Uma manhã de terça-feira em Monsanto faz adivinhar a reduzida quantidade de pessoas, e acredito que só assim me sentiria inspirada. Inspirada por um ar puro vindo do pulmão desta linda cidade, não, não é o Central Park de Nova Iorque nem o Ibirapuera de São Paulo, mas é igualmente um espaço verde como tão poucos e tão pouco estimados aos quais temos acesso.
Mais do que respirar aquele ar fresco, senti um arrepio nostálgico a invadir-me os poros ao lembrar a infância que deixei para trás. Lembro-me de ter festejado lá um aniversário, daqueles em que a vela do bolo tinha um só algarismo, de ter juntado os meus amigos do Externato (sempre o Externato!...), de ter sentido a atenção dos meus Pais quando o perigo dos brinquedos ameaçava. Lembro-me da minha prima Rita, que ainda não era brasileira, a cair no lago que separava a pequena casinha do pequeno barco para piquenique. A sentir-se envergonhada em frente aos meus amigos tão mais velhos do que ela, julgávamos.
Hoje percorri o labirinto com paredes feitas em troncos de madeira e reparei que em menos de cinco segundos cheguei ao centro. Era tão bom quando as coisas nos pareciam maiores, é tão propício à reflexão reparar que hoje o tamanho daquele labirinto me pareceu minúsculo. Olhei de relance para as cabanas piramidais dos índios e lembrei-me do receio com que antes as observava, de longe. Não me imaginava longe do alcance do olhar preocupado da minha Mãe.
Bebi água num daqueles bebedouros que antes a jorravam a tempo e inteiro e que hoje pedem a abertura da torneira. "Antes", sim, quando mais gente enchia aquele parque e quando não se ouvia falar em seca e escassez de água. "Antes" também quando eu não sabia o que era a pedofilia, tendo pensado que ela surgiu quando me ensinaram o que significava.
O baloiço cor-de-rosa foi o que me trouxe mais saudade. Sentei-me naquele pequeno pedaço de madeira que parecia tão grande na altura em que vestia saias de pregas e meias arregaçadas. Baloicei e revivi a sensação de o fazer naquele Externato, confrontando as minhas amigas a voar mais alto.
Hoje senti que já voei. Já voei dessa tenra idade em que comia bolo de côco por quarenta escudos, depois da oração da manhã com a Ester. Já não uso a bata preta com o cinto encarnado nem escrevo em diários perfumados quando chego a casa. Já não guardo os dentes de leite que outrora escondi atrás da porta à espera que a fada lá deixasse uma surpresa. Não corro desenfreada para a porta quando vejo o meu Pai a chegar do trabalho, refilando por ele demorar tanto tempo a voltar dos "tostões". Porque hoje substituo a corrida das pernas de uma criança por um pensamento que corre aflito, à procura da confirmação do bem-estar daqueles que olharam por mim quando o perigo espreitou.
Sentei-me nos bancos da zona vazia de refeições, à sombra do cantar dos pássaros, e tive pena de não ter tido consciência alguma de tudo aquilo quando vivi in loco a minha infância. Bom, talvez resida aí a sua magia. No viver sem pensar, no viver quando alguém pensa por nós. Por isso mesmo não adianta avisar os mais gaiatos que aproveitem bem a sua idade. Eles não saberiam como fazê-lo.
A saudade aperta. Saudade de rir com inocência. De andar de baloiço. De ser criança.