23 dezembro, 2007

Nosso

O encanto do nosso Inverno não é a neve a contrastar com as casas quentinhas, mas sim o sol longínquo que se vê pintado num céu quase sempre azul. No nosso Inverno vamos a correr tirar as roupas quentes, muitas das quais só se compram nos sítios realmente frios, e enfiamos luvas e cachecóis, chapelinhos bonitos e botas de pêlo sobre as calças. É bom andar assim aconchegadinho, poder dizer "hoje está mesmo frio", fugir aos desalinhos da calçada portuguesa e parar na esquina para comprar uma dúzia de castanhas quentes.

No nosso Inverno sentamo-nos no sofá cobertos de robes, a árvore de Natal cintila ao nosso lado e só apetece ficar em casa. O nosso Natal, esse, é quase igual em todo o lado. O mesmo contraste entre os que têm e os que não têm, os mesmos clichés de Dezembro, os mesmos sacos resultado de encontrões, à pressa, sem pachorra e de última hora. Os mesmos conflitos dentro das famílias, a noite aqui e o dia ali, todos se cruzam entre casas, pelo país e pelo mundo fora. O porquê do Natal, poucos continuam a saber.

Brinde-se no Natal, nos outros dias festivos ou não, neste ou noutro mundo. No nosso País os brindes têm o sabor de um dia de cada vez. E na verdade nós é que sabemos. Pois brinda-se:
- Saúde!
E com ela, esperamos todos cá estar para saborear este céu azul com sol de Inverno, a deixar brilhar a nossa Lisboa melancólica. Com saúde ficam na nossa memória as imagens da nossa Terra, do nosso Natal e do nosso Inverno, aquelas que tanto ajudam a ir e voltar para longe...

14 dezembro, 2007

A caminho

Agora ela gosta de ir, porque habituou-se a ir de repente, a ir andando, a ir embora.

A mesma que não gostava de estar por sua conta, a não ser andando a pé pelas ruas inclinadas de Lisboa, de repente passou a gostar de ir, sem grande aparato.

Não que se tenha habituado a fazer as malas. Continua a não saber como levar tudo o que lhe é importante. Até porque o que é mais importante não conhece aquele “ir”. Apenas embarca psicologicamente com ela...

Descobriu que gosta de ir para o norte, onde o vento e a chuva a obrigam, como sempre diz, a "aconchegar-se no cachecol" para pensar nas suas conquistas. Lembra-se de como foi feliz com temperaturas negativas a baterem-lhe nas faces branquinhas, sem sol.

Já lhe disseram que é próprio dos caranguejos. São caseiros, familiares, e a dada altura resolvem ir andando. Ou voando, se ela for mesmo um passarinho... Talvez ela tenha alcançado essa "altura", no tempo e em si mesma, de ter a vontade grande de ir para descobrir, partir e depois regressar, ver para depois contar. Mas essa é a mesma altura em que os receios se multiplicam. Porque à medida que se habitua a ir, mais normal se torna fazer as malas, e mais difícil passa a ser deixar cá tanta bagagem...

27 novembro, 2007

"Sou um Homem rico"

Tudo, tudo, tudo interiorizado. Uma marca a não esquecer.
O semblante carregado não impediu o manifesto bonito da união, a vontade de estar presente. As lágrimas, adiei-as para tentar prestar o apoio que se presta em alturas como esta, que nunca tinha vivido. São tão bonitos, os laços de sangue verdadeiros.
E a Amizade ali entregue, em abraços apertados e palavras de força, fazia esquecer a escuridão fria e as cores negras dos casacos.
Fala-se de tudo, mas não há conversa de ocasião. Apenas ajudamos a descarregar o peso que se abate sobre nós.
A amizade encontra ali contornos que não se vêem tão nítidos em Natais, nem em aniversários, nem em telefonemas e encontros esporádicos. Triste ironia, mas ao mesmo tempo curiosa e gratificante. É sentir que a idade fortifica tudo aquilo que vi com agrado.
As lágrimas acabaram por não resistir a saltar. Bem-vindas.

O mais bonito foi ver a união de três Irmãos, sobrevivente a todas as adversidades que não conheci, cujas histórias me chegaram turvas. Como se sentisse que não lhes pertencia; que aquela juventude, fora uma Guerra que todos os dias conheço um pouco mais por me mostrar de Quem vem a minha educação, aquela juventude não pertenceu ao meu mundo, e por isso fica para eles os três.
Mesmo da tua História ficou tanto por contar, que anseio ler as linhas que tão dedicadamente escreveste para um dia conhecermos.

Não contávamos com isto, mas talvez tu o tivesses sentido. Desculpa se não o percebemos. Mas creio que não faz mal, pois vai estar sempre presente em nós o teu sorriso, as tuas duras críticas em tom de graça, os teus grandes olhos azuis, a tua memória, a teu cumprimento "minhas queridinhas" com a pronúncia do norte que tanto orgulho te dava.


Deste conta da beleza? As raízes do Porto, o "filho mais velho" de Torres Vedras, "o do meio" de Lisboa e "meu mais novo" do Brasil, ali juntos para ti. Temos de ver a beleza dos momentos tristes. Se não deste conta, eu digo-te: foi bonito, bonito, bonito, vê-los caminhar abraçados ao som dos passarinhos, num dia lindo de sol de Inverno. Foi lindo senti-los relembrarem-te, com tanto no seu interior que desconhecemos, a manifestarem tão livremente o orgulho do Pai que foste.
Agora... agora, o teu "Anjo da Guarda" não te perdeu. Nós é que ganhámos outro Anjo.
Saudades de todos aqueles que te fizeram sentir rico.


[Este é um texto só meu e dos que lá estavam. Está aqui porque precisava de gritá-lo.]

20 novembro, 2007

A sociedade vista pela praia

Escrito há dois anos, na altura do fim-do ano... hoje reli-o no antigo blog. Achei graça re-publicar o que escrevi na altura:

O silêncio que caracteriza o cair da madrugada na minha casa urbana, a um domingo, torna-me muito vulnerável a pensamentos nostálgicos. Desta vez tive um empurrão do pequeno ecrã, sintonizado no canal GNT.Tenho saudades do Rio de Janeiro.

Recordo as particularidades da minha visita e constato hoje que uma turista de 15 anos nunca poderia absorver a filosofia de vida de quem vive numa "cidade com uma floresta dentro dela e a água banhando ela".

Nesta noite de domingo consegui amadurecer o meu olhar. A procura obsessiva pela "estória" e certamente o conhecimento mais do que geográfico do terreno desta cidade tão peculiar permitiram ao jornalista responsável criar uma reportagem que eu arriscaria caracterizar como totalmente verosímil, e conquistadora por isso mesmo.

É perfeitamente legítima a sinédoque de tomar a praia como um espelho fidelíssimo do espírito carioca e em parte até brasileiro. O recorte da costa do Rio de Janeiro traduz de imediato a discrepância entre o muito pobre e o muito rico, mas simultaneamente a defesa pela igualdade entre todo o ser humano. Quer da favela que escorrega pelo morro, quer da mansão que nele encaixa com perfeição e segurança, é possível avistar a praia, admitindo com esse olhar que ela pertence a todos na mesma proporção.

Em todo o caso, e tal como na vida, a diferença de facto existe. A comunidade gay dirige-se para uma praia específica, onde os sorrisos parecem ser os mais sinceros. Um rapaz conta energicamente a sua história de vida. Ainda um "teen", tem já hoje o familiar peito de silicone, o cabelo comprido, o jeito feminino... mas a tristeza conformada de quem não tem dinheiro para mudar de sexo. Ao seu lado, a mãe declara com veemência: "Se não for eu a apoiar ele, ninguém mais vai apoiar". Ambos sorriem.

Também existem praias pequenas, escondidas, elitistas e sossegadas. Numa delas medita aquela jovem senhora que procura o seu interior enquanto contempla o mar com um olhar lacrimejado. A euforia do brasileiro não impede de todo a existência de momentos de solidão e de perda de identidade. E no entanto, mesmo na praia ao lado, onde a concentração humana quase provoca a asfixia e a surdez, uma mulher elege a praia como o único tesouro que vale por si mesmo, já que a sua vida está resignada ao infortúnio dos seus limites: "Para quem sabe que não vai conseguir ter nada nunca, vale mais deixar de sonhar, né?", lamenta. [Mas lamenta com um sorriso, como que dizendo em silêncio "ter vida vale mais que tudo isso". Além disso, "a gente já 'tá sendo filmado aqui, já tem alguma coisa de diferente p'ra alegrar nosso dia". Sim, o pobre brasileiro sabe ao que dar valor, e consegue, apesar de todos os contratempos desta contemporaneidade, ser optimista.]

Assim vai o Homem decalcando as suas diferenças sobre as baías que a erosão foi moldando. Mesmo onde o areal parece ser partilhado por todos é possível que a consciência de cada um determine que num "posto" estejam as "patricinhas" e os "mauricinhos" e que num outro fique "a galera que fuma maconha". Graças ao encontro de classes no sítio certo, a verdade é que um casal, visivelmente feliz, contava que o seu casamento teria começado num pedaço daquela areia. Casados há 20 anos, podem dizê-lo: "Estamos na praia até hoje".

Na praia do Rio de Janeiro a democracia é omnipresente. Ainda que a cidade mantenha uma íntima relação com a criminalidade, diz o democrata que naquelas praias "a única violência é a pequenez do biquini". Turistas francesas são mal vistas pela prática do "topless", porque naquela parte do hemisfério terrestre só o "bum-bum" é que se mostra.

A opinião é unânime entre a multidão que se veste de branco na última noite do ano. "A areia é a democracia. Aqui o ser humano está reduzido a um calção e a um chinelo". Boas entradas, cidade maravilhosa. Saudades.

18 novembro, 2007

E eis que...

...vou mesmo!
Que medo!

14 novembro, 2007

Não penso mais negativo

Porque desde que voltei quero ir e experimentar, quero fugir e re-provar, quero ir para voltar.
O respirar absorve-me na vontade constante de procurar, ponderar, enviar. Fazer (de) novo sem me assustar. É ilusão, em grande parte. Mas tem outro sabor, de tão tarde que aprendi a valorizá-la...
Uma coisa se manteve: o futuro pesa-me mais que o presente. Talvez não vá fazendo o que devia ou poderia, não fosse isso quiçá reanimar-me o gosto pelo sonho perdido. Mas deixei de o querer e, mais importante que isso, passei a valorizar o que sinto. Se não quero, não faço. Desde que haja querer para fazer qualquer outra coisa. E. Se. Há!
Não deixa de ser angustiante. Eu não quero deixar nada nem ninguém, nem deixar margem para que o questionem. Seria bom encará-lo pela positiva. Deixei-me vaguear e sonhar à vontade, depois de tantos anos presa à terra.
Até julgo, ingénua, ter sabido lidar com as saudades, não sei ainda bem como.
E é por isso que quero saltar lá para cima, vestir cachecóis outra vez, pedalar, não entender, passar vergonhas. Ai, o prazer de passar aquelas horas sozinha...
Tive tempo para me analisar, para tapar os medos, perceber que nada é o fim do mundo. O que importa é ter saúde e vontade de viver, ambicionar e acreditar!
Quem diria?
Di-lo-ei eu, quando me deixarem ultrapassar, ultrapassar, ultrapassar, até lá chegar outra vez, mas dessa vez sem pânico (!) nem passos-atrás.
Quero, quero, quero muito. E espero não me cansar de procurar e de tentar até conseguir. E bem depressa, que não há tempo a perder.

31 outubro, 2007

Na calçada

O atendimento raramente simpático numa tasca ao cimo do Chiado, perto do Adamastor. Ruas lindas. Vejo o César, rapaz da mercearia que encantou a minha querida Julia. Que saudades que tenho dela. Como uma dourada escalada com batata cozida e grelos. Conversa familiar, que delícia...
Depois resolvo ir a pé. Não resisto à Häagen-Dazs da esquina, peço um copo de baunilha com caramelo e cookies, cobertura de chocolate de leite. Para levar. Hoje tenho direito, é a minha folga atirada para o meio da semana, o feriado antecipado. Jornalistas nunca vivem no presente, andam sempre adiantados.
Ponho os phones nos ouvidos e saboreio o meu gelado sob a luz de Lisboa num Outono ainda quente. Vou descendo até aos armazéns do Chiado, cruzo-me com mendigos, gente pseudo-fashion, muitos turistas. Que pena, os alemães não terem aquela cara feliz quando estão na terra deles. Desço, pondo colheradas à boca, alheia e tão presente no que me rodeia. Tiro os phones ao passar na carrinha do Fado, onde toca o álbum "Lisboa, cidade do Fado". Quando as cordas da guitarra portuguesa se dissipam, volto a pôr os phones.
Chego ao Rossio, volta a ser tudo plano. Gostava tanto de poder andar de bicicleta. Num quiosque que vende postais vejo o presidente da Câmara, António Costa. Sorrio, esqueço que não gosto dele e penso apenas na inveja inevitável que se tem de um homem que manda numa das cidades mais bonitas do mundo. Uns metros à frente um rapaz aproxima-se de mim com um bloco que adivinha inquéritos de rua. Estou bem-disposta, tenho tempo, páro e tiro os phones. "Trabalha?", perguntou-me. "Não...", respondi eu, sem perceber bem se estava a dizer a verdade ou a mentira. "Então não serve. Mas tem um sorriso muito bonito".
"Obrigada", disse, sorrindo. Segui o meu caminho, voltei a pôr os phones. Na esquina que dá para a nova estação do Rossio sinto o aroma das castanhas. Há-de chegar o seu tempo, agora ainda estou na fase dos gelados. Deitei o copinho no lixo e entrei no metro.
A música continua a acompanhar-me, tornando mesmo leve o ar subterrâneo.
As pessoas andam apressadas, o barulhinho dos sapatos na calçada da Baixa já não se ouve.
Na calma da minha folga, vejo tudo a correr à minha volta, nesta Lisboa luminosa que tanto me faz sorrir.

24 outubro, 2007

O país do "Ah menina, isso não é comigo"

Não consigo mais deixar de partilhar. Parece uma anedota.

O curso que tive a infeliz ideia de escolher obriga-me não só à realização de um determinado número de cadeiras, como também de um estágio - que estou quase (bom, quase...) a acabar - e à demonstração de "conhecimentos vivos" de uma língua estrangeira. Ora, a Faculdade realiza exames anunais, em Abril, para este efeito.

Dado que, em Abril, eu estava na Alemanha e não aqui, não pude realizar o exame. Tal não me preocupou por aí além, porque sabia que certificados de fora poderiam surtir o mesmo efeito - o que a Faculdade até agradece, porque não tem de gastar mais papel em mais um exame.

Vim da Alemanha com todos os comprovativos possíveis e imaginários de que tenho "conhecimentos vivos" da língua alemã, quanto mais não seja porque fui obrigada a fazer todas as cadeiras em alemão. Ora, com dois certificados oficialíssimos disponíveis para o efeito, contactei um Professor da Comissão Pedagógica ou Científica ou raio que o parta mais às hierarquias académicas, que simpaticamente (sem ironias) se disponibilizou a receber-me para analisar os certificados.


"Isto é perfeitamente válido", disse. "Só que...", claro, há sempre um "só que...", teria de me dirigir a um outro Professor para dar a aprovação oficial.


Contactei o Professor em questão para comparecer no seu gabinete, o que levou alguns dias, porque não podemos esquecer que tudo isto se faz em dias separados, uma vez que há horários de trabalho a cumprir. O Professor marcou um horário comigo, eu apareci, esperei meia hora até que outra Professora me disse que o Professor se tinha ausentado do país durante uma semana. Compreendi perfeitamente (sem ironias), até porque achava (na minha segurança ainda alemã) que era questão de adiar por uns dias aquilo que ficaria logo resolvido.

Qual não foi o meu espanto quando o Professor finalmente me recebeu, não olhou para a minha cara, muito menos para os certificados (quando eu tinha explicado a situação por e-mail) e disse apenas "sim, isso é válido, mas tem de fazer o pedido no Secretariado e só depois é que isso vem para mim e eu posso assinar".

"Bom dia", respondi, e dirigi-me ao secretariado. Um tal doutor que não sei como legitima voltou a não me olhar nos olhos e disse apenas "secretariado? Não, isso não é aqui. Isso é tudo na Repartição Académica". Penso eu para mim, o que é que distingue estas duas merdas se nenhuma delas funciona. Tudo bem, "bom dia", e fui para casa. Era demais num só dia para eu ainda ter a calma de "tirar senha" (essa expressão abominável) e esperar pela minha vez.


Voltei uns dias depois, quando a disponibilidade assim permitiu, esperei cerca de 40 minutos para que a única funcionária da Repartição me atendesse, para deparar com o seguinte diálogo:

- "Bom dia, eu precisava de fazer um pedido de reconhecimento destes certificados, para que eles sejam encaminhados ao Professor do Conselho raio-que-o-parta para que sejam assinados. Isto para poder terminar a Licenciatura de Ciências da Comunicação".
Olhou para mim com sobrolho levantado, como quem não faz ideia do que estou a falar, e respondeu:
- "Então está em Estudos Alemães e quer equivalência a uma cadeira, é isso?"
- "Não, como lhe disse estou de Ciências da Comunicação e não quero equivalência, quero que isto seja reconhecido por um Professor, mas por questões burocráticas o papel tem de partir daqui".
- "Pois, mas nós aqui só tratamos de línguas quando são alunos que estudam mesmo línguas". Olhou para os meus certificados e, ao ler a palavra "Erasmus", que não se referia a entidade nenhuma, e sim ao tema de um exame, que portanto não era chamado ao caso, esquivou-se: "Isto dos Erasmus tem de ser tratado é na Reitoria."
Sorri.
- "Tem a certeza?"
- Se lhe estou a dizer que nós aqui não fazemos isso, é porque tem mesmo de ir à Reitoria.
O "bom dia" já saiu com as costas viradas.

QUE. NERVOS.


Parecia que só queria provar que o que ela disse não fazia sentido nenhum e fui à Reitoria em Campolide. A vontade de lançar uma bomba na faculdade já era mais do que muita, mas depois pensei naqueles que vêm de outros cantos do país para tratar destas coisas e pensei: "eles têm mais direito a rebentar com isto".

Na recepção da Reitoria, tive de aguardar que a senhora acabasse a sua conversa ao telefone de "pois, mas a gente aqui trabalha... sim, depois contas-me essa história ahaha... havias de ver a cara dele bla bla..." e finalmente olhasse para mim e dissesse "diga, menina".

Expliquei a situação, o sobrolho levantado repetiu-se, como quem diz "tem a certeza que isso é aqui?", encaminhou-me para um outro Gabinete não sei do quê onde, mais uma vez, alguém viu a palavra "Erasmus" nos meus certificados e disse "pois, isso não é aqui, é ali com as meninas do Gabinete Erasmus".

Sorri de desespero. Nem deu para discutir a situação. Quando me vi no Gabinete Erasmus, cheio de jovens como eu a tentar que isto funcione, é óbvio que em vez de pedir que me resolvessem o problema, que obviamente não lhes cabia a elas resolver, optei por desabafar o ridículo da situação. Elas ouviram-me, conversaram, e eu vim-me embora, pelo menos com a sensação de que alguém me compreendia.

Ridículo.

Fui para casa, porque tinha sido a dose do dia. Contactei o primeiro Professor e expus a situação como quem diz "há aqui alguém que não me está a dizer o que é que eu devo fazer". A resposta foi "não pensei que isso fosse tão complicado". Eu também não. Então optei por não confiar em repartição nenhuma e escrevi eu própria um pedido de reconhecimento, dirigido a dois Professores, para que algum servisse. "Algum há-de servir de certeza", disseram-me. Voltei à Faculdade (é engraçado como isto está a levar semanas a fio), entreguei as cartas, com a esperança de ver o assunto como encerrado.

Eis que recebi um novo e-mail do Professor a dizer que "sim senhor, isto serve"... SÓ QUE... "terá de ir à Tesouraria ou à Repartição Académica pedir uma minuta de requerimento onde terá de escrever o pedido de dispensa de realização do exame, que a Professora aqui carimbará como "dispensado" e aí sim poderei anexar o seu pedido e os certificados e encerrar o assunto. Faça isso hoje ou, mais tardar, amanhã de manhã".

Claro que fui primeiro à Tesouraria, porque não queria ter de voltar a "tirar senha". Fiz questão de levar o e-mail do Professor para não dizerem que eu estava a inventar. Mas a novamente a minha ingenuidade e segurança alemãs não me fizeram prever a reacção mais provável: "Oh menina, minuta de requerimento? Nós aqui não temos nada disso. Só certificados de matrícula. Tem de ir ali à repartição".

Ela não se apercebe que para ir à repartição é preciso tirar uma manhã inteira.

"Obrigadinha", respondi.


No dia seguinte (para não explodir no anterior), fui tirar senha. Levei o e-mail. E fiz a mesma conversa, como quem tirou Direito e não Ciências da Comunicação:

- "Bom dia, eu precisava de uma minuta de requerimento para pedir dispensa de um exame de língua estrangeira, para poder acabar a minha Licenciatura." E estendi o e-mail.
Quando vi a demora na resposta, percebi que ainda não ia ser desta.
- "Isso não é assim que funciona. A menina terá de vir cá com os certificados, nós fazemos o pedido e ele é encaminhado ao Professor do Conselho Científico do seu Departamento."
- "Isso foi o que me disseram no início. Eu vim cá, esperei e insisti, mas a sua colega teimou comigo que não faziam isso aqui e, veja lá, mandou-me para a reitoria. Como é óbvio ninguém me resolveu o problema lá e eu ando nisto há dois meses."
Quando o senhor sorriu eu percebi que ele me estava a compreender. Ele, sozinho, não faz aquilo funcionar. Lá me deu umas indicações e... terei de lá voltar um dia destes.

Não vos conto o próximo capítulo, não vos desejo assim tanto mal. Gabo-vos a paciência se leram tudo até aqui. E em vez de me verem como alemã arrogante e intolerante, por favor, dêem-me razão.

22 outubro, 2007

O Homem.

«Vivemos rodeados de tecnologia, informação e betão; uma vida em ritmo acelerado sem tempo para reflectir.

Adoecemos e esperamos que um médico nos cure depressa, para que possamos regressar à nossa vida atarefada.

Quando uma doença é severa, o suficiente para pôr em risco a nossa vida, por vezes paramos para ponderar sobre a nossa existência. Mas, uma vez curados, partimos novamente sem pensar nos seres humanos extraordinários e complicados que somos.

Os nossos corpos são de facto mais intrincados, complexos e maravilhosos do que todos os computadores e geringonças que nos rodeiam actualmente. E no entanto, muitos de nós não sabem realmente o que se passa debaixo da nossa pele - como os nossos corpos funcionam, o que precisam para sobreviver, o que os destrói, o que os regenera.

BODIES... THE EXHIBITION é uma tentativa de ultrapassar este conjunto de circunstâncias desafortunadas. Assimile o conhecimento adquirido na exposição, expanda-o e use-o para se tornar num interveniente informado dos seus próprios cuidados de saúde. O que implica muito mais do que melhorar a sua dieta, ou iniciar um programa de exercício há muito necessário. Antes exige que estabeleça uma parceria com o seu médico para compreender o que é que você - e o seu corpo singular - precisa para manter uma vida saudável e compensadora.»

Gastei a minha manhã ali sozinha e fiquei perplexa. Até quarta-feira.

20 outubro, 2007

Jornalista.


Hoje é dia de folga.

Tiro a folga para aproveitar o sol que não tenho visto. Há um mês e meio que a minha noção de tempo se alterou e finalmente posso dizer que passei a valorizá-lo ao minuto. Ficar na cama ou simplesmente em casa passou a ser uma excepção que só se confirma quando o cansaço o exige. E o cansaço não existe por causa do estágio, mas por causa das poucas horas livres que me sobram para resolver o que ficou pendente, mesmo depois de um mês livre de descanso após o Regresso.

Estou mais tranquila, mais discreta. Mas o sentimento mantém-se, as saudades da Alemanha são imensuráveis.

Mas sorrio. Afinal, há um ano, quem diria que hoje estaria assim? Ter saudades constantes da Alemanha é uma arrogância, sei-o. Mas a Alemanha tirou-me muito daquilo que eu tinha de mau, por isso não sinto que fosse justo referir-me à Alemanha como aquela-experiência-que-tem-sempre-um-fim-e-nos-deixa-na-depressão-pós-Erasmus-que-ao-fim-de-três-meses-passa. Não, eu não sinto que vá passar, nem quero que passe. Porque não quero voltar ao pessimismo que sempre me rotulou.

É irónico como visto o meu pessimismo de hoje com um sorriso. Hoje é diferente. Hoje sei que as coisas não se adivinham fáceis, mas em vez de desistir previamente, agora eu quero enfrentá-las. Afinal, não foi assim tão difícil como eu pintava...

O que me preocupa é perceber que podemos mudar de ideias de um momento para o outro. De ideias, de ambições, de sonhos, de talentos. A essência, aquela que ficou provado que se mantém, essa ajuda-nos a lidar com a mudança. Mas não deixa de ser difícil lidar com tudo isto.

Forçaram-me a perder o encanto pelo jornalismo. E como eu passei a acreditar que tudo acontece por um motivo, “gosto” de pensar que estou ali porque era preciso perceber as coisas por outro prisma. Não fui parar a um jornal centnário nem saio à rua de bloco de notas à procura de estórias exclusivas. E se eu disser que no fundo eu sempre soube que nunca quis isso para mim, que nunca foi essa a definição do meu “quero ser jornalista”, sei que à minha volta chovem “não digas disparates, só dizes isso porque estás num sítio onde o jornalismo não é padrão”.

Não sei como clarificar, mas a verdade parece-me simples: não gosto disto por aí além, e partimos do pressuposto que sonhamos com um curso que nos leve a fazer algo que adoramos. E no entanto a minha redacção é um canto extremamente acolhedor. Estou rodeada de pessoas pacientes e interessadas em ajudar e em ensinar, sem nunca esquecer que fazemos parte dos tristes estagiários não remunerados. Tenho um director e dois editores a agradecer todos os dias pelo nosso trabalho. Tenho discussões gerais sobre política, jornalismo, actualidade. Lemos os jornais todos, vemos e ouvimos os noticiários todos. O “refresh” à Agência Lusa é constante, estamos permamentemente a saber em primeira mão aquilo que acontece. Tenho o stress à minha volta quando a noite cai e os jornais, desde o Diário de Notícias ao 24 Horas, arrancam com os gritos do “quem fez as fotos da página 24?”, “despachem-se com a última página” ou “hoje não há merda nenhuma que dê para manchete”.

Tenho tudo isto e sinto-me privilegiada por fazer parte de um estatuto, apesar de tudo, de respeito. Mas ao fim de um mês tudo isto deixou de ser novidade para passar a ser prova de que não preciso de sacrificar a minha vida por exclusivos e últimas horas, que nos tiram vida pessoal durante tempo indeterminado e que não nos dão dinheiro. Não faltaram avisos quando escolhi aquele curso, mas quem é que tem estas noções aos18 anos?

Não é arrogância. É, acima de tudo, desilusão, por me ter descoberto virada para o lado oposto, quando tanta gente à minha volta confirmou, pelo contrário, que quer fazer isto para o resto da vida.

A probabilidade de tudo isto se justificar pelo simples facto de o meu trabalho não passar por sair em reportagem é muito ínfima. Sinto-o.

E agora, o que me resta?

Agora restam-me as saudades da Alemanha, resta-me a Internet que todos os dias me diz algo novo sobre trabalho e formação algures na Europa, resta-me a rotina familiar que não tive durante um ano, restam-me os sorrisos dos portugueses, o sentido de humor, as pessoas divertidas e as amizades próximas. Restam-me os e-mails para a Alemanha, para a Irlanda, para a Holanda, para Espanha, para a República Checa, para o Brasil. Restam-me as folgas para valorizar este sol insubstituível, quando na Alemanha por esta altura as noites chegam já aos zero graus.

E resta-me um sorriso, porque aprendi que com calma e sorrisos as dificuldade se relativizam. Por enquanto fico aqui no nosso cantinho privilegiado a ver o que se passa lá fora. Com um pé já dentro das estatísticas dos licenciados desempregados.

Por enquanto vou chorando as saudades da Alemanha. Mas o meu sangue é português... por isso, “logo se vê”.

06 outubro, 2007

Acho que foi por isso que, há um ano, consegui.

«Não consigo ter saudades, porque não quero, nem encaro mais o amor como uma possessão. Não consigo ter saudades, porque acredito no amor que sinto em cada momento, mesmo distante; porque o carinho dos que me amam está em mim, no meu respirar, nesse acordar com sorriso, nesse meu querer viver intensamente, nessa confiança na Vida que me trouxe a este outro canto do mundo.

O amor é energia, um fluxo sem limite. Somos nós, os que continuamente precisamos de etiquetas. A tal ausência de saudade é consequência duma liberdade conquistada, de um espírito sem fronteiras, duma bagagem que transporto no meu olhar.»

Alfredo Hervías y Mendizábal

18 setembro, 2007

"O" dia: 16 de Setembro de 2006

Há um ano (o ano que fez há dois dias e que nao me deixou escrever mais do que duas linhas, porque depois de um ano acontece muita coisa e calhou trabalhar ao domingo)... há um ano acordei com a respiração acelerada, mas com uma calma que reflectia a falta de espaço para mais medos. Toda eu era pavor do que me esperava. A mala preta (a mesma citada há pouco tempo) estava encostada à secretária de madeira clara, ainda aberta, à espera que eu me lembrasse de mais alguma coisa "imprescindível para viver 5 meses".

Fiz um único telefonema. Aquele que me deu 99% de certezas de que a querida Catarina tinha sido colocada em Medicina. Lembro-me que esse foi o único momento em que me senti totalmente feliz naquele dia. Todos os outros eram metade medo, metade expectativa.

Fui tomar o pequeno-almoço à Versailles com os meus Pais. Tinha saído o jornal Sol nesse dia, pela primeira vez. Saboreei um croissant e um sumo de laranja sem a consciência de que tal coisa não me surgiria tão cedo na Alemanha.

Um dia de sol e calor. Trazia a mesma roupa que decidi vestir no último dia, o já nostálgico 27 de Julho de 2007. Também não tinha noção da saudade que o sol me traria.

Peguei nas malas, tantas. E fui para o aeroporto com Mãe, Pai e irmã. Não me lembro do que disse, mas sei que me saíam expressões do mais quotidiano possível, abafando avisos sobre bilhetes e passaportes, na esperança de me convencer que amanhã seria mais um dia em Lisboa.
Mas não. No tapete rolante do check-in, ao ver as minhas malas partir, percebi que estaria quase-quase a partir atrás delas.

Lembro-me do bolo de arroz que aí me alimentou para o resto do dia, se é que chegou a passar da garganta. E lembro-me da mesa comprida improvisada, com Família, amigos e Miguel, de onde se afastou a minha Mãe por instantes, no primeiro momento de aflição. Lembro-me de sorrir para querer convencê-los a todos que estava bem.

Um ano depois, a imagem da despedida de todas aquelas pessoas importantes, e importantes acima de qualquer distância, um ano depois essa imagem não descrevo, porque não se descreve.

Seguir "para trás do biombo" foi literalmente o momento da passagem para o lado de lá. O senhor do controlo de bagagem tentou acalmar os meus soluços com um "não fique assim triste". Hoje tenho pena de mim quando me lembro do medo que me assolava.

Partida para Palma de Maiorca, avião cheio de portugueses e espanhóis. Partida para Leipzig, avião cheio de loiros, branquinhos, caladinhos. Muitas horas de viagem, para pensar, ou não pensar de todo. Respiração acelerada, apatia, tudo junto.

Aterrei numa cidade escura, silenciosa e de pouca gente. A cidade que se tornou acolhedora, querida, palco do ano mais intenso da minha vida. A minha cidade.

Tive a grande sorte de ter a Clara à minha espera. A única morena que encontrei no tapete da bagagem, cheia de malas e portátil a tiracolo, chamou-me a atenção. "Deve ser espanhola", pensei. Dois dias depois cruzámo-nos na matrícula da faculdade e perguntámos em uníssono, para nos apoiarmos nos primeiros tempos, esses tão desafiantes: "Bist du portugiesin?"... "Sou!".
A Clara sorriu durante todo o percurso, durante toda a semana. Mas o que marcou mais foi aquela noite. Era sábado à noite, os eléctricos iam cheios de jovens divertidos. E eu, no meio deles, com centenas de quilos às costas, a tentar perceber aquela língua que soa a quem come tostas.

Rodinhas que pisaram os passeios da antiga RDA, até à Tarostrasse 12, quarto 537, que desde esse momento se tornou no espaço da maior prova que dei a mim mesma.

Em casa abri a mala preta. E nos dias que se seguiram, desfiz a mala, aos pouquinhos, até tudo estar cá fora.

Sabia lá eu que difícil seria voltar a enchê-la.

16 setembro, 2007

03 setembro, 2007

Voltar.

Tal como numa praia, ao início da manhã. Não vejo ninguém, só o barquinho com que dei à terra. Vim sozinha, tal como tinha ido.
Sento-me, agarrada aos tornozelos, queixo sobre os joelhos. Não consigo deixar de olhar em frente, bem lá para o fundo do horizonte. Por mais perfeita que esteja a linha não consigo ver para lá dela. Queria tanto poder viver tudo aquilo outra vez.

Do que lá vivi só consigo agora ouvir o som das ondas, que me lembram alguns ruídos. E sinto o cheiro da maresia, aquele que se desmembra em dezenas de outros odores, tão presos à memória.

O sorriso que esboço é daqueles pouco curvados. Lembro-me de sorrir rasgadamente, todos me podiam ver os dentes, felizes, todos os dias sem excepção. Agora só sei lançar aquele sorriso quando, em contacto com os olhos, fixos no incerto, pareço ver as imagens nítidas da conquista que deixei para trás. (Ou para a frente.)

Do outro lado ficou um mundo pequenino que eu construí sozinha, só para mim. Deste lado está o meu mundo de sempre. É irónico ter de habituar-me a ele. Mas tem sido um processo reflectidamente natural. Não custa aceitar que tenho de estar nesta praia de novo. Porque gosto muito dela. Custa é pensar que o que quero ver no horizonte se desmoronou e dispersou assim que eu parti. Um ano dos meus vinte e dois, por aí algures, sem dono. Como se já não tivesse provas de que existiu.

Restam-me os caminhos que o barquinho me foi mostrando ao longo da viagem. E resta-me, sem dúvida, o verde que se estende para trás de mim, pacientemente à espera que eu lhe dê o que ele me dá a mim.

Sou alguém dividida em mim mesma. E dividida entre o mar que defronte vejo e toda a terra que me espera.

Mas há vida em todas as direcções, agora eu sei disso.

Está vento. O mesmo que faz as coisas irem e voltarem. A areia levanta-se impulsiva, às vezes até com vergonha, numas zonas com mais força, noutras com menos.

Deixem-na assentar, por favor. Tudo é bom quando acaba bem e eu quero levantar-me quando sentir que nada mais paira no ar. Hei-de levantar-me de vez e explorar todo o verde fértil que se estende atrás de mim. Hei-de colher lá os meus frutos.

Mas por enquanto, deixem-me alimentar este orgulho que tão dedicadamente conquistei. Deixem-me alimentar a vontade de regressar a esta praia. Tenho de me ir certificando que o barquinho não partiu sem mim.

27 agosto, 2007

Aí vou eu




Imprensa: Controlinveste lança gratuito Global Notícias em Setembro

Lisboa, 26 Jul (Lusa) - O grupo de media Controlinveste vai lançar em meados de Setembro o diário generalista Global Notícias para concorrer no segmento dos jornais gratuitos, anunciou hoje o presidente da empresa, Joaquim Oliveira.
O novo jornal, que "quer ser o melhor jornal gratuito do País", insere-se na estratégia de consolidação do grupo editorial, afirmou o empresário no pré-lançamento do projecto hoje realizado.
O título será dirigido por Silva Pires, actual responsável dos suplementos e projectos especiais do grupo, sendo a direcção editorial coordenada por João Marcelino, que acumula com a direcção do Diário de Notícias.
Nesta primeira fase, o jornal Global Notícias, que tem o mesmo nome da sub-holding para a área de imprensa do grupo, vai contar com uma tiragem de 150 mil exemplares, que serão distribuídos nos principais pontos de circulação da área metropolitana de Lisboa, abrangendo ainda Vila Franca de Xira e os limites de Setúbal.
Joaquim Oliveira admitiu que o projecto poderá chegar "possivelmente em 2008" à região do Porto.
Sobre o investimento envolvido no novo jornal, o presidente da Controlinveste não quis avançar valores, afirmando apenas que "está dentro dos orçamentos normais".
Com 24 páginas, o jornal terá "uma arquitectura original" e vai contar com a "maior redacção do País", referiu João Marcelino, explicando que os conteúdos do Global Notícias serão feitos em coordenação com todas as equipas dos meios detidos pelo grupo Controlinveste.
O grupo de media detém, entre outros meios, os jornais Diário de Notícias, 24horas, Jornal de Notícias, Tal&Qual e O Jogo, a revista Volta ao Mundo, a rádio de informação TSF e uma participação no canal de televisão Sport TV.
De acordo com João Marcelino, o projecto definitivo do jornal estará concretizado dentro de um mês.
Em Portugal existem, actualmente, três jornais diários generalistas gratuitos: Destak e Meia-Hora, detidos pelo grupo Cofina, o Metro Portugal, onde o grupo Media Capital detém uma participação, além do Diário Desportivo.
SCA.

Lusa/Fim

23 julho, 2007

Corrida contra o tempo


Emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções emoções...........

15 julho, 2007

Tempo, tempo, tempo

Obsessão temporária.
Tempo.
Para reflectir,
para estudar,
para despedir,
para sorrir,
para chorar,
para decidir,
para preparar.
Preciso de cada segundo deste tempo.
11 dias...

05 julho, 2007

Cheiros


Nenhum cheiro forte permitirá o esquecimento de tudo isto.
O cheiro da residência, que só na residência pude (poderei?) sentir.
O cheiro de uma casa é sempre único e insubstituível.
O cheiro do creme hidratante Eldena, do supermercado Aldi, pertence aos primeiros dias, à presença da Clara, ao fim quente do Verão, início de qualquer coisa na Alemanha.
O cheiro do gel de banho de aveia pertence àquela casa-de-banho pequenina, que me tentava acordar nas manhãs escuras, de temperaturas negativas, com aulas à espera.
O cheiro da cave onde lavava a minha roupa.
O cheiro do Instituto na Emil-Fuchsstrasse, inconfundível, das escadas para as salas de seminário, onde cheguei muitas manhãs sempre gelada e com sono. O cheiro do medo da deslocação no meio dos alemães.
O cheiro estranho de gases a emergir do chão em certas ruas da cidade lembra que piso Leipzig, que (ainda) estou aqui. Um dos poucos cheiros que se manteve durante o frio do Inverno, que tudo bloqueava entre o nariz e o cachecol...
O cheio do Weihnachtsmarkt, o lindo mercado de Natal, matou saudades nas pequenas feiras da Páscoa e da Cidade.
O cheiro das Thüringer Bratwurst, salsichas no pão, bolos de Natal, Glühwein, o cheiro dos fuminhos a aquecer o Dezembro frio lembram a Mãe, o Pai e a irmã a viver parte da minha experiência, ali, aqui comigo.
O cheiro do Bolo-Rei, do bacalhau, do grão, do azeite, dos pastéis de Belém, o cheiro do Natal na Alemanha 2006.
O cheiro do creme de cara Balea lembra Spyndleruv Mlyn, parêntesis no Erasmus em companhia portuguesa.
O cheiro seco do ar condicionado do avião, para Lisboa em Fevereiro, lembra o momento mais pessoal, provavelmente o mais feliz deste Erasmus.
O cheiro do novo quarto da Júlio Dinis, a lembrar o regresso, a saudade, a pausa, o balanço.
O cheiro da nova casa, da Frommannstrasse. O cheiro da casa da Franziska que visitara tempos antes. O cheiro de uma casa a revelar-se novamente único.
O cheiro do gel de duche, agora de mel, para variar. Quando acabou, comprei de novo o de aveia, para pensar que ainda estou no primeiro semestre, longe do fim.
O cheiro da lembrança de um Inverno que foi tão bom.
O cheiro dos Döner no caminho para casa, especialmente forte na Tarostrasse.
O cheiro do meu quarto cor-de-laranja.
O cheiro da Nutella, das boas manhãs, da vontade de acordar com o sol a bater na cara.
O cheiro dos bolos, das bolas de Berlim, dos pãezinhos de sementes, do Milchkaffee em tigelas quase de sopa.
O cheiro do Lukas-Café, que me trazem saudades da Mafalda e dos costumes lisboetas.
O cheiro do refogado, que faço tantas vezes quantas são possíveis, para apurar a Saudade da Mamma na cozinha da Júlio Dinis.
O cheiro do chá de laranja da Franziska, o cheiro da cerveja, do chocolate quente, o cheiro a limão das águas com gás, o cheiro das Kräuter por todo o lado.
O cheiro do Rewe, do Kaufland, do Plus, do Aldi, do Lidl, de todos os supermercados, com o cheiro dos enchidos a substituir o cheiro do peixe.
O cheiro da Cafeteria da Faculdade nas referidas quintas-feiras, a Cafeteria que já não existe.
O cheiro do sabonete da casa-de-banho do 4 Rooms, onde tiveram lugar as primeiras noites de convívio, de novidade, de autêntica histeria.
O cheiro dos queijos franceses, do arroz asiático, das tortillas, dos presuntos, da carne assada, das saladas de batata nos jantares de grupo internacionais.
O cheiro da biblioteca, o autêntico cheiro do Inverno. O cheiro a horários, o cheiro dos momentos a sós, dos momentos de observação, de reflexão, de trabalho, de orgulho e esforço.
O cheiro da casa da Caroline, da Carla, da Julia, dos 4 portugueses, do Wychman, do Padhraig, da Laura.
O cheiro da água do lago.
O cheiro dos parques.
O cheiro da neve.
Dez meses na Alemanha.


21 junho, 2007

Fins


2007




Um mês depois surge a mínima capacidade de comentar este grande marco. O silêncio nunca quis dizer indiferença. Apenas exige paz de espírito, um bem precioso nesta fase.


O sonho de ser jornalista foi semeado naquela viagem de carro com o meu Pai no trânsito de Lisboa. O prazer pela escrita, esse nasceu comigo, manifestava-se com raiva quando tinha quadros com giz e só podia desenhar, porque ainda não sabia escrever.


O esforço foi grande nos anos que se seguiram, Português A, e História, e Filosofia, e o que é afinal a Faculdade. Até que naquele dia de fim de Verão em 2004 soube que tinha "entrado da Nova", a tal que assustava com médias tão altas.


O encanto foi-se transformando em hábito e novamente em esforço. Linhas de maturidade acompanhavam as fases de exames, as aulas para cumprir horário, a arrogância dos senhores doutores. De encanto passou a realidade fria e triste, a boatos sobre quem já conseguiu dar um passo em frente, e como, com que cunha, com que factor "C".


Estávamos todos loucos quando escolhemos ser jornalistas, foi a linha de cada superior que por nós passou nos corredores brancos da Faculdade. A esperança em encontrar aulas práticas e mais interessantes foi crescendo e com ela a motivação para enfrentar as dificuldades daquela (ou desta?) rotina suja...


Não foram os melhores anos da minha vida, tenho de dizê-lo. Não senti o espírito, nem as paredes, e sobretudo não senti o conteúdo. "Só" os "amigos de curso". É no entanto compreensível. De uma Casa de ensino caí num mundo de hierarquias, de escassez pedagógica e caminhos fáceis.


Até que surgiu a possibilidade, o desafio, o medo (pavor!), a vontade talvez, a fuga com certeza: esse tal de Erasmus, que sempre subestimei, cruzou-se comigo e quando dei por mim tinha um bilhete de avião para Leipzig.


Inevitavelmente a Alemanha pintou de outras cores a imagem académica que eu tinha. Não há lugar para críticas ou para a arrogância típica dos ex-Erasmus no cliché "lá é que era bom". Mas parece-me quase ridículo dizer que tirei o curso em Portugal e vim à Alemanha conhecer outro sistema de ensino, porque não restam dúvidas que aprendi muito mais nestes nove meses do que em três anos na Avenida de Berna.


A competitividade entre jornalistas é universal. E acrescidas as particularidades deste povo, não posso negar que não se fazem amigos alemães em aulas de jornalismo aqui.


Mas aqui dão-nos voz (se sou alta, loira e de olhos azuis ou uma morena que vem dum tal programa Erasmus, não interessa), pedem-nos ideias, aqui os professores aprendem com as aulas que somos nós a dar. Aqui não se segue o caminho mais fácil, cada tarefa é tomada a sério. Não há lugar para vergonhas ao dizer que passámos o dia na biblioteca. Os Erasmus cruzam-se também naqueles corredores, apinhados de livros, depois da noite anterior em que todos saltavam e gritavam com as cervejas de meio litro. (Nestes momentos sente-se a intensidade de uma experiência como esta.)


Não há lugar para vozes tremidas na hora das apresentações. Mas houve lugar sim para a minha voz tremida, na primeira apresentação, sozinha. Os alemães não se oferecem para trabalhar connosco. Fazem com quem calhar, desde que seja o tema que lhes interessa. São independentes, não têm vergonhas. E então ali estava eu, numa sala de computadores, em frente a 20 alemães - daqueles que tomam atenção à aula toda -, com o meu Powerpoint corrigido por uma das poucas (mas grandes) amigas alemães, a dissertar nesta língua matemática as teorias do Jornalismo Online.


O tempo passou e as apresentações, obrigatórias, ganharam outro à-vontade. Muitos dos alemães com quem me cruzo nos seminários não precisam de nota, estão ali para aprender. E no entanto cumprem as avaliações com a mesma dedicação de quem precisa de um papel no final. É natural que canse, que não dê espaço para relaxar, que haja dias (há, de facto) em que este povo irrita pela sua seriedade. Mas aprende-se - e ganha-se já uma comichão levezinha de intolerância ao pensar no que estará para vir. Se ainda tiver de frequentar aulas no futuro, será difícil contrariar a tendência de aparecer 20 minutos antes de a aula começar.


Tantas diferenças podiam ser mencionadas. Tantas coisas diferentes aprendi. Projectos de Pedagogia dos Media a acompanhar crianças nas horas que passam nos Chats perigosos da Internet, simulações de conferências de imprensa, análise de filmes animados da Disney contra a propaganda nazi - frente a estudantes descendentes dessa geração.


Uma aprendizagem diária e intensiva.


Estava na Alemanha quando teve lugar a Benção dos Finalistas de 2007, o ano da minha Licenciatura. Nunca reconheci a tradição, mas longe pesam-se ainda mais as simbologias. E assim pude estar lá presente de alguma forma, na minha pasta com fitas em cor verde, azul, preta, branca e encarnada, escritas em português, inglês e alemão, elevada pelos meus queridos Pais - aqueles que sempre me incentivaram a fazer o que eu realmente queria.


Como sempre digo, o importante é ter a consciência das coisas. O caminho que escolhi pode não ter sido o mais sensato nos dias de hoje, mas há que procurar alternativas ao arrependimento. Sem tal desilusão talvez nunca tivesse partido naquele avião. E assim, inevitavelmente nunca teria a ambição que tenho hoje de atravessar mais fronteiras, aprender mais, agora que percebi que sou minimamente capaz.


Partir, lutar, aprender, idealizar o Portugal que nos consome na dicotomia entre desilusão e amor profundo.


Hoje é fase de fins, de balanços, de imaginações e muitos, muitos, inúmeros medos. Mas hoje também é dia de poucas exigências. Não me devo permitir pensar que os meus dias são rotina, porque são conquistas desde o dia em que aqui cheguei.


Hoje é dia de Obrigada. A todos os que acreditaram que eu conseguiria.


01 junho, 2007

LUZ de Lisboa



Coisas para fazer são inúmeras. Mas escrever justifica sempre...

"Levo a espada e a armadura de ferro (...), levo-te a ti".

Levei-me a mim mesma para as minhas raízes. Não foi hora de questionar. À medida que o tempo passava a certeza era cada vez maior. Tinha sido a decisão certa. Queria tanto estar em casa e não podia, até àquele dia.

Chega de espernear, gritar, dar gargalhadas e ligar banalmente para casa. Uma experiência destas não seria a mesma sem um momento-de-fundo-de-poço, mesmo que nem sempre haja uma causa especial. E aí sim. Sentimos o quarto vaziozinho, a cama fria, a almofada e o edredão insuficientes para aquecer cá dentro. Por outro lado, a amizade demonstrada em alemão e inglês comprovou o seu valor.

Nada substitui as rotinas desta cidade pacata. A certeza é já mais que garantida das saudades que dela vou sentir. Há porém momentos em que é preciso parar e lembrar melhor de onde viemos e de quem lá está a aceitar o nosso egoísmo. Há um dia em que olhamos de forma diferente para "Casa".

Muita coisa ficou para trás nestes tempos. Houve conformismos e medos, mudanças, descobertas e desafios. Histórias para contar em noites de convívio. Talvez rir, mesmo do que na altura fez chorar. Pois a Vida é assim. Cada momento para cada sensação. Gefühle, Gefühle... wahrscheinlich das beste "Erasmuswort".

Vim a Casa, à minha querida Lisboa. A vista do avião teve um sabor diferente de Fevereiro. Mais atenuado, mais assustado. Estou quase a voltar de vez. E agora que fui de visita, até já regressei, como o tempo voa!, volta esta sensação de incerteza quanto ao espaço a que pertenço. Até lá vou-me refugiando neste parêntesis que a cada dia melhor descubro ter sido uma necessidade para esta alma de tantas incertezas. E um dia aterrarei no chamado mundo dos abutres e tudo isto serão só memórias.

Mas estarei em Casa, entre muitas coisas ao lado das minhas fitas de finalista, a lembrar que tudo foi sugado quanto baste.

Ter essa consciência só foi possível com o conforto da cama de sempre, numa casa cheia do meu sangue e de rotinas que há tantos anos fazem parte de mim. O incentivo a mudar é porém insistente, vindo das vozes de quem sempre me quis dentro da rotina. Tem razão de ser, que há que ir em frente e, mais do que em frente, ir além.

Só por aquele sol, mesmo que anormalmente escondido, só pelo som das ondas do mar, só pela mesa posta para a Família, só por arranjar o peixe e conversar como só nós conversamos, só pelas surpresas e pelas demonstrações de carinho, só pelas Pessoas à minha volta, só por vídeos e visitas, "só" por "tudo" valeu mais do que a pena ter decidido vir. Ou ir, que agora já aqui estou, depois de mais um pequeno grande salto. Toca a aproveitar a bicicleta e a varanda, as conversas noutras línguas, que num ápice tudo se esvai.

Nova etapa?

Obrigada, Mãe.

06 maio, 2007

"À minha querida Mamã"


Ó terras de Portugal
Ó terras onde eu nasci
Por muito que goste delas
Inda gosto mais de ti.


Fernando Pessoa

02 maio, 2007

Incerto



A mala preta, grande, que agora só guarda um cadeado, enche o cantinho do meu quarto de paredes cor-de-laranja. Vai esperando por uma data, sem pressas, praticamente presa ao chão a ganhar pó. Já quase não reparo nela, como se fizesse parte da mobília. Atiro para cima dela os casacos que o meu armário sem cabides não deixa pendurar.

Agora começa a fazer sentido pensar mais na grande mala preta. Com ela parti para onde hoje estou. Entre tantas coisas palpáveis e que julguei importantes (quão difícil se revela seleccionar o que precisamos de ter por perto...) vieram, dentro daquela mala, sobretudo incertezas. Muitas, pequeninas, embrulhadas em inseguranças que não consegui desfazer sem a ajuda do tempo. Boa parte delas desfez-se, sim; outra parte ainda permanece dentro da mala, porque colada ao corpo, às células. É incrível - mudar tanto e deixar a essência intacta.

Incertezas quando às pessoas, quer as que deixava, quer as que ia encontrar, que não conhecia e que hoje são pilares para mim nesta casa longínqua. Incertezas quanto ao espaço que me iria acolher, e tão inesperadas incertezas quanto à falta que a graciosa, ausente e insubstituível luz de Lisboa ia fazer. Incertezas quanto aos sorrisos que imaginaria em mim, e com que frequência, e com que intensidade. Incertezas quanto a mim mesma.

Vim, voei, corri, encontrei, estremeci, superei, traduzi (tanto, tanto, tanto!), gastei, festejei, aprendi, conheci. Principalmente, comuniquei. Comigo, com os outros e com o mundo. E então, natürlich, sorri. Por reconhecer que tinha conseguido - para decidir continuar.

Ao contrário do que esperava, porém, não foi um mero continuar. Foi um começar de novo. Novos desafios, novas estranhezas, novas dúvidas, novas incertezas. Em cada manhã desta nova fase apercebi-me que prolongar uma experiência como esta não significa apenas um esticar do que houve de bom, mas ainda uma nova oportunidade para levantar os braços a novos desafios. A cada fim de tarde regressa a sensação de que consegui dar outro passo.

Mas cada fim de tarde, agora, já dá sabor de Saudade. O Sol de Primavera neste norte chega pelas cinco da manhã e só pelas nove da noite se despede até ao dia seguinte. Dá ainda mais vontade de saborear cada pedaço de luz lá fora. E saborear esse percurso do tempo lembra que o percurso do meu tempo já está numa contagem subtilmente decrescente.

Pior. Agora que estar aqui é ainda melhor, por poder estar "lá fora" e viciar-me ainda mais na observação deste povo complexo quando o sol raia, os sorrisos se rasgam e as vozes se ouvem mais altas; agora que pessoas à minha volta consolidam os laços e passam da amizade necessária para a Amizade comprovada; agora que o vento bate na cara com sabor fresco e não gelado e dá vontade de passar no parque com a bicicleta antes de vir para casa; agora que se descobre que a Universidade pode trazer, simplesmente, motivação...

Agora, como dizia, é um pouco pior. Porque agora, como no início, há que pensar no depois, no danach, no que me espera. Agora sou obrigada a lembrar-me que este tempo se perde perante as preocupações que estão em modo stand by sobre mim. Sem jamais traduzi-lo por "tempo perdido", pois que este foi já sem dúvida o tempo mais ganho de sempre.

E assim re-arranca a insegurança. Há que ter muita força na recta final, ainda tão longa mas tão cruelmente veloz. Há que rematar no estudo obrigado, mas interessado, e preparar para um julgamento a substituir a mera avaliação. Mas entretanto há que escrever, brindar, correr de olhos fechados, acordar sem horas e sem perder tempo, há que sugar cada momento.

Para então, mais lá à frente,
sorrir,
pegar na grande mala preta,
repleta de novas coisas importantes,
respirar fundo e
partir para o irónico ponto de partida:
um novo Mundo do Incerto.

01 maio, 2007

03 abril, 2007

Ao acordar.

Ao acordar foi ouvindo o barulho dos carros na rua. Julgava-se habituada àquela sinfonia, ainda que civilizada. Mas depois de algum tempo a viver longe da metrópole, acostumou-se ao barulho dos pássaros.

Então, ao acordar, recordou: "Somos animais de hábitos". Arrepiou-se. Sentiu-se como que sem lugar. Não estava na casa de sempre, nem na casa de antes, nem mesmo na casa de agora. Dava gargalhadas com uma amiga numa cama elevada, daquelas com que sempre sonhou, com a secretária por baixo. O sol batia na janela, ameaçando alguma força, mas naquele momento não queria saber de horas.

"És adulta", disseram-lhe, noutra língua. Mas ela não sabia bem como lidar com isso. Ainda ontem uma amiga lhe tinha dito que era original fazer compras de supermercado juntas, quando na verdade o hábito de "antes" não era de todo o de fazê-las sozinha, e sim com um carrinho de hipermercado que levava sempre com guloseimas em cima às escondidas da Mãe.

Ao acordar quis saber para onde devia ir, e apesar da excelente sensação de poder simplesmente ficar, dar uma volta ou aparecer, sentia-se presa a qualquer coisa. Estava com vontade de agradar, sem por isso deixar de fazer as pequenas loucuras que os últimos tempos lhe proporcionaram. E de repente, contra todas as expectativas, parecia que já não sabia gerir-"se".

Tem sido assim. Ultimamente, ao acordar, sente-se a mesma de... antes.

30 março, 2007

Cheiro a Setembro



Desde que regressou que tudo tem um toque diferente e simultaneamente familiar. Desta vez não partiu sozinha nem a falar inglês, mas já com uma amiga e conversando em alemão. Tão-pouco foi visita à chegada, porque antes de partir de férias para a sua própria Heimatland deixou as suas coisas na nova casa, aquela onde irá passar os 4 meses que fizeram parte daquela difícil decisão de prolongamento.

Também deixou de confirmar sempre se tinha o Semesterticket na carteira, porque agora é mais a bicicleta que a leva onde quer. Ainda hoje comprou um cestinho novo para trazer as compras, agora que o sol já não obriga a que tudo esteja protegido da chuva e da neve.

As compras deixaram de ter o toque da novidade; já não traz o dicionário na mala porque habituou-se aos palavrões que tanto procurava decifrar. Wasser sempre ohne Kohlensäure, que água com gás não é água; ou as Mandarinen que não são tão doces como as Clementinen e cabem sempre na mala para matar a fome-de-bolas-de-berlim. O saco dentro da mala já não esquece, e já enfia tudo lá para dentro com uma eficácia muito mais alemã do que no início. Também já não precisa de procurar o visor que mostra o preço, porque os dois-e-trinta-euros-e-cinco-e-quarenta-centimos-bitte em vez de trinta-e-dois-euros-e-quarenta-e-cinco-centimos-bitte já começaram a entranhar. Se há dúvidas desta vez já sabe perguntar, em vez de arriscar comprar um produto que ajuda a engomar em vez do tira-nódoas que procurava.

Mas sobretudo o caminhar - ou o pedalar - pelas ruas de Leipzig deixou de ser tão explorador para dar lugar às rotinas. Se escolhe o Strassenbahn já aproveita o silêncio do povo alemão para ler um livro - que a língua portuguesa dá muita Saudade. E agora já vai tocar à campainha de alguém se não tem nada de urgente para fazer, porque os Termine às tantas horas no Sprechzeit da Frau-qualquer-coisa já não são tão importantes ou regularmente necessários.

Das palavras essenciais passa agora a ter interesse pela Umgangssprache e põe a Franziska a rir-se quando, para o "é indiferente", lhe sai a expressão "es ist mir Wurst" (que traduzida à letra significa "é-me salsicha").

Rotinas tão alteradas, tão entranhadas e novamente tão saboreadas por aquilo que têm de diferente - em relação a tudo o que em duas décadas de vida foi habituada a experienciar. Repara-o agora. Porque agora volta o Sol a brilhar, exactamente como no dia seguinte à noite tremida em que chegou, da qual parece que só tem flashes de memória, nesse dia em que andou de canoa no rio sem se aperceber que aquele sol era uma raridade e que as pessoas usavam excepcionalmente óculos escuros ao passear com a família no parque. Agora os cheiros voltam a ser mais perceptíveis, porque o calor ameaça. Aqueles rasgos de gás que a todos intrigam, entram agora por aquelas narinas que há 6 meses achavam tudo tão... fremd, tão estrangeiro.

Caminha pela Peterstrasse, já não procura uma esfregona (esse instrumento doméstico tão essencial que os alemães substituem por qualquer outra coisa) e sim um presente de aniversário - para os amigos de Portugal, para os amigos Erasmus, para a Franziska que vive com ela, para os seus Tandems, enfim. E no fim passa no supermercado mais próximo, apanha um Apfelsaft e vai bebendo no caminho - que agora já vai conseguindo conduzir a bicicleta só com uma mão. Quando chegar a casa logo pensa no que lhe apetece jantar hoje e espera que os "Freunde" se "meldem" para ver o que se faz hoje à noite.

E em breve, a areia chegará também a casa, regressará o medo do fim do verão e com ele o medo de um Setembro que novamente se adivinha uma incógnita.

23 março, 2007

Assustadoramente mais que dois meros “mitras”


Nem era fim-de-semana, mas à quinta-feira à noite há movimento nas ruas, apesar da paranóia “Arbeit”. Entrei no eléctrico 7 – uma linha ainda desconhecida mas que me passará a ser familiar – e sentei-me.

Percebi então que o cenário era mesmo de fim-de-semana. O silêncio e as caras carrancudas foram substituídos por rádios portáteis e garrafas de cerveja na mão. Dois rapazes de boné sentavam-se pouco à minha frente e falavam alto. Gritaram “Brost!” para um outro grupo que mais à frente se sentava também com cervejas. Ninguém respondeu e na paragem seguinte o grupo saiu.

Poucos instantes depois, um dos rapazes levantou-se e dirigiu-se ao fim da carruagem, passando por mim, para ir falar com um casal que estava sentado. Estando de costas, só consegui ouvir, não ver. Percebi que o rapaz falava sozinho e os dois, numa atitude universal de não responder a acusações em transportes públicos, ficaram calados. Logo de seguida o outro rapaz de boné levanta-se para ir buscar o amigo de volta para o banco, irritado: “Komm mal hier, Mensch!”…

O instinto foi o de pensar “não precisas ter medo, tu sabes bem que os alemães não se metem com as pessoas assim, e mesmo este bêbedo rapidamente deixou o casal em paz”. Desviei o olhar para a janela a fingir descontracção e tentei perceber o texto do heavy metal que eles ouviam. Em vão, só consegui perceber a palavra “Deutschland”. Mas de repente fez-se luz e tudo ficou assustadoramente claro. Um dos rapazes não fez mais do que gritar “Rechtsvolk!” (povo de direita) e esticar o braço direito para cima. Só então olhei com atenção e reparei que por debaixo dos bonés as cabeças dos dois estavam rapadas.

Estremeci, empalideci, o estômago veio-me à boca. Estava sozinha na carruagem com dois neonazis.

Felizmente não faltou muito até entrarem mais pessoas. Desta vez mais atenta, tentei ver as reacções aos dois rapazes que continuavam a falar alto, a beber e a arrotar e pareceu-me estranhamente que todos sabiam do que se tratava. Ou estão habituados e não há razão para ter medo, ou a famosa frieza deste povo esconde o medo de manifestar emoções.

Ainda assim o ritmo cardíaco continuava acelerado demais para eu relaxar como a senhora ao meu lado, que descascava uma tangerina. A minha paragem nunca mais chegava e o silêncio da noite tornava tudo ainda mais pesado. Imaginei como seria se aqueles dois monstros me abordassem. Em Portugal costumo pensar que se fingir que não falo português, desistem. Mas ali, certamente não seria boa ideia escolher outra língua que não o alemão – e mesmo assim eles perceberiam de imediato que eu era estrangeira. Enfim, melhor seria não imaginar. Eles continuavam a destabilizar, rebentando bombas de mau cheiro dentro da carruagem, atirando pequena pirotecnia pela janela assustando os poucos que pela rua passavam… e lançando gargalhadas a seguir. Tal como nos filmes.

Gerichtsweg. Ainda faltava uma paragem para minha casa mas decidi sair e fazer o resto do caminho a pé. Esperei que as portas estivessem quase a fechar para sair de repente, não fosse apetecer-lhes virem atrás de mim. E saí também pela porta que ficava atrás, não a que ficava à frente, bem perto deles.

Erro meu. Tive de passar, por fora, por essa porta. E antes que tivesse medo da proximidade, dei um salto repentino com outra coisa qualquer que eles tinham voltado a atirar para a rua e que explodiu um metro ao meu lado. Quis insultá-los, mas o pânico calou-me e nem levantei os olhos do chão.

Finalmente o eléctrico seguiu e eu corri para casa. Pela primeira vez tive medo de andar por aqui.

20 março, 2007

Irgendwie, hoje


O dia em que, com grande coragem, pediu uma Bratwurst num quiosque da Henriettenplatz e, ao responder “ja” a uma pergunta que não entendeu direito, ouviu presumíveis menções a sua parca inteligência, seguidas de risadinhas e risadonas dos outros clientes do estabelecimento.

O dia em que, não conhecendo (e não a tendo achado no dicionariozinho) a palavra para designar “sacola”, limitou-se a apontá-la para a caixa do supermercado, a qual ficou imensamente transtornada e começou a discursar… - das ist kein dah-dah-dah-dah! Das ist kein buh-buh-buh-buh! Das iste eine Tüte! Das ist eine Tüüüüte, ja?

Sim, tudo isso é muito natural, não será isso que o desencorajará, um dia ele finalmente aprenderá a diferença entre welches, welche e welchem, um dia saberá pôr um verbo aqui e outro a duas milhas de distância, para isso vem estudando com afinco.

No Brasil, muitas vezes me queixo de que as pessoas falam alto demais,, se olham, se pegam, esfregam, abraçam e beijam demais. Já aqui, sinto uma espécie de privação sensorial. Penso em Montaigne que, se não me engano, escreveu que o casamento é como uma gaiola: o passarinho que está dentro quer sair, o que está fora quer entrar. Acho que isso pode estender-se a tudo na vida, porque hoje, particularmente, eu gostaria de ter voltado para casa com a sensação de que alguém na rua me viu, e fiquei com saudades de casa.

João Ubaldo Ribeiro, Um Brasileiro em Berlim


06 março, 2007

Pendulando


Não sabe exactamente se veio ou se simplesmente chegou. Está de passagem, é como uma turista que não pára de movimentar a cabeça à procura de todos os pormenores. Reflecte mais agora, sem dúvida.

Acorda no seu quarto novo, casa de sempre, os olhos semicerram-se com a demasiada luz que vem de fora. Mesmo com estores e cortinas. Um azul que ilumina a faz sorrir, para o qual poucos olham. É, sem dúvida que agora reflecte mais sobre essas coisas.

A pele está tão branquinha que nem lhe apetece usar óculos de sol. Os raios da Primavera que se anuncia batem devagarinho nas faces que ela tem esperança de ver ficar rosadinhas, como acontece com os loiros de dois metros lá do norte.

Sente-se longe desse “lá” mas em parte ainda lá está.

Eles, coitadinhos, têm pena de não saborear este “em casa” como nós. Estar em casa significa render, trabalhar, para nas férias apanhar o avião para um Portugal-destino-de-sonho. Dizem que sorrimos muito, não somos sérios e carrancudos como eles. Ela, no entanto, acha que muitos deles são mais interessantes do que muitos dos que vê por cá. Só depois de regressar reparou.

Num café, esperou 10 minutos até que uma senhora viesse em passos lentos perguntar-lhe “o que é que quer”. Nem sabe se ela chegou a dizer isso, porque antes disso desistiu e dirigiu-se a outro café. Esperou outros 10 minutos, tentando ser mais paciente, foi atendida mas claro que lhe perguntaram se arranjava os 2 cêntimos. Noutra proporção, é o lema deste país de “faça-me um jeitinho”. Não é como “lá”, não, em que a grupos de 50 pessoas fazem a conta separada para cada uma individualmente, com troco certo.

Lá, como chegou a comentar antes, o estudo leva-se a sério e as pausas para o café são curtas e rentáveis. Pois cá, mal se sentou num café, viu dois jovens sentados a conversar alegremente na companhia de livros de Literatura Contemporânea, ao lado de canetas às cores, do último Nokia, de um Marlboro e de óculos Vogue (a Vogue ainda está na moda?).

Exacto, ela já não se lembrava que era assim.

Também não se lembrava que não é possível ser peão em Lisboa. Encharcou-se nas poças do caminho, desviou-se dos carros estacionados em segunda e terceira fila, em cima do passeio, sem ordem nem hora de regresso.

As buzinas nem são o que mais a incomoda. O que realmente incomoda é o zumbido nos transportes públicos, diga-se, as vozes zangadas e críticas de todas as bocas em seu redor. Sentiu saudades dos alemães caladinhos nos transportes, cuja vida pessoal não precisa de conhecer através das conversas aos telemóveis. (Também recordou a importância extrema do telemóvel neste país cheio de dinheiro para os topos de gama de todas as gamas.) Talvez seja porque lá eles não têm do que se queixar. Um jovem que vive os seus primeiros 27 anos de vida a receber 150 € mensais do Estado simplesmente pelo facto de ser jovem, que paga 50 € semestrais de passe de transporte, que não se desdobra nas despesas de sobrevivência, um jovem que tem café, capuccino, chocolate quente e bolos totalmente de graça só para fazer o favor de se sentar a ler um livro numa livraria – um jovem assim não tem razões para se queixar.

Nem em todo o lado assim, é verdade, há pequenas crises em qualquer país, nós temos sol e eles não. Mas quando ela chega “a casa” e sente este arrastamento de quem só quer uns trocos ao fim do mês ou ambiciona ser despedido para receber um subsídio de desemprego ainda mais em conta; quando ela chega “a casa” e volta a ver a discrepância entre as mãos estendidas no Chiado e os óculos da moda mesmo ao lado; quando ela chega “a casa” em desespero para procurar a cunha que a deixe estagiar de graça num qualquer meio de comunicação podre…

…quando ela chega “a casa” tem vontade de voltar para aquela cidade fofinha e pequenina de onde veio, cinzenta mas com uma chuva menos chata, caladinha mas sem queixas, histérica apenas aos fins-de-semana mas com força de vontade de segunda a sexta…
…é assim mesmo que ela se sente, uma confusão na cabeça, uma perna em Lisboa e outra na Alemanha Oriental, fria, com frio, fachadas lisas, silêncio, ordem, reciclagem.

Está contente por saber que ainda volta, por saber que mais portas serão abertas lá do que cá, por saber que faz parte dos portugueses que querem trabalho e não emprego, que querem produzir e não cumprir horários. Está contente por ter percebido tudo isto em tão pouco tempo, o mesmo tempo em que tudo cá ficou na mesma, as mesmas OPAs, os mesmos sacos azuis, apitos dourados, os mesmos arguidos, as mesmas parasitas a preencher folhas de revistas 90% fotos 10% texto, as mesmas cunhas e os mesmos aumentos dos transportes públicos.

Está contente mas profundamente triste por não poder ficar cá. Cá, numa das cidades mais lindas que já viu, a cidade onde orgulhosamente vive desde que nasceu, a cidade da luz, da calçada portuguesa, das ruas estreitas, das colinas, dos eléctricos, dos estendais, a cidade do Tejo e do Fado.

Sei que vou torturar-me de saudades tuas. Mas desde já me desculpo, Lisboa, por saber que vou ter de viver muito tempo afastada de ti.


17 fevereiro, 2007

Weiß ich nicht...




Preto no branco?
Branco no azul?
Branco no cinzento?
Castanho no branco?
Ir? Voltar? Ver ir e esperar por partir?
Pinheiro meu, diz-me quem está mais confuso do que eu...



(Ou porque estamos todos - todos esses neste estatuto - a sentir uma coisa parecida. E, apesar de tudo, eu volto...)

07 fevereiro, 2007

19 Dias

Não estou a aguentar.

Agora sim, Saudade




27 janeiro, 2007

Um frio delicioso



Como se o frio não atacasse os músculos da cara, já a chorar do vento contra os olhos, a verdade é que sorrio, sozinha no meio da rua, caminhando para casa. Rondam os dez graus negativos mas não quero apanhar o Straβenbahn, quero pisar a almofada branquinha de neve sob os meus pés, esses onde fixo o olhar, de cabeça agachada para impedir que os floquinhos me acertem nos olhos. Mas qual criança que tenta ir contra as recomendações, não resisto a levantar o olhar para ver os casacos salpicados de pintas brancas, as pegadas anónimas marcadas no chão branco, as bicicletas a deslizar sob condutores corajosos – cujos olhos não se vêem –, o sentido protector das já familiares Neues Rathaus e MDR, como que controlando o que se passa lá em baixo.

De repente o espaço parece fechar-se e uma espécie de estúdio de som apodera-se das ruas. Nem o uivar do vento, forte, cortantemente forte, tem a força de antes. De ouvir o vento passo a vê-lo, no reboliço que provoca na neve do chão, feita remoinho a esvoaçar para o incerto. Os sons são abafados. Os carros são silenciosos e parece até que as pessoas ficam fisicamente mais próximas.

Vejo tudo com absorvência, sorrio, fotografo, tenho vontade de telefonar a alguém só para dizer que estou encantada ou que quero companhia para fazer um boneco de neve. Mas na realidade estou apenas a ver; a capacidade de descrever com exactidão parece ter de facto congelado. Não consigo abstrair-me porém da ideia de que não fugi à minha rotina, não procurei aquele cenário, ele é que se cruzou comigo num mero dia de aulas.

A cidade tornou-se outra. Para os nórdicos, tristes com a chegada efectiva do Inverno, o manto branco é um incómodo. Para mim – de “pele castanha”, como eles dizem – o Inverno ganhou outro encanto. Teria sido já suficientemente saboroso passar mais uma tarde naquela wunderschöne Bibliothek, onde não há lugar para todos os estudantes que se encontram para estudar e fazer pausas para um café – e não os que se “encontram no café e aproveitam para estudar um pouco”. Já é – desde há muito – suficientemente saboroso estar ali sentada e não ver ninguém à minha volta que fale a minha língua, nem tão-pouco os senhores que me deram os textos que vou para ali ler. Já é suficientemente gratificante, enquanto estudante, falar com orgulho deste livro, daquela pesquisa, daquele trabalho, sem sequer pensar na hipótese de nos sentarmos numa mesa onde um aviso indica que “aqui não é permitido estudar”.

Teria sido tudo tão suficientemente alucinante só por perceber que estou num espaço deliciosamente não-familiar. E ainda pude desfrutar da sensação, quente, de desviar o olhar para a janela e ver a neve cair com força. Só aí esqueci os deveres de estudante, voltei a ser criança, arrumei tudo e corri lá para fora, sorrindo sozinha por aqui estar.

Esse tal de Erasmus é tão mais do que um estatuto.

23 janeiro, 2007

Congela tudo, menos o tempo


Cachecol até aos olhos, mãos nos bolsos, saída do aeroporto, sozinha na carruagem de regresso, céu limpo e verde-relva lá fora, bem estendido. Mais uma despedida.
De regresso à rotina, à cantina, aos cadernos já cansados, amarrotados, cheios de conteúdos para decorar e traduzir.
Não sobra tempo para tudo, ou talvez não sobre tempo para nada do que Janeiro, im Allgemeinen, exige. O cheiro a despedida sente-se, cumprimentam-se as temperaturas negativas, anseia-se pela visita da neve.
Faz-se uma contagem decrescente, não para "o" dia, mas para vivências diárias. Aqui não escasseiam as oportunidades para saborear algo novo. Próprias de quem já sente saudades de muitas coisinhas. E entretanto planeiam-se novos passos, nova casa, novo semestre, novas férias, novas cidades.
Estimo a minha rotina. Afinal não interessa nada o vento cortante; cá dentro está sempre quentinho.
Lisboa, querida, está quase-quase.
Mas não tenho pressa nenhuma.

10 janeiro, 2007

Do pedido de prolongamento.




"Cara Débora,

(...)
Neste momento o seu processo está concluído".


Tanne bleibt ein ganzes Jahr.
A Tana fica um ano.

02 janeiro, 2007

Tentando balançar.

Estava tão quente que teve vontade de oferecer às pessoas que via passar do lado de lá do vidro, os queixos enfiados nas golas, o olhar preso ao chão, molhado pela chuva fria. Saboreava-o entre as mãos, deliciada, sem se lembrar de quando passou a preferir aquele café-chá em relação ao café-creme-e-curto.

Depressa percebeu que não é preciso encontrar razões para tudo. Sabia-se ali, uma pessoa apenas no meio de milhares delas, num café no centro de uma metrópole da Europa Central. Há muito tempo que não ouvia a sua língua em redor. Entretinha-se a tentar decifrar a nacionalidade dos que com ela se cruzavam.

Pousou a chávena e voltou a pegar na caneta. Tem nela gravado o mesmo nome da Universidade que escreveu no dia das candidaturas. Nessa altura nunca se teria imaginado ali, no último dia desse mesmo ano, naquele ponto tão longínquo de tudo o que receou deixar.

Virou a página do caderno – por orgulho de ter ultrapassado essa fase ou por medo de relembrar essa época, não sabe ao certo. Mas também tinha aprendido a desligar-se das reflexões em rede, essas que vão dar aleatoriamente a apenas uma de várias conclusões possíveis. Precisava de férias do passado. Agora só lhe apetecia apanhar aviões para o futuro, esse futuro que já vivia ali sem saber, depois de, caneta pendulando entre os dedos, o ter imaginado nos cafés tradicionais daquele país que tanto criticava - e cuja luz hoje lhe trazia lágrimas de saudade frequentes. Então aproximou a caneta da folha, lembrou-se da mágica festa que teria lugar nessa noite em Times Square e, imaginando, escreveu: “Nova Iorque”.

Lá fora os gorros e cachecóis, sob as iluminações de Natal nos postes e nas árvores nuas da cidade, transportavam-na mentalmente para a Big Apple, ou groβer Apfel – não sabia agora qual o nome indicado. Sentia-se uma gotícula no meio de uma série de ruas perpendiculares – e sorriu. Talvez a cidade que nunca dorme tivesse adoptado uma filha chamada Berlin.

Já não tinha a mesma perícia para preparar o futuro e criar expectativas. Aos poucos via-se a pensar apenas em cada dia, sem por isso esquecer tudo o que ficou para trás que a trouxe até ali. Àquele café.

Sabia que não tinham sido tempos fáceis. Ao listar mentalmente tudo o que a tinha preocupado nesse ano, sacudiu a cabeça e voltou a concentrar-se no sabor do café. Ainda não conseguia recordar tudo aquilo, esquecer, acreditar sequer. Tinha simplesmente continuado, com a certeza de que tudo tinha dependido dela. Estava cada vez mais convicta de que só se apercebeu de qualquer coisa – mas nunca tudo – quando aterrou naquela noite, naquele aeroporto loiro, alcatifado, mudo e totalmente baço.

Fechou o caderno. Desta vez não queria relembrar nem planear. Engoliu o último resto de café, levantou-se, vestiu o casaco, enrolou o cachecol ao pescoço, calçou as luvas e saiu para a rua. Depois de tentar identificar as ruas para saber que percurso tomaria para a chegada do novo ano, enfiou o chapéu na cabeça, aconchegou o queixo no cachecol e, olhos postos no chão, seguiu em frente.