27 setembro, 2005

O baloiço

Hoje fui ao Parque da Serafina.

Uma manhã de terça-feira em Monsanto faz adivinhar a reduzida quantidade de pessoas, e acredito que só assim me sentiria inspirada. Inspirada por um ar puro vindo do pulmão desta linda cidade, não, não é o Central Park de Nova Iorque nem o Ibirapuera de São Paulo, mas é igualmente um espaço verde como tão poucos e tão pouco estimados aos quais temos acesso.

Mais do que respirar aquele ar fresco, senti um arrepio nostálgico a invadir-me os poros ao lembrar a infância que deixei para trás. Lembro-me de ter festejado lá um aniversário, daqueles em que a vela do bolo tinha um só algarismo, de ter juntado os meus amigos do Externato (sempre o Externato!...), de ter sentido a atenção dos meus Pais quando o perigo dos brinquedos ameaçava. Lembro-me da minha prima Rita, que ainda não era brasileira, a cair no lago que separava a pequena casinha do pequeno barco para piquenique. A sentir-se envergonhada em frente aos meus amigos tão mais velhos do que ela, julgávamos.

Hoje percorri o labirinto com paredes feitas em troncos de madeira e reparei que em menos de cinco segundos cheguei ao centro. Era tão bom quando as coisas nos pareciam maiores, é tão propício à reflexão reparar que hoje o tamanho daquele labirinto me pareceu minúsculo. Olhei de relance para as cabanas piramidais dos índios e lembrei-me do receio com que antes as observava, de longe. Não me imaginava longe do alcance do olhar preocupado da minha Mãe.

Bebi água num daqueles bebedouros que antes a jorravam a tempo e inteiro e que hoje pedem a abertura da torneira. "Antes", sim, quando mais gente enchia aquele parque e quando não se ouvia falar em seca e escassez de água. "Antes" também quando eu não sabia o que era a pedofilia, tendo pensado que ela surgiu quando me ensinaram o que significava.

O baloiço cor-de-rosa foi o que me trouxe mais saudade. Sentei-me naquele pequeno pedaço de madeira que parecia tão grande na altura em que vestia saias de pregas e meias arregaçadas. Baloicei e revivi a sensação de o fazer naquele Externato, confrontando as minhas amigas a voar mais alto.

Hoje senti que já voei. Já voei dessa tenra idade em que comia bolo de côco por quarenta escudos, depois da oração da manhã com a Ester. Já não uso a bata preta com o cinto encarnado nem escrevo em diários perfumados quando chego a casa. Já não guardo os dentes de leite que outrora escondi atrás da porta à espera que a fada lá deixasse uma surpresa. Não corro desenfreada para a porta quando vejo o meu Pai a chegar do trabalho, refilando por ele demorar tanto tempo a voltar dos "tostões". Porque hoje substituo a corrida das pernas de uma criança por um pensamento que corre aflito, à procura da confirmação do bem-estar daqueles que olharam por mim quando o perigo espreitou.

Sentei-me nos bancos da zona vazia de refeições, à sombra do cantar dos pássaros, e tive pena de não ter tido consciência alguma de tudo aquilo quando vivi in loco a minha infância. Bom, talvez resida aí a sua magia. No viver sem pensar, no viver quando alguém pensa por nós. Por isso mesmo não adianta avisar os mais gaiatos que aproveitem bem a sua idade. Eles não saberiam como fazê-lo.

A saudade aperta. Saudade de rir com inocência. De andar de baloiço. De ser criança.

15 setembro, 2005

PORTA - GATE



Hoje fui ao aeroporto. Há muito tempo, porém, que não viajo de avião. Força das circunstâncias. Acompanhei a amiga na partida para a Bélgica, onde irá morar no período de Erasmus (sim, desta vez fui). Como sempre, não consegui deixar de... olhar.

Vi jovens com mochilas grandes, prontos para dormir em tendas onde o espírito os leva. Vi outros jovens sem esse aparato, antes uns ténis e um boné fashion para passar uns dias antes da rentrée na rotina social-escolar. Vi um senhor gordo a beber cerveja e a fumar cigarrilha enquanto lia o jornal. Eram oito da manhã. Vi emigrantes, ou imigrantes, de origens e destinos que desconheço, por aquilo a que me pouparam. Vão e vêm, alguns familiares e amigos vão também, outros ficam. Talvez procurem a terra saudosa, ou vão em busca de uma outra oportunidade, ou talvez sigam o rumo que a vida desgastada lhes foi impondo, sem lhes dar tempo de pensarem nela. Vi ricos e pobres que partiriam para lugares tão diferentes neste mundo que piso.

Tive pena. Em nome da amiga que me fez visitar o aeroporto hoje, não utilizarei o vocábulo "inveja", mas a verdade é que queria ser como aquelas pessoas. Partir com agenda vazia, ou não; com planos, ou não; com data para voltar, ou não. Queria simplesmente ir. "Aterrar e sentir o cheiro de um país diferente, e logo tentar comunicar com outra cultura numa língua que não é a minha".

Precisava de consegui-lo.

É das coisas que mais estranho na minha essência. Este desejo tão forte de mudar algo em mim e não conseguir. Erasmus... seria um bom (primeiro) passo. Devia ir. Quero ir. Mas não sei se consigo.

Talvez tenha coragem, um dia. Afinal, "não tem como não ser enriquecedor". Mas por enquanto não. Por enquanto posso ir visitando o aeroporto com fins diversos: acompanhar, esperar, trabalhar, estudar. Com a frequência pode ser que me sinta tentada a ser acompanhada até lá, para partir sozinha e ser esperada um longo período de tempo depois. Nesse dia, teria tanto para contar. O tanto que se acumula dia após dia que vivo neste mesmo espaço.

É este diletantismo que sempre me vence.

10 setembro, 2005

Espírito Salesiano


Tenho pouco a dizer. Julgo ser unânime, aos aqui presentes e aos que a fotografia casualmente não apanhou, que o espírito nela envolvente alimenta-se de um complexo sentimento de empatia [;)]. Não digo o grupo deste ou daquele jantar, não digo o grupo do poker, nem o que se juntou aqui naquela data, nem tão pouco o 12º4. Refiro-me sim a todos aqueles que sabem do que estou a falar. A seriedade numa conversa a dois, as gargalhadas numa noite de convívio, as conversas maduras que conseguimos manter... tudo isso faz-me estimar cada vez mais este grupinho de pessoas que não sei que número perfaz, precisamente porque é na paz que o caracteriza que aprendi a gostar dele. A espontaneidade das conversas, a consolidação das amizades por meio de pequenos encontros, o interesse em estar, onde quer que seja, com estas pessoas. Por fim, sim, creio que esse espírito se deve à casa Salesiana. Há qualquer coisa que aquelas paredes incutiram em mim que me faz hoje ter orgulho de me ter mantido perto de vocês. Porque esta proximidade dá-me a segurança quanto aos amigos que tenho e com os quais sei que posso contar.
Obrigada a todos e, hoje, em particular, à Maria João... vais embora, mas não tenho pena nem medo, pois tenho a certeza que esta saudade que se adivinha se transformará em força, regada pela água do Inverno.
Gosto muito de vocês (sai o cliché... "que sabem quem são").