16 março, 2006

Lá no Colégio



Cada nota tocada na bateria, no piano, na guitarra ou na flauta do Musicentro, senti-a na sua individualidade, absorvendo a melodia que tanto ali me diz.

Os papelinhos de orientação da Eucaristia foram substituídos pelo retroprojector, num acto disfarçado de uma poupança de papel traduzida em tecnologia de luxo.

A entrada é de vidro, com portas automáticas. Ao lado, a homenagem ao Pe. José Alberto Mendes recorda os valores daquela Casa. Os momentos fortes. No corredor para o pátio do primeiro ciclo e outros, as luzes acendem também sozinhas. O campo de terra é agora de um verde sintético, cheira a novo. Nele e no novo pátio, de um soalho-atenuante-de-quedas, sente-se a corrida do tempo, lembram-nos que não estamos lá. Os miúdos, ou meninos, correm atrás de uma bola, esfolam as calças Ralph Lauren e sujam as camisolas da Gap.

Naquele antigo terraço nasceu agora uma biblioteca, toda em vidro. Finalmente um espaço maior, com mais mesas, mais livros, mais interesse. E ainda assim insistimos, alguns, na crítica ao uso ostensivo dos milhares de euros que todos ali deixámos.

O Colégio está sobrelotado, é uma elite. Os Finalistas, já não tão vestidos a rigor, não têm também já lugar junto ao altar. No pórtico do Secundário parece que ainda chove através do pseudo-tecto roto.

Mas a melodia da Missa de S. José abafa todas essas imagens, brilhantes e luxuosas, das quais falamos como se nos envergonhasse. Não percebo porquê. A oração que invoca todos os alunos das Oficinas de S. José orgulha-me. O "Onde Tu Estás" a decalcar uma voz insubstituíel arrepia-me. Os temas que não conhecia lembram-me igualmente que já lá não estou.

É nesta oportunidade de regressar à minha Antiga Casa que, na qualidade de "Antiga Aluna", renovo o ar que me adensa a alma. Deixa de interessar se saio de uma instituição que mal tem dinheiro para pagar a electricidade, para ir para uma casa católica onde tudo se paga a muitos zeros por mês. Vou sim de uma instituição académica repleta de hierarquias arrogantes para uma casa em que a pedagogia também pode tratar-me pelo nome. Convidam-nos para ir, para visitar, para estar, para perguntar, para aconselhar.

Chamem-me lamechas, mas os Salesianos acolhem-me. Qual colheita de frutos.

10 março, 2006

Sem resposta.

Enquanto estudo, enquanto procuro uma resposta para este interesse pelo Jornalismo, enquanto folheio e leio as páginas de um jornal, enquanto oiço e oiço dizer. Para aquilo que me interessa e para aquilo que me revolta, sou constantemente desafiada a reagir, manifestando-me. Mas nem quando me antecipo, fazendo-o de livre vontade, venço a frustração.

Em meados de Novembro do ano passado, em carta registada:

Exma. Sr.ª Dr.ª Inês Serra Lopes

É com algum desapontamento e receio que sinto necessidade de escrever directamente a V.ª Ex.a.

Serei frontal, para não fugir à concisão dos meus argumentos e para tentar que V.ª Ex.a tenha disponibilidade para ler a totalidade do que aqui exponho. Refiro-me, portanto, à coluna de Catarina Jardim no suplemento VIDA do jornal que V.ª Ex.a dirige, O Independente.

Foi com discórdia e desalento que tomei conhecimento do facto, confrontada directamente com um dos textos assinados pela conhecida jovem numa das páginas iniciais do referido suplemento. Ocorreu-me, de imediato, o conhecimento geral de que a figura pública em questão terá ingressado no presente ano lectivo para o Ensino Superior, Privado, com a comentada baixa média de acesso ao curso de Comunicação Social.

Não teria motivo nem legitimidade, se é que a tenho neste instante, para fazer conhecer a V.ª Ex.a a presente crítica, caso a já polémica crónica “Livre Trânsito” reflectisse temas de interesse público, críticas a acontecimentos da actualidade ou simples reflexões pertinentes – no fundo, os critérios designados para o conteúdo dos usualmente qualificados de “artigos de opinião”.

Ora, não considero, eu e aqueles com quem confrontei a minha indignação, que me apoiaram com um juízo semelhante, que textos que abordam egocêntrica e presunçosamente a rotina da jovem em questão, servidos de desabafos acerca do cansaço da rotina académica, a referência a amigas que constituem igualmente figuras públicas ou a descrição de um cruzeiro como um evento social sem a mínima perspicácia nas referências desenhadas, entre outros assuntos, satisfaçam os critérios supra-referidos.

Decerto tenho consciência das possíveis motivações que direccionaram V.ª Ex.a a concretizar o fenómeno que aqui apresento, os quais, de resto, constituem domínio público. De igual modo, estou disposta a considerar que, de alguma forma, a “vida de Pimpinha Jardim” possa reunir interesse para uma qualquer percentagem de leitores do suplemento VIDA. Não obstante, mantenho a minha posição, pois não julgo suficientemente justificatórias as razões apontadas para permitir que se considere que Catarina Jardim tenha as habilitações profissionais mínimas para assumir a responsabilidade por um espaço caro num jornal prestigioso como é O Independente.

Apresento, naturalmente, os argumentos que ajustam a presente crítica às minhas motivações pessoais e profissionais.

Sou estudante da Licenciatura de Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e, frequentando hoje o 3.º ano, considero-me capaz de perspectivar e prospectivar o meio onde pretendo construir carreira e onde V.ª Ex.a se constitui incontornável, dominando-o certamente.

Neste sentido, sinto que tenho uma noção suficientemente clara – e assustadora – de que o jornalismo não sobrevive de profissionais habilitados mas vive sim em permanente parceria com aqueles que passam pelo meio, seja por insistência, acaso ou descendência, e que agarram as oportunidades que se lhes surgem. Sinto até que devo esforçar-me por encontrar também essa oportunidade, provavelmente para lá das minhas habilitações.

No entanto, sou apologista da ideia de que a agenda de contactos não deverá subestimar a capacidade de reflexão exigida pelos diversos ramos desta actividade. É por essa linha que lutei e trabalhei até hoje e entristece-me que factos como este se nos deparem de uma forma fria e bloqueadora, a nós, estudantes com o jornalismo e a vontade de “falar sobre” nas veias, a nós que estudámos horas a fio, abdicando de tantas festas, para conseguir as médias de 16 e 17 exigidas para aprender a dominar as regras dos diversos registos da escrita.

Não pretendo transmitir uma ideia prepotente da minha visão relativamente a este assunto nem tão pouco criar da parte de V.ª Ex.a uma interpretação pejorativa da liberdade de expressão que aqui exerci. Trata-se apenas de um desabafo de alguém que aspira, também, a um lugar num jornal como O Independente e que acredita convictamente no bom-senso e capacidade crítica de V.ª Ex.a na leitura destas linhas.


Com os meus respeitosos cumprimentos,
Débora Miranda

O meu desabafo foi ignorado, o namoro terminou, a "crónica" mantém-se.

03 março, 2006

Sol de Inverno



Atravessar o rio e dar as mãos. Tentar pôr alguma pele a descoberto e deitar sobre a toalha, fechar os olhos e sentir os suaves raios de sol bater na cara. Ouvir o som das pequenas ondas a rebentar. Fazes-me festinhas no cabelo, quase adormeço. Saboreio uma sandes do sabor do verão.

É uma delícia este adorar da companhia um do outro. A paixão preenche-me enquanto o vejo apaixonar-se pelo mar ali estendido, vestir atrapalhado o seu estimado fato, pegar numa das suas preciosas pranchinhas, dar-me um beijo rápido e correr em direcção à água.

Desta vez não o perdi de vista. Era dos poucos que quiseram cortar as ondas daquela área. Vejo-o atravessar vários metros no mar à minha frente e sorrio, aconchegando-me na toalha de uma praia tão longínqua, ainda que os raios de sol soubessem já a Maio. E então a onda esmorece, ele agarra a prancha, sempre a sua prioridade, e esbraceja para mim, chama por mim, eufórico, a perguntar "Viste esta?? Viste??".

Adoro aquela criança grande.

Deixo-o com o seu brinquedo e apoio a cabeça na mão enquanto leio o meu livro. Como eu adoro ler... e tantas vezes não o posso fazer com aquele prazer. Sentada numa duna, assim, despreocupada.

Temos aproveitado cada minuto. Creio até que nos julgam por isso. De todo, não se trata de prioridades, nem de esquecimentos, muito menos de trocas. Trata-se de seguir até o conselho daqueles que gostam de nós e de nos ver juntos.

É na fuga a estes e outros momentos que nem sempre tenho que se apodera de mim a vontade de me exprimir nestas pobres palavras. Aí, julgam-lhes o pessimismo inerente - do qual tenho pena, por não ser ele que me espelha. Vejo em mim a certeza do amor, a valorização da luz do sol, a força para agarrar aqueles cujos laços estão em mim e os meus neles - coisas que não se dizem nem se ditam, mas se sentem. Vejo em mim a angústia de alguns instantes, em alguns dias, sim, mas procuro sempre que ela não me consuma. Quero aproveitar cada instante para vê-lo como insubstituível, embebido de vivências que poderei um dia recordar.

Vou recordar estas imagens destes dias perfeitos em que reina a cumplicidade, vou recordar a temperatura da minha pele e a força da brisa que me refresca a alma.
Vou recordar o sabor do amor, qual beijo que ele me dá no regresso, sorridente, salgado e molhado.

E aí as lágrimas terão o sabor do mar.

02 março, 2006

Coisa citadina


Despertador. Telemóvel. Pantufas e robe. Chuveiro, água quente. Toalha. Televisão. Roupa. Frigorífico. Leite e pão. Relógio. Chaves. Mala. Elevador. Guarda-chuva. Poças. Pessoas. Prédios. Carros e semáforos. Quiosque. Portas, escadas, portas. Livros, papéis, canetas e óculos. Um professor. Colegas. Amigos. Um café numa mesa de um bar. Escadas e portas. Poças, pessoas e prédios. Metro. Bilhete. Luz branca. Silêncio. Olhares fugitivos. Jornais. Multidão. Mais poças, mais prédios, mais pessoas, mais sacos, mais livros. Relógio. Telemóvel. Mendigo. Portas e escadas. Carteira, moedas, notas. Pão. Mesas, cinzeiros, casacos pendurados nas cadeiras. Relógio. Telemóvel. Portas abertas. Poças que passam a correr. Metro, multidão, mendigo cego, indiferença, relógio, sacos. Pessoas. Chaves e portas. Casa. Pantufas. Leite. Sofá. Televisão, computador, telemóvel. Ecrãs. Pessoas. Família. Pratos, refeição quente, palavras. Papéis e ecrãs. Cama. Almofada.

Pensamentos.