tempo perdido", pois que este foi já sem dúvida o tempo mais ganho de sempre.

E assim re-arranca a insegurança. Há que ter muita força na recta final, ainda tão longa mas tão cruelmente veloz. Há que rematar no estudo obrigado, mas interessado, e preparar para um julgamento a substituir a mera avaliação. Mas entretanto há que escrever, brindar, correr de olhos fechados, acordar sem horas e sem perder tempo, há que sugar cada momento.

Para então, mais lá à frente,
sorrir,
pegar na grande mala preta,
repleta de novas coisas importantes,
respirar fundo e
partir para o irónico ponto de partida:
um novo Mundo do Incerto.

01 maio, 2007