Semelhante a um manual de instruções. Por fases, seguindo uma de cada vez, com cuidado, com se’s. Como num manual de instruções também há momentos em que não percebemos o que nos indicam, parece que algo não bate certo.
Folheio essas fases, embebida de inseguranças, de muita esperança, de sorrisos sinceros e transparência. Só disfarço as lágrimas, quando elas me atraiçoam. No fim de cada dia folheio mentalmente o que me trará o amanhã, a semana seguinte, o mês seguinte num fechar de olhos molhado, fraco e isolado.
Com o raiar de cada nova manhã correu nestas veias a tranquilidade, a vontade de subir àquele terceiro andar para lembrar a presença, o amor, o valor – e garantir que somos especiais, sem pretensões no entanto.
Nunca duas velas do meu aniversário tinham sido tão partilhadas, tão amigas, tão fiéis. Sopradas ao sabor do lar, com a fragrância de um ar que se construiu pelas suposições e contrariedades do início, pela consciencialização das prioridades entretanto e pela consolidação dos valores com o passar do tempo. Os princípios que o quotidiano de uma Família faz emergir e que comandam as emoções com esta facilidade. Falo pelo Caranguejo que sou.
Depois de aquela cigana me agoirar o mal só porque não quis ouvir o meu futuro pela voz de uma estranha acabei por confirmar o que pressentia para este arranque de terceira década de Vida. A mudança iria envolver-me, essa que vira como um desafio e que agora ganhou contornos de protecção. Ou, na perspectiva contrária, de abandono.
Agora as dúvidas quanto ao desafio ganham novos argumentos – que desejava ardentemente não ter precisado de conhecer para olhar os anteriores com desdém. Pois enquanto nos movimentarmos, respirarmos e contactarmos tudo ganha viabilidade.
Agora as ausências adivinham mais dor. A saudade antecipada rouba a força, a coragem que nunca foi muita e até a vontade de ir. Um desafio que julgava enriquecedor soa-me agora, todas as noites, disparatado e irreflectido. Mesmo sabendo não ter nada a provar, a vontade de me pôr à prova oferece o seu espaço à vontade de saborear cada presença e companhia. Cá.
Custa, esta necessidade de abdicar de qualquer coisa. Custa conjugar o desejo sincero de estar por perto com a certeza de que quem está por perto deseja ver-me amadurecer lá longe. Custa pensar no motivo que me levou a crer que deveria ir. Custa mais agora pensar que falta tão pouco para sentir tanto a falta de quem fará sempre falta. Por se ter unido quando a surpresa nos surgiu como só ela sabe surgir.
Não gosto de clichés, não gosto do carpe diem, não acredito que viva mais por me concentrar no momento. Acredito sim que sofro mais, tão mais, pelo medo constante que nasceu comigo, este medo do futuro em todos os seus sinónimos.
A dúvida consome-me, o pânico aproxima-se e eu recuo. Como ultimamente tenho dito, não posso mais planear. Não tenho força nem experiência para isso. A Vida tem-me dito, nos últimos dias, que a Família, a Saúde e os Amigos são tesouros a acarinhar. E para isso precisava de estar presente. Para não sentir falta, para adiar a saudade, para ter onde chorar depressa, para estar segura e retribuir a dedicação que até hoje me foi dada.
Está a corroer-me este sofrimento de não saber o que será melhor.
E no fim, tal como num manual de instruções, ficam as hipóteses. Ou se consegue sem saber como, ou se persiste com a ajuda do tempo, ou se desiste.