25 junho, 2008

De volta a casa


Aqui tanto os programas como os propósitos são diferentes. Pensando estar em Portugal, teria sido impossível fazer a viagem de mais de 500 km entre Bonn e Leipzig com um tal de Marco Dittrich, que conheci dois dias antes no tal "site de boleias" da Internet e que nunca antes tinha visto. Uma pessoa tem um carro e propõe o seu percurso a outras pessoas interessadas em dividir as despesas. Assim, em vez de 90 € de comboio só de ida, paguei 50 € de ida e volta e ainda dei uma mãozinha ao ambiente.

A experiência é engraçada. O rapaz, estudante de economia de 25 anos, ficou muito curioso sobre a vida em Portugal. Levou uma barrigada de crise e gastronomia de tal ordem que ao fim de 4 das 6 horas de viagem já estávamos cansados de conversar.

Quando entrámos no estado de Sachsen (Saxónia) senti-me como em casa. Tudo cheira a construção e não a construído. Não há grandes cidades à volta como na Renânia no Norte. Ali (ainda) é leste, embora o progresso seja evidente. Muitas vezes tenho de ser eu, a portuguesa, a convencer os alemães "ocidentais" que o tal "leste", onde eles pensam que nem se aprende alemão decente, é de facto lindíssimo, verde sem fim, onde as pessoas poupam mais mas também não ambicionam tanto, onde não se olha a roupa ou o carro. Lembrei-me que foi essa distância da sociedade portuguesa (e sobretudo lisboeta) que mais me fascinou naqueles 10 meses "no leste": os impostos que começo agora a pagar neste país têm uma boa taxa a cair sobre este outro lado do antigo muro, mas se os alemães "ricos" se queixam, eu até esboço um sorriso. Contribuo assim para a "minha" cidade.

Durante a viagem invadiu-me uma imagem de Leipzig que só à entrada da cidade se desvaneceu. Pensei convictamente que aquela cidade de estudantes estaria totalmente deserta, onde eu só encontraria a Julia, o João e a Franziska e absolutamente mais ninguém. Seriam três pessoas a viver "sozinhas" naquela cidade onde conheci 300 ou mais que agora estão espalhadas pelo resto do mundo.

Mas não. A cidade ainda vivia como antes. Vi os carros simples, os Straßenbahn do tempo da RDA, pessoas (tão!) diferentes, estradas ainda não tratadas e a calçada também dos antigos comunistas.

Ao estacionar o carro na Brockhausstraße, no bairro de Schleußig que não conhecia, ouvi uma porta bater e um grito: "Tanaaaaaaaaaaa!!!"

Era a minha Ju, a minha loirinha sardenta, a minha alemã com marcas fortes de lusa. Duas saudosas da luz de Lisboa.

Tinha preparado espargos à moda germânica, com batatas cozidas, molho holandês e uma fatia de presunto. A casa era linda, tipicamente de Leipzig, com pé alto, divisões grandes, madeira que range e portas largas. A varanda dava para um jardim interior - para o tal verde que só aqui existe.

Conversámos, conversámos... conversámos como nos velhos tempos, desde a última vez que nos vimos, há um ano, no aeroporto de Halle.

Acordar em Leipzig. De manhã estive sozinha, ela foi para uma aula. O cansaço não me venceu, porque a vontade de sair era enorme. Estava a chover, e que mal tem isso? De volta a LE, tudo o resto era relativo. Abri o chapéu de chuva e andei o mais depressa que pude até reconhecer algum espaço. Era tanta a pressa de rever os meus cantos que nem me perdi, apesar do meu péssimo e famoso sentido de orientação.

Fui sempre andando pelo verde, onde tudo parecia igual... até que de repente avistei o lago, os patos, a pequena ponte de onde se vê o Neues Rathaus e a torre da MDR, essa querida ponte onde em Novembro daquele ano registei uma visita da República Checa.


A manhã ainda era fresca, o parque estava vazio e ali mesmo, à esquerda, revi as tochas, as toalhas de pic-nic, os parabéns cantados à Dê-bo-rrá em várias línguas, o sol a pôr-se às 23 h, o bolo feito pela Laura e os telefonemas de "casa".

A nostalgia de uma portuguesa saudosa, ali ao som da chuva miudinha, debaixo do chapéu... onde choveu da mesma maneira.

Respirei fundo e segui a caminhada. Ao passar na biblioteca Albertina fotografei a fachada, sorrindo. Um rapaz esperou que eu fizesse o clic e olhou admirado, como quem diz "de facto a biblioteca é linda, mas quem me dera não ter de entrar aqui a estas horas num sábado".


E logo depois a cúpula azul, a memória de todos os caminhos ali percorridos, em todas as direcções, em todos os meses, com livros ou patins, sozinha ou acompahada. Naquela Beethovenstraße confirmei todos os dias que vivia numa cidade de estudantes.

Assim segui para a rua dos estudantes por excelência, a longa e animada Karl-Liebknechtstraße (ou simplesmente "Karli"). Caminhei pelo passeio sem tirar os olhos do espaço de estrada esburacada onde tantas vezes pedalei a caminho de filmes com chocolates, encontros internacionais ou jantares do curso de alemão.

Passei numa das inúmeras padarias (as mesmas que mais fazem falta aos alemães que vão para Portugal), comprei uns pães de sementes e segui para casa do João, o sortudo que ficou em LE, cujo andar reconheci de imediato pela bandeira portuguesa na janela.

Mais uma casa tipicamente lipsiana, de pé alto, soalho de madeira com ruídos, quartos enormes, plantas na cozinha e o mapa-mundo na parede.


Contou-me do noivado, contei-lhe do outro lado da Alemanha e recomendei que aproveitasse bem aquela cidade. As saudades vão ser muitas. Enquanto isso comíamos pão com queijo "da terra", ovos mexidos com cebola e tomate e bolo de cenoura...

De barriga cheia preparámo-nos para ir ao centro. Desci as escadas a correr como uma criança. À porta ali estava ela... mal se aguentava em pé, meia preta meia rosa, sem a campainha que levei para Lisboa de recordação, agora sem cesto... era ela, a minha bicicleta, que só se olhar já parecia fazer ruídos de travagens difíceis e mecânica atrofiada.


Pedalei feliz como uma criança pela tal Karli esburacada, passei pelo Neues Rathaus, fiz curvas entre as pessoas que passeavam no centro num sábado à hora de almoço. De volta à Altes Rathaus com as suas cores vivas, de volta à calçada cinzenta que vai dar, SIM!, à Augustusplatz, palco de tantos encontros, despedidas, fotografias, caminhos para as aulas às 8 da manhã com temperaturas negativas... e ali me deixei encantar pelas imagens e os cheiros daqueles meses maravilhosos.

Não resisti depois a subir até à Bayerischer Platz, a subida que outrora me cansava e desta vez só me deu adrenalina, segui sempre a direito pela Straße des 18. Oktobers a sorrir como uma tolinha até virar a esquina pelo Rewe, onde tantas vezes me cruzei com a Caroline, a Maria, a Laura, o Hektor... não ia vê-los desta vez, pois segui em frente, parei em frente à residência da Tarostraße que me acolheu durante 5 meses e liguei à Família que ali passou o Natal comigo.

Pouco depois estava a Ju a mostrar-me cantos de LE que eu não conhecia, um Apfelstrudel junto aos canais, um sol arrefecido mas agradável e conversas a pedalar lado a lado, de regresso.
Não há tempo a perder, tudo tem de ser (re)visto. Ao fim da tarde estava na minha antiga varanda da Frommannstraße, o palco do segundo semestre da experiência da minha vida, a varanda da qual me despedi a 27 de Julho de 2006 onde nunca imaginei que menos de um ano depois estaria novamente. Ali, com a Franziska e o seu abraço a cumprimentar a sua "meine kleine" (minha pequenina), de volta a uma companheira de casa que tem prazer em cozinhar - em grandes quantidades para o pequeno monstrinho que viveu consigo.

E eu que, na minha ingenuidade, pensei que teria de deixá-la dormir cedo para o seu turno da manhã, fui surpreendida com um "não interessa o trabalho, não é todos os dias que estás aqui". E aí, sim, confirmou-se o estereótipo da amizade que em tanto bate certo com a maneira de ser deste povo: é a sério, é a sério. Danke, Zisse!


Com sono e barriga a rebentar, pedalámos novamente lado a lado, eu e Ju, em direcção à Südstadt. Precisava de percorrer a Karli de noite. Passei pelas esquinas e ruas perpendiculares de ex-Erasmus, um silêncio de ausência no ar, no entanto com o ânimo que caracteriza a Karli, sofás nas esplanadas, bicicletas a andar e a estacionar e música a tocar. Deixámo-nos escorregar até ao Clara-Park, onde uma qualquer festa Reggae estaria a decorrer... sem luz sobre os pedais, cheiro a mato denso, sem ver um único obstáculo na estrada lá nos deixámos ir, a Julia a rir-se do meu pavor, caminhos estreitos, tropeços em pequenos troncos e ali está a música, num relvado escondido com duas tendas de cerveja e música a tocar.

Um outro mundo: gente isolada, lua cheia por cima, céu cheio de claridade, jovens à volta de fogueiras, nós e as bicicletas!


Leipzig é assim. Faz parte de um outro mundo. E antes que as lembranças de um fim-de-semana mágico se pudessem desvanecer, ali estava eu de novo, no Clara Park na manhã seguinte, a tomar um pequeno-almoço em toalha de piquenique junto ao lago. Aí, de barriga cheia, não pude reclamar por ter de... regressar. Como sempre.


(Obrigada, minha loirinha com sardas!)

17 junho, 2008

Quero lá saber

Como se tivesse um monte de papéis na mão e os quisesse atirar todos para o ar. "Que se lixem os combustíveis", li eu há dias. Que se lixe a previsão do tempo, se o céu estiver estrelado de véspera teremos sorte. Que se lixe se descobrirem que fujo ao horário de trabalho.
A porcaria do comboio chegou hoje de manhã 17 minutos atrasado. Não é muito normal, está certo. Mas o que é menos normal é, ao fim de apenas 3 minutos de atraso, já estar toda a gente a fazer o drama das suas vidas. "Die Bahn hat Verspääätuuuuungggggg"!!! Só aí já fizeram descer a esperança média de vida 1 ano. E só um caos destes para fazer os alemães falarem de manhã.
Não me peçam para suportar isto dois dias depois de vir da minha casa. Mas por que é que não faltaram os combustíveis para o avião se ter atrasado mais uns dias? Ou melhor, levem os alemães para a minha terra para eles colherem umas batatas de que se queixar!
Volta a pressão, traduz mais um pouco, não chegues atrasada, passa no supermercado senão amanhã não tens pequeno-almoço. Ah, sim, e prepara-te porque dentro de duas semanas o chefe vai perguntar o que queres fazer do teu futuro. Aguente-se, que primeiro tenho de ter tempo de perguntar a mim mesma. Agora que aprendi a não sofrer por antecipação é que começam com pressões?
Que se lixem as decisões. A Espanha entrou em solidariedade com o país vizinho e vamos afundar os dois. Pelo menos não gastamos tanto em transportes, estamos perto de água.
Eu queria era ainda estar em casa. Que se lixe, amanhã já passa. Além disso não vai haver Podolsky nem Ballack que atravessem o Ricardinho Carvalho e aí é que eles vão ver como é possível ter sucesso se se relaxar de vez em quando.
Se perdermos, que se lixe, pelo menos já estamos habituados. A crise vai continuar e eu também vou ficar por aqui.