15 maio, 2008

Jornalista por umas horas

DW e Reno, 04:30 am

A rotina alterou-se por três dias, agora cinco, em breve sete, qual banho de brilho sobre um mês repetitivo. Como tenho sempre dito, não se trata de não gostar; estou proibida de me queixar se faço algo que preciso, se tenho bons colegas e trabalho com 70 pessoas da minha idade, onde a minha língua não se fala apesar de eu ter um teclado português. É apenas diferente. Ler as notícias "da terra" e do mundo faço-o às escondidas, porque já não faz parte deste trabalho. Por umas horas pude matar saudades daquele jornalismo que já me assolou com tantas dúvidas. Acordar às 2:30 da manhã não faz mal nenhum. Aliás, saltei da cama. Não sabia bem se devia jantar ou tomar o pequeno-almoço, mas a ansiedade também me roubou a fome. Toca a despachar.

Lá fora a noite é de Verão, apesar de cerrada. O casaco de ganga chega. Destranco os cadeados da debicleta, a minha nova amiga. Ponho a mala no cesto, o gesto é igual ao de Leipzig, com a diferença de que lá os percursos não eram para o trabalho.
Vou pedalando pela Weberstrasse, ninguém na rua. Viro para a Adenauerallee, a grande alameda paralela ao Reno que já me é tão empática. Na minha direcção encontro um rapaz que caminha aos esses, de tão alegre que parece estar. Por momentos lembro-me que se tivesse optado pela carreira nocturna, seria provavelmente a única pessoa sóbria no autocarro. Ao fim-de-semana os alemães não perdoam.

Continuo a pedalar, desta vez encontro um mendigo a dormir num saco-cama sobre a relva. Aqui os mendigos são poucos, mas nunca vi ninguém dar esmola a nenhum. Um dia ganhei coragem e disse a um alemão "não entendo, nós somos mais pobres mas ajudamos muito mais". Recebi uma resposta óbvia: "eu pago boa parte do meu salário para a Segurança Social dessa gente, que só está na rua porque quer". É verdade: há famílias inteiras a viver do apoio do Estado aqui, sem precisarem de mexer uma mão para trabalhar.
Sigo caminho.
Finalmente viro à esquerda para a rua cheia de árvores, o cheiro a internacional já paira no ar. Em frente, o edifício das Nações Unidas bombardeado de câmaras de vigilância. À direita, a Deutsche Welle. Minha querida DW (graças a ti, Julia, não me esqueço! Danke!!!).

A paixão pelo jornalismo parece tão evidente naquele momento que, quando associada àqueles ataques de orgulho que este país longínquo tanto me dá, fico completamente arrepiada. Com os phones nos ouvidos e milhares de estrelas no céu limpo lá de cima, deixo a bicicleta escorregar para debaixo do edifício até chegar ao parque de estacionamento... de bicicletas. Tranco a minha e despeço-me por umas horas.

Para chamar o elevador é necessário o cartão da casa. Já tenho um: diz o meu nome, tem a minha fotografia, com a designação de "freie Mitarbeiter" e um prazo de validade até Maio de 2009. Entro na gigante e labiríntica Deutsche Welle, o caminho para a redacção portuguesa é automático, mas agora algo é diferente. É noite, não vejo o Reno com nitidez, apesar de tão perto. As luzes iluminam o parque que separa o edifício da água, qual paraíso.

Estou de facto sozinha na redacção, sou responsável pela emissão da manhã desse dia.
Fico na sala dos colegas Machava e Martins, muito sui generis. Na mesa do Martins, a frase emoldurada que tão bem espelha a personagem jornalística: "Dr. Martins, tarefas impossíveis executam-se imediatamente. Milagres levam um pouco mais de tempo."

Abro as janelas, acendo a televisão na CNN, abro a Lusa e as agências de notícias alemãs, inglesas, francesas, espanholas. Sugo notícias que chegam frescas a cada instante, ouvindo simultaneamente as emissões dos últimos dias para estudar os temas que a semana não me deixa apanhar com decência.

Aos poucos formaliza-se o meu texto com as minhas notícias. "BREAKING NEWS: Quake shakes Taiwan" assusta-me, repenso a ordem do que já escrevi, leio para me fazer companhia e para aquecer a voz de madrugada. Lá fora, sem dar conta, o dia nasceu. Ainda não são 5 da manhã.

Dez minutos antes da emissão das 07:30 sigo para o estúdio, no outro lado do edifício labiríntico. Está lá um técnico que não entende a minha língua, por isso eu tenho de entender a dele para qualquer imprevisto. O estúdio é grande, tem um relógio imponente, muitos botões e ecrãs. Sento-me em frente ao microfone, ao lado a Internet para qualquer outra Breaking News em directo (felizmente ainda não fui apanhada de surpresa), ao fundo o vidro que me separa do técnico e no centro da sala uma antena com uma luz vermelha pronta a acender. O coração bate mais depressa, bebo uns goles de água meia a tremer. 07:29:56, 07:29:57, 07:29:58, 07:29:59... e no instante em que bate as 07:30:00, bate o jingle "Deutsche Welle... noticiário". A luz vermelha acende-se. A minha luz vermelha.

"Bom dia..."

O resto vai saindo, fico absorta entre o microfone e o papel. Não me recordo de nada e luto contra uma voz trémula que ao fim de 5 dias já está bem mais habituada.
Quando consegui controlar a voz, sobrou-me espaço para saborear a sensação: estou, de facto, "em directo dos estúdios de Bonn, Alemanha", para rádios espalhadas pelo mundo fora, seja lá quem esteja a ouvir, do Brasil até Timor-Leste...

Aceno ao técnico para lançar os spots ou as peças seguintes, já que ele não entende que eu disse que o noticiário terminou. A minha meia-hora chega ao fim, levanto-me, passo pelo técnico, "Schönes Wochenende, tschüss". Como sempre, no jornalismo, muito trabalho para um produto que se consome tão depressa.

O trabalho regressa à redacção para pôr o programa online com as devidas legendas. Meros 20 minutos. Aí o sol já vai alto... Sigo com sono até à bicicleta, destranco os cadeados e pedalo automaticamente o caminho de regresso, sonhando com a minha cama. Quando chego, restam-me ainda umas energias para comer uns cereais no terraço ao sol. E aí sim, salto para a almofada com sensação de dever cumprido. Mas há que dormir depressa, que fim-de-semana só vem de cinco em cinco dias e é para ser aproveitado.

14 maio, 2008

Globalização individualizada

Shannon é uma jovem muito querida, norte-americana de Wiscounsin, que trabalha aqui para a TravelTrex há dois anos. A cada dois fins-de-semana vai visitar o namorado inglês a Londres. Conheceram-se no Mundial 2006 aqui na Alemanha e namoram desde então. Na semana passada contou-nos que vai casar no fim deste mês. Vão encontrar-se na Dinamarca, país europeu que mais facilita os aspectos burocráticos para dar o nó entre estrangeiros e que disponibiliza de imediato todos os papéis em inglês. A família, que descobriu o segredo apenas há uns dias, virá de Inglaterra e da América. Dia 1 de Agosto, o novo casal muda-se para os Estados Unidos.