26 outubro, 2006

,,Somos animais de hábitos."


[Passei a usar as aspas como os alemães usam.]
Passei a gostar de leite frio quando tenho sede à noite. Nem sempre tenho tempo de aquecê-lo.
Passei a achar normal pagar 2 € por um café.
Passei a separar o lixo a sério e não a brincar como em Portugal.
Também passei a trazer sempre um saco na mala para o caso de ir ao supermercado.
E passei a ser eu a fazer a lista das compras.
Passei a olhar para o Professor como o meu colega mais prestável.
Passei a ver a cidade como a da minha rotina e não como um ponto turístico.
Passei a lavar a loiça do pequeno-almoço.
Passou a incomodar-me que o eléctrico se atrase um minuto.
Passei a também não atravessar a estrada com o sinal vermelho.
Passei a olhar com naturalidade aqueles que às 10 da manhã comem pão com salsicha e molhos.
Passei a não dar pela falta de guardanapos à mesa.
Passei a ver o correio todos os dias. (Ansiosamente.)
Aqui ninguém olha para a marca dos telemóveis uns dos outros.
Aqui a correria faz-se a pedalar na bicicleta.
Aqui as luvas fazem parte do dia-a-dia dos latinos.
Deixei de desperar quando surge um afazer. São demasiados, para se pensar no receio que temos deles.
O cheiro da minha casa, que no início me incomodava, identifico agora como o cheiro de um doce lar onde anseio chegar todos os dias, no percurso (gelado) de regresso.
Então passei a preocupar-me com "o que vou fazer hoje para jantar".
Sem dúvida. Aos poucos adaptamo-nos.

22 outubro, 2006

Plötzlich...


(sejam quais forem os obstáculos que ainda tenho de ultrapassar.)


...de repente olho para o pôr-do-sol lá fora e sinto um orgulho enorme de estar aqui.

19 outubro, 2006


schwierig adj. difícil, complicado

O estereótipo não se confirma, pela experiência de um mês que aqui tive.
Mas não posso refutar o que é lógico: este povo tem a sua língua, que me atrai de facto, mas que me está ainda (muito) distante.
Um aluno Erasmus, ao pé de todo este Volk, é pequeno na sua capacidade, grande na sua coragem... genau, confuso nas sensações que o invadem.
É o confirmar que estar aqui é schwierig, que não sobrevivo sem o meu dicionário e que tenho uma vontade enorme de compreender e ser compreendida. Mas que só a vontade não chega.
Digo eu por cá que Erasmus bedeutet kein Problem, mas mais do que isso significa acreditar que sem relaxar um pouco fica tudo noch schwierigER.
Cada dia é uma batalha. E ter vencido hoje uma em Portugal tem de me convencer a ver a batalha contra este Deutscher Volke como algo mais... einfach. Nicht so wichtig.

schaffen v. tr. conseguir (fazer); conseguir passar em.

18 outubro, 2006

Lissabon!...


No castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama descanso o olhar
E assim desfaço o novelo
De azul e mar

À ribeira encosto a cabeça
À almofada da cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem, tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto cruz, bordada
Toalha à beira mar, estendida
Lisboa, menina e moça, amada
Cidade, mulher da minha vida.
No terreiro eu passo por ti
Mas da Graça, eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar.

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem, tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a ponto cruz, bordada
Toalha à beira mar, estendida
Lisboa, menina e moça, amada
Cidade, mulher da minha vida.

Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos, despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida...

Ary dos Santos
(na voz de Carlos do Carmo, que tanta companhia me tem feito)

11 outubro, 2006

Daqui


Daqui já não vejo o Apolo 70 nem oiço o senhor lá em baixo a gritar que hoje anda à roda. Daqui oiço jovens a jogar futebol às sete de manhã, e acordo sobressaltada com os gritos que me fazem lembrar a fonética dos filmes do Holocausto. Também oiço crianças a brincar no pátio do Jardim de Infância, as mesmas que vejo andar sozinhas nas redondezas, paradas à espera do sinal verde para atravessar a estrada.
Daqui tenho visto muito azul e muito verde, sempre a imaginar os dias em que vou ver mais o verde-seco, o castanho e depois o nu, cobertos por um céu "dunkel" que todos os alemães desejam que venha o mais tarde possível.
Sim, daqui ganhamos uma nova visão das coisas, percebemos que eles não são arrogantes como se diz, porque arrogantes dos que vejo cá também vejo em Portugal. Daqui percebemos que também o estereótipo "espanhol" não corresponde à realidade, porque eles esforçam-se por nos perceber. Ao mesmo tempo, confirma-se que falam muito alto nas ruas, confirma-se que os americanos acham que toda a gente tem de falar inglês, confirma-se que os cidadãos de leste têm facilidade em aprender.
Não há dúvidas que, daqui, todos falam do seu país com um orgulho floreado, saboroso de reparar.
E ainda é cedo para perceber o que daqui é perceptível. Mas gosto (já) de confrontar as coisas, filmar uma tailandesa a escrever caracteres chineses, de sorrir quando me apercebo que falo com asiáticos, sul-americanos e europeus diversificados, de admirar a naturalidade com que este povo se preocupa com o ambiente e as formas práticas e económicas de levar o dia-a-dia.
Um alemão disse-me que Leipzig, Dresden e Jena são das melhores cidades para estudantes, sobretudo se estrageiros, porque o Leste não é tão obcecado com o trabalho e cá sobressai a nova geração, preocupada em lutar contra o esterótipo do "alemão frio".
Daqui sinto, naturalmente, saudades daí. Da minha língua, com a qual me exprimo tão mais transparentemente. Dos meus petiscos, como o bacalhau, a carcaça ou o presuntinho. Mas daqui também estou certa que levarei o hábito de comer mais legumes, mais fruta, pão com sementes e iogurtes de todo o tipo e feitio.
Daqui inspira-se um ar agradável, o ar do Norte, o ar da exploração, o ar da neve que se aproxima, o ar da nostalgia de casa que me ensinará como a nostalgia portuguesa não tem razão de ser.
Porque, a partir daqui, há tanto que deixa de fazer sentido... e tanto que ganha um sentido mais forte.

04 outubro, 2006

Nova casa.


É este o meu caminho para casa. Nestas duas primeiras semanas, sempre a pé, cerca de 5 Km todos os dias, com as andanças necessárias. Agora, com um Passe semestral de 60 Euros, ando onde eu quiser, quando quiser, com máquinas em cada estação, painéis com os horários também em cada estação, nenhum eléctrico se atrasou até hoje, não espero mais do que 5 minutos, e como o frio começa a apertar o caminho a pé começa a ser substituído. A bicicleta está também à porta de casa, mas ainda não me habituei a usá-la.

É bom sentir-me nesta nova casa. No meu quartinho, com a minha nova cama, mas os meus lençóis portugueses (os alemães não dormem com lençóis...), com o meu computador (agora) sempre pronto a contactar com o que deixei temporariamente aí - já que só aí me lêem. Gosto do desafio de acordar e olhar directamente para a janela, ou seja para o céu, porque os almães também não usam estores nem cortinas, e lembrar-me assim que o despertador toca (porque o despertador tem de tocar, porque eu tenho de ser pontual nos compromissos) que estou mesmo cá, tive mesmo coragem de, pelo menos vir. Por enquanto, é um dia de cada vez.

É a caminhar, por vezes sozinha, por esta calçada, que eu sinto o tempo a passar e tento avaliá-lo. Mas definitivamente a escala de tempo, nesta experiência de Erasmus (não gosto de chamá-la assim, soa cliché demais, mas parece sê-lo assim mesmo), não tem uma unidade de medida certa. Acima de tudo julgo que o tempo passa devagar, e ao mesmo tempo é mais do que insuficiente para fazer tudo o que preciso. E é sobretudo insuficiente para quem desejaria parar para falar com cada pessoa de cada vez e contar tudo de maneira especial. Nem há tempo nem há forma de exprimir tudo o que se sente em tão pouco tempo.

Fala-se muito alemão, mais do que seria de esperar para quem lida mais com estrangeiros. Os espanhóis falam demasiado espanhol e os anglo-americanos falam demasiado inglês. O dicionário vem sempre comigo e o diário desta viagem especial também está por perto, mas também o tempo não deixa que lhe dê a atenção merecida. Assim sendo trago a máquina fotográfica, Fotoapparat como lhe chamamos, e a cada instante pode registar-se um momento diferente, uma imagem engraçada, ou pelo menos fora de vulgar, como de resto tudo o que sinto que se vive por aqui.

Enquanto é fase da exploração, o sentimento é de agrado, pelo menos porque há mais coisas entusiasmantes do que medo do que aí vem. Mas o certo é que vem e só aí veremos...

aber... kein Problem!

Porque em Erasmus não chegam os textos...



www.fotolog.com/debbiemiranda

Por engano nao consegui por um nome mais apelativo, e por irritação nao consigo sempre pôr fotos no blog. ora entao, fica definido, que têm outro link para guardar nos favoritos e manterem-se deste modo a par das novidades por cá ;)

Grüsse!