30 novembro, 2008

Depois de ir para o ar


Os músculos relaxam,
a garrafa de água está quase vazia,
desejo continuação de bom dia ao técnico,
só depois reparo que ainda seria "boa noite".
São 07:07 da manhã, Domingo na redacção portuguesa da Deutsche Welle,
essa "voz da Alemanha" que eu levei ao ar com um sorriso de sono.
Chove miudinho,
ou diria chuva-molha-parvinhos lá fora,
um ploc-ploc que dissipa as dúvidas: por enquanto não neva.
Tiro da máquina o meu leite com chocolate de sempre,
atravesso a parte ao ar livre do edifício,
arrepio-me da cabeça aos pés,
molho os óculos com a humidade e tento caminhar depressa.
Corro para o quentinho da redacção e vejo www.wetter.de,
para então entender:
Três negativos.

Ou positivos, consoante a perspectiva.

29 novembro, 2008

Winter

O Inverno tem esse sabor de gelo na boca, que arde nas gengivas, esse vento cortante que faz os olhos chorar. Mulheres elegantes, altas e loiras, enfiam gorros na cabeça, pompons nas orelhas, cachecóis bem aconchegados ao regaço. Vê-se que conhecem bem o frio do Norte.
Nos mesmos dias em que chove essa alegria de poder desfrutar de um Inverno onde ele pertence, com os capuccinos em copos descartáveis que levamos para aquecer a curta espera do tram, nesses mesmos dias corta-me o vento com saudade: das várias camisolas vestidas dentro de casa, pantufas bem quentes, cheiro a lenha queimada na lareira... alentejana.

Saudade que se esquece - ou que se adia;
patins nos pés a deslizar sobre uma pista de gelo, "algures na Europa central". Dêem-me a mão, façam-me rir, gritar, estatelar-me no chão, com pequenos flocos a saltar do pavimento para o gorro e a ponta do nariz. Tirar fotografias para revê-las em filmes românticos de Natal. Quero esticar a mão para ser levantada e abraçada. Sentir os músculos da cara bloqueados pelo frio, um beijinho na ponta do nariz para recuperar a sensibilidade.
Quero patinar em frente à árvore de Natal de Rockefeller ou no Central Park, da minha cidade.

Um frio que gela, quando tão bem poderia aquecer.


28 novembro, 2008

Weihnachtsmarkt in Bonn

Ele é muito bonito, este mercado de Natal. Como todos os que enfeitam a Alemanha ao longo do Advento.



Mas cheira a Leipzig...

20 outubro, 2008

Um dia na capital económica, em tempos de crise




Münsterplatz, fim de dia de Outono com sol


Na esplanada que me acolhe em momentos de introspecção, bebo o meu sumo de cereja-banana (KiBa) e recordo esse domingo.

Resolvi ir até Frankfurt. Ou melhor, no que diz respeito ao "ir", fui com quatro pessoas que não conhecia. Já aqui escrevi que me tornei fã do site www.mitfahrgelegenheit.de. Do site e da mentalidade. Indicar local de partida, destino e data. Surgem os contactos dos condutores dos carros, com horas e indicações. Desta vez no entanto, para o horário que eu queria, surgiu-me um contacto de uma senhora que comprou um Wochenendeticket. Um WE-Ticket é um bilhete de comboio de fim-de-semana, que custa cerca de 30 € e com ele podem viajar até 5 pessoas pela Alemanha fora, dentro desse fim-de-semana. Para a dimensão de Portugal seria (ainda mais) paradisíaco, mas a Alemanha é grande; não dá para ver tudo num fim-de-semana à velocidade dos comboios regionais.



Liguei à senhora, perguntei se havia lugar para mim e anotei mentalmente: "sou pequenina, magrinha e tenho um grande nariz". Anotei o sorriso telefónico também.

Lá fui para Colónia às 10 da manhã. Bona foi a capital, mas a verdade é que tudo se concentra em Köln. Não me importo com isso, mas senti-me burra porque acabámos por passar por Bonn na mesma. Nada há-de solucionar o meu inexistente sentido de orientação.

Estava à hora certa em Köln Hauptbahnhof, na linha 9 B-D. Mas não via a senhora pequenina e magrinha. Vi um rapaz muito estilo beto clássico, cabelo loiro puxado para trás com brilhantina, camisa e sapatos a brilhar também. Parecia desorientado. Tirei a música do ouvido para ouvir o que dizia ao telefone: "Já aqui estou na linha 9, mas não a vejo...".

Ah, bom! É dos meus, então. Segui-o e encontrei o grupo dos cinco. Cada um com o seu "coffee to go" na mão, um frio de gelar o nariz e as pontas dos dedos e assim entrámos no comboio. Fizemos logo as contas para evitar chatices (que a Alemanha é um país civilizado, mas aldrabões há em todo o lado). Paguei 7 €, ao contrário dos 40 € que o comboio "convencional" (embora mais rápido) pedia.

Portanto lá estava o beto clássico, estudante de economia (sentia-se-lhe o crash nos olhos!), a senhora magrinha e pequenina que ia visitar a filha a Bayreuth (que eu não faço ideia onde fica) e mais duas raparigas: uma com ar de russa, cabelo no ar, livro em inglês, telefonemas numa língua claramente de leste; e uma outra, loirinha, relaxada e sorridente, que tinha um aparelho para endireitar a perna.

Conversámos o essencial no início. O alemão não faz "small-talk" por fazer. Não há cá conversas sobre o tempo, até porque ele raramente muda. Então, pouco depois, três liam, outra ouvia música e aqui o piolho... dormia.

Mudámos de comboio em Koblenz. Aí já me senti a viajar. Não conhecia o estado, as paisagens. E até as carruagens eram diferentes. De maneira que aí deu para cada um de nós ficar à larga num conjunto de quatro cadeiras. Menos eu, que preferi ficar com a loirinha do aparelho na perna. Parecia muito simpática. O discurso foi o mesmo de sempre:

Sobre mim: "E és de onde mesmo, em Portugal?", "Só cá estás há dois anos e já falas alemão?", "Gostas da Alemanha?" (como se não fosse suposto) - e a parte que eu mais gosto: "Na Deutsche Welle? Nada mau."

Sobre ela, também o discurso típico da alemã-não-alemã: viveu uns meses na Nova Zelândia, foi visitar uma amiga a Colónia, agora ia visitar uma outra a Frankfurt e depois voltava para a sua formação de fisioterapia. Mais tarde? "Nova Iorque, para já. Quero conhecer o mundo."

Acabámos por adormecer as duas com o silêncio das carruagens alemãs sobre os carris. A pouco mais de meia hora de Frankfurt, achei que já chegava de dormir. Até que de repente entra um senhor na carruagem e senta-se ao pé da senhora magrinha e pequenina. Tinha daqueles carrinhos que muitas pessoas mais velhas usam por aqui, cheio de papéis. Não percebi de imediato se era um mendigo ou uma pessoa vulgar, tinha barriga e barba grandes. Logo confirmei que era meio formado, meio maluco (para os padrões alemães, entenda-se), quando se virou de repente para a senhora pequenina e magrinha e perguntou, do nada:

- Desculpe, posso fazer-lhe uma pergunta? O que pensa desta crise financeira?

Aqui o piolho, a russa e a típica alemã-não-alemã ficámos logo com pena da senhora pequenina e magrinha, que percebemos ter ficado atrapalhada. "Não penso nada, porque não percebo".

Resposta errada. O senhor estava a escrever um livro sobre o assunto e via-se que estava muito irritado por a crise (que ele já teria previsto) ter rebentado antes de o livro ser publicado. A partir daí, assistimos a um seminário de crise financeira até Frankfurt, com críticas severas ao governo alemão. Lá pensava o piolho: critique, meu senhor, até conhecer quem governa aquele país para onde você gosta de ir no Verão. É que se o seu país se afundar, não pense que pode ir para lá trabalhar.

Isto, repito, porque estou convicta que eu e a Frau Angela Merkel vamos salvar o mundo.



Chegámos a Frankfurt. A alemã-não-alemã tinha a amiga à espera na Hauptbahnhof, que por sua vez tinha bilhetes de metro de grupo e me levou à estação da Feira do Livro para eu não pagar. Prático, não? Segundo a teoria da minha Mãe, "quem é que não quer ajudar essa carinha redondinha?"

Quanto à Buchmesse em si, a tal "maior feira do livro do mundo", devo dizer que fiquei tonta com a dimensão. E recorde-se: por 12 Euros. Torres e mapas e postos de informação e pessoas - muitas pessoas. O país convidado era a Turquia, o que no fundo deu à feira uma imagem da Alemanha tal qual ela é: loiros e altos misturados (ou não) com peles mais escuras e véus islâmicos.



Como se na redacção não me sentisse já suficientemente "na terra", decidi ir ao pavilhão da literatura portuguesa. Numa das editoras do país da saudade reconheci a cara do proprietário, provavelmente de um dos stands da calorosa feira do livro de Lisboa, onde outrora distribuí panfletos até mais não poder, para juntar dinheiro para o meu Erasmus em Leipzig. Logo aí, achei irónica a situação.

Mas mais irónica foi a abordagem que fiz ao tal senhor. Depois de pegar num livro que seleccionava os melhores poemas de Fernando Pessoa, perguntei o preço, que o senhor teve de consultar. Logo se dirige à sua colega, bem portuguesa, e ri-se como quem esfrega as mãos, dizendo "já fiz um negócio". (Recorde-se que a Feira do Livro de Frankfurt começa a ser conhecida pelas presenças, muito mais do que pelas vendas). Resolvo perguntar se "está tudo a correr bem". A senhora apoia o queixo na mão, cotovelo sobre a mesa, e desabafa "Já estamos fartos disto, queremos ir para Lisboa".

Bom, preferi não comentar. Logo se aproximou uma senhora alemã, com um livro na mão, e perguntou em alemão "quanto custa?". O senhor olha para mim com um autêntico ar de sem-pachorra e pergunta-me, A MIM, "o que é que ela 'tá prali a dizer???".
Não quis acreditar, mas resolvi sorrir e responder à senhora, não fosse ela pensar que todos os portugueses são assim.

Ainda perguntei ao senhor se estavam a trabalhar em conjunto com as editoras brasileiras, que tinham os seus stands mesmo ali ao lado. Mas ele bem (mal) me respondeu que "não temos nada a ver com eles". Eu disse que achava estranho, porque a cobertura jornalística dava uma ideia de união entre as editoras. "Não, não..."

Quem vê uma pessoa assim e generaliza, pensa que o português está de mal com a vida.

Bom, o senhor lá põe o meu livro num saco e diz todo gabarolas "que até leva aqui uns presentes". Lápis, caneta, régua. Começa a ferir-me a susceptibilidade. Nem com óculos me levam a sério? Como uma adultinha - ou vá, uma adolescente grande?

E à sua última pergunta, sobre o que eu estava a fazer aqui na Alemanha, não resisti a tentar pela última vez:
- Eu trabalho cá como jornalista. E por isso lhe perguntei sobre a cobertura da feira, porque a Deutsche Welle esteve cá e provavelmente falou consigo.



Arregalou os olhos. Que bem que me soube vê-lo aflito.

- Sim, esteve cá um rapaz... - disse ele, já cheio de convicção.
- Pois foi, o meu colega Márcio.

Como, de repente, senti que falava sozinha perante a perplexidade dele (provavelmente por achar estranho um piolho português já trabalhar), desejei-lhe continuação de boa feira e fugi para os pavilhões de literatura... dos Países Baixos. Diga-se, dos lá de cima.



E a propósito: voltei para Bonn numa outra Mitfahrgelegenheit, desta vez de carro: um BMW a percorrer as estradas alemãs sem limite de velocidade. Ida por 3 horas e meia a 7 euros, volta por 1 hora e meia e 14 euros. Em tempos de crise, não me posso queixar. E foi um dia sui generis, para relembrar ao sabor de cerejas e banana.


24 setembro, 2008

"A Saudade não deixa o tempo passar".

Uma compra de valores


Já cheira a folhas caídas no chão. Os casacos e as botas saíram do armário. Os dias estão curtíssimos, para o Setembro que conhece. E ocorre-lhe: ainda não tinha passado um Setembro inteiro aqui.

Quanto mais tempo passa, maior se torna a relação com as raízes. E mais raízes começa a conseguir criar neste novo solo. Se pudesse, transportaria metade do que há aqui para lá, e metade de lá para aqui. As diferenças são assustadoramente grandes. E não passa tanto pela quantidade de precipitação, como todos rotulam. Mais pela História, pela forma como a educação se forma e pela relação que se tem, forçosa ou instintivamente, com as pessoas.

E por isso traria o sorriso do sul, mas a sinceridade do norte. Com a franqueza do norte, mas a delicadeza do sul.
Traria as mesas cheias, de casa, para os horários que aqui fazem render o tempo.
Traria as cores, as roupas, as malas no lugar das mochilas. Mas vestiria tudo isso com discrição e uma auto-confiança que aqui se encontra por dentro e não por fora.
Levaria a pontualidade, o rendimento, a organização extrema, a vontade de ser capaz e a importância do trabalho - para colocar tudo numa caixa de flexibilidade, bem lá no sul. Para poder dizer "não me apetece" sem ser etiquetada de preguiçosa.

Trá-los-ia todos, de lá para aqui, para verem como é simples viver e ser eficaz ao mesmo tempo. Mas também os levaria nem que fosse por uma hora lá para baixo, para reverem as suas prioridades.

Traria sem dúvida a espontaneidade, o momento vivido quando ele ocorre e não quando foi planeado.

Levaria a qualidade de vida e o reconhecimento. Sem dúvida, levaria o civismo e o respeito - pelas outras cores de pele, pelo trabalho dos outros, pelas idades inferiores, pelos recém-licenciados.

Traria a saudade, a nostalgia e a melancolia para junto deste enorme interesse por outras culturas, como lição de um país que sofreu na pele as consequências da discriminação.
Procuraria, algures, a solução para o balanço extremo em que aterrou e de onde não sabe sair, pois todos os dias se sente mais parte dos dois sítios e de nenhum.

E levaria a família sempre consigo. Com animais, almofada, ruídos, cheiros, refeições e banhos incluídos. Em qualquer estação do ano, para qualquer canto do mundo.


16 setembro, 2008

Há Dois Anos


o passarinho voou pela primeira vez cá para cima!


10 setembro, 2008

Pesa

Desperta com aquele som agudo e repentino, desliga e descansa mais uns minutos. Os passos são pesados, os olhos semi-abertos, ouve-se o ruído dos carros numa rua cinzenta a combinar com o céu. Mexe-se em piloto automático nestas viagens pendulares que, tão afortunada, experimentou tão tarde. Saudosa do seu lar no centro da sua cidade.
As pernas pesam, os ombros endurecem, as datas marcam-se para mais um compromisso. Desafios, ideias, pendências. Não sobra tempo para beber ou comer sem olhar para o relógio, pensar no que tem de ser feito. Pelo meio, no que se quer fazer.
São assim as cidades, o trabalho, tudo aquilo que não conhecia desta forma. As pernas pesam, o ar aperta, o tempo não resta, a voz não comunica. Anseia por liberdade.
Mas há força para encarar essa velocidade, essa agressividade. Porque se vive.
Ainda que com despertador, existe um acordar diário. E aí reside o valor da vida.

Portanto não faz mal.

28 agosto, 2008

Little brave girl

A notícia apanhou-nos de surpresa. Pela revolta do "porquê" com dezenas de pontos de interrogação. Por ser uma pessoa tão meiga e generosa, pela delicadeza da voz, pela postura frágil mas cheia de força. Uma força determinante.

Impensável estar indiferente. Estou longe, mas a lembraça acompanha-me diariamente.
Porque nestas alturas o senso comum da medicina não faz sentido. Quantas vezes esta doença cruel invadiu quem sempre fez tudo segundo as regras?

Perdão, invadiu não. Todos sabemos perfeitamente que isso ela não vai deixar. Pensemos então que as coisas acontecem por alguma razão. Ao aceitá-las e enfrentá-las, está grande parte do caminho percorrido. Mesmo que eu não seja ninguém para imaginar esse caminho.

Só queria entregar a minha solidariedade, em mais um momento que faz ver que é ingrato estar longe.

Usa a força interior de que falavas: há-de ser suficiente. Porque determinada e corajosa já todos vimos que és!

Tira isso daí com garras de leão. O resto é secundário :-)
Beijinhos muito grandes, aqui de perto.


24 agosto, 2008

Os comentários do vizinho



LISBOA, 21 sep (IPS) - Indicadores económicos y sociales periódicamente
divulgados por la Unión Europea (UE) colocan a Portugal en niveles de
pobreza e injusticia social inadmisibles para un país que integra desde 1986
el 'club de los ricos' del continente.
Pero el golpe de gracia lo dio la evaluación de la Organización para la
Cooperación y el Desarrollo Económicos (OCDE): en los próximos años Portugal
se distanciará aún más de los países avanzados.
La productividad más baja de la UE, la escasa innovación y vitalidad del
sector empresarial, educación y formación profesional deficientes, mal uso
de fondos públicos, con gastos excesivos y resultados magros son los datos
señalados por el informe anual sobre Portugal de la OCDE, que reúne a 30
países industriales.
A diferencia de España, Grecia e Irlanda (que hicieron también parte del
'grupo de los pobres' de la UE), Portugal no supo aprovechar para su
desarrollo los cuantiosos fondos comunitarios que fluyeron sin cesar desde
Bruselas durante casi dos décadas, coinciden analistas políticos y
económicos.
En 1986, Madrid y Lisboa ingresaron a la entonces Comunidad Económica
Europea con índices similares de desarrollo relativo, y sólo una década
atrás, Portugal ocupaba un lugar superior al de Grecia e Irlanda en el
ranking de la UE. Pero en 2001, fue cómodamente superado por esos dos
países, mientras España ya se ubica a poca distancia del promedio del
bloque.
(...)
'La fuerza laboral portuguesa cuenta con menos educación formal que los
trabajadores de otros países de la UE, inclusive los de los nuevos miembros
de Europa central y oriental', señala el documento.
Todos los análisis sobre las cifras invertidas coinciden en que el problema
central no está en los montos, sino en los métodos para distribuirlos.
Portugal gasta más que la gran mayoría de los países de la UE en
remuneración de empleados públicos respecto de su producto interno bruto,
pero no logra mejorar significativamente la calidad y eficiencia de los
servicios.
Con más profesores por cantidad de alumnos que la mayor parte de los
miembros de la OCDE, tampoco consigue dar una educación y formación
profesional competitivas con el resto de los países industrializados.
En los últimos 18 años, Portugal fue el país que recibió más beneficios por
habitante en asistencia comunitaria. Sin embargo, tras nueve años de
acercarse a los niveles de la UE, en 1995 comenzó a caer y las perspectivas
hoy indican mayor distancia.
Dónde fueron a parar los fondos comunitarios?, es la pregunta insistente en
debates televisados y en columnas de opinión de los principales periódicos
del país. La respuesta más frecuente es que el dinero engordó la billetera
de quienes ya tenían más.
Los números indican que Portugal es el país de la UE con mayor desigualdad
social y con los salarios mínimos y medios más bajos del bloque, al menos
hasta el 1 de mayo, cuando éste se amplió de 15 a 25 naciones.
También es el país del bloque en el que los administradores de empresas
públicas tienen los sueldos más altos.
El argumento más frecuente de los ejecutivos indica que 'el mercado decide
los salarios'. Consultado por IPS, el ex ministro de Obras Públicas
(1995-2002) y actual diputado socialista João Cravinho desmintió esta
teoría. 'Son los propios administradores quienes fijan sus salarios,
cargando las culpas al mercado', dijo.
En las empresas privadas con participación estatal o en las estatales con
accionistas minoritarios privados, 'los ejecutivos fijan sus sueldos
astronómicos (algunos llegan a los 90.000 dólares mensuales, incluyendo
bonos y regalías) con la complicidad de los accionistas de referencia',
explicó Cravinho.
Estos mismos grandes accionistas, 'son a la vez altos ejecutivos, y todo
este sistema, en el fondo, es en desmedro del pequeño accionista, que ve
como una gruesa tajada de los lucros va a parar a cuentas bancarias de los
directivos', lamentó el ex ministro.
La crisis económica que estancó el crecimiento portugués en los últimos dos
años 'está siendo pagada por las clases menos favorecidas', dijo.
Esta situación de desigualdad aflora cada día con los ejemplos más variados.
El último es el de la crisis del sector automotriz.
Los comerciantes se quejan de una caída de casi 20 por ciento en las ventas
de automóviles de baja cilindrada, con precios de entre 15.000 y 20.000
dólares.
Pero los representantes de marcas de lujo como Ferrari, Porsche,
Lamborghini, Maserati y Lotus (vehículos que valen más de 200.000 dólares),
lamentan no dar abasto a todos los pedidos, ante un aumento de 36 por ciento
en la demanda. Estudios sobre la tradicional industria textil lusa, que fue
una de las más modernas y de más calidad del mundo, demuestran su
estancamiento, pues sus empresarios no realizaron los necesarios ajustes
para actualizarla.
Pero la zona norte donde se concentra el sector textil, tiene más autos
Ferrari por metro cuadrado que Italia.
Un ejecutivo español de la informática, Javier Felipe, dijo a IPS que según
su experiencia con empresarios portugueses, éstos 'están más interesados en
la imagen que proyectan que en el resultado de su trabajo'.
Para muchos 'es más importante el automóvil que conducen, el tipo de tarjeta
de crédito que pueden lucir al pagar una cuenta o el modelo del teléfono
celular, que la eficiencia de su gestión', dijo Felipe, aclarando que hay
excepciones.
Todo esto va modelando una mentalidad que, a fin de cuentas, afecta al
desarrollo de un país', opinó.
La evasión fiscal impune es otro aspecto que ha castrado inversiones del
sector público con potenciales efectos positivos en la superación de la
crisis económica y el desempleo, que este año llegó a 7,3 por ciento de la
población económicamente activa.
Los únicos contribuyentes a cabalidad de las arcas del Estado son los
trabajadores contratados, que descuentan en la fuente laboral. En los
últimos dos años, el gobierno decidió cargar la mano fiscal sobre esas
cabezas, manteniendo situaciones 'obscenas' y 'escandalosas', según el
economista y comentarista de televisión Antonio Pérez Metello.
(...)
Estos números indican que por cada seis euros que pagan al fisco, 'le roban
nueve a la comunidad', pues estos profesionales no dependientes deberían
contribuir con 15 por ciento del total del impuesto al ingreso por trabajo
singular y sólo tributan seis por ciento, dijo Malheiros.
(...)
Si un país 'permite que un profesional liberal con dos casas y dos
automóviles de lujo declare ingresos de 600 euros (738 dólares) por mes, año
tras año, sin ser cuestionado en lo más mínimo por el fisco, y encima recibe
un subsidio del Estado para ayudar a pagar el colegio privado de sus hijos,
significa que el sistema no tiene ninguna moralidad'.


24 julho, 2008

20 julho, 2008

19 de Julho de 2008

A caminho da festa dos 23 anos, em Colónia.
Paralelamente, muitas despedidas de solteiro se festejam nesta cidade, particularmente nos comboios. O noivo tem uma t-shirt cor-de-rosa, os restantes uma cor diferente. Obrigam-no a recolher dinheiro por alguma coisa - neste caso, para lavar a janela. Quando chegou à nossa, o Thiagão do Recife lembrou-se de dizer que eu fazia anos e que por isso podiam fazer um desconto...

:)



Vielen Dank!

13 julho, 2008

Terra à vista

« ... Diogo lembrou-se inesperadamente de um poema de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, o seu poeta de cabeceira:

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações...

Não se lembrava do resto do poema, sabia apenas que se chamava "Lisbon revisited" e que Pessoa o havia escrito cerca de dez anos antes (...). Mas aquele poema, em particular, parecia-lhe resumir toda a angústia, que era também a sua, entre o desejo de partir de uma pátria mesquinha e fechada sobre si mesma e um mundo aberto mas onde um português seria sempre, de alguma forma, um náufrago de Pátria. Nesse dilema, nessa incapacidade de sobreviver em paz fora de Portugal ou de se sentir vivo em Portugal, Pessoa definhara como obscuro empregado de comércio da Baixa lisboeta (...) »

Miguel Sousa Tavares,
in Rio das Flores

25 junho, 2008

De volta a casa


Aqui tanto os programas como os propósitos são diferentes. Pensando estar em Portugal, teria sido impossível fazer a viagem de mais de 500 km entre Bonn e Leipzig com um tal de Marco Dittrich, que conheci dois dias antes no tal "site de boleias" da Internet e que nunca antes tinha visto. Uma pessoa tem um carro e propõe o seu percurso a outras pessoas interessadas em dividir as despesas. Assim, em vez de 90 € de comboio só de ida, paguei 50 € de ida e volta e ainda dei uma mãozinha ao ambiente.

A experiência é engraçada. O rapaz, estudante de economia de 25 anos, ficou muito curioso sobre a vida em Portugal. Levou uma barrigada de crise e gastronomia de tal ordem que ao fim de 4 das 6 horas de viagem já estávamos cansados de conversar.

Quando entrámos no estado de Sachsen (Saxónia) senti-me como em casa. Tudo cheira a construção e não a construído. Não há grandes cidades à volta como na Renânia no Norte. Ali (ainda) é leste, embora o progresso seja evidente. Muitas vezes tenho de ser eu, a portuguesa, a convencer os alemães "ocidentais" que o tal "leste", onde eles pensam que nem se aprende alemão decente, é de facto lindíssimo, verde sem fim, onde as pessoas poupam mais mas também não ambicionam tanto, onde não se olha a roupa ou o carro. Lembrei-me que foi essa distância da sociedade portuguesa (e sobretudo lisboeta) que mais me fascinou naqueles 10 meses "no leste": os impostos que começo agora a pagar neste país têm uma boa taxa a cair sobre este outro lado do antigo muro, mas se os alemães "ricos" se queixam, eu até esboço um sorriso. Contribuo assim para a "minha" cidade.

Durante a viagem invadiu-me uma imagem de Leipzig que só à entrada da cidade se desvaneceu. Pensei convictamente que aquela cidade de estudantes estaria totalmente deserta, onde eu só encontraria a Julia, o João e a Franziska e absolutamente mais ninguém. Seriam três pessoas a viver "sozinhas" naquela cidade onde conheci 300 ou mais que agora estão espalhadas pelo resto do mundo.

Mas não. A cidade ainda vivia como antes. Vi os carros simples, os Straßenbahn do tempo da RDA, pessoas (tão!) diferentes, estradas ainda não tratadas e a calçada também dos antigos comunistas.

Ao estacionar o carro na Brockhausstraße, no bairro de Schleußig que não conhecia, ouvi uma porta bater e um grito: "Tanaaaaaaaaaaa!!!"

Era a minha Ju, a minha loirinha sardenta, a minha alemã com marcas fortes de lusa. Duas saudosas da luz de Lisboa.

Tinha preparado espargos à moda germânica, com batatas cozidas, molho holandês e uma fatia de presunto. A casa era linda, tipicamente de Leipzig, com pé alto, divisões grandes, madeira que range e portas largas. A varanda dava para um jardim interior - para o tal verde que só aqui existe.

Conversámos, conversámos... conversámos como nos velhos tempos, desde a última vez que nos vimos, há um ano, no aeroporto de Halle.

Acordar em Leipzig. De manhã estive sozinha, ela foi para uma aula. O cansaço não me venceu, porque a vontade de sair era enorme. Estava a chover, e que mal tem isso? De volta a LE, tudo o resto era relativo. Abri o chapéu de chuva e andei o mais depressa que pude até reconhecer algum espaço. Era tanta a pressa de rever os meus cantos que nem me perdi, apesar do meu péssimo e famoso sentido de orientação.

Fui sempre andando pelo verde, onde tudo parecia igual... até que de repente avistei o lago, os patos, a pequena ponte de onde se vê o Neues Rathaus e a torre da MDR, essa querida ponte onde em Novembro daquele ano registei uma visita da República Checa.


A manhã ainda era fresca, o parque estava vazio e ali mesmo, à esquerda, revi as tochas, as toalhas de pic-nic, os parabéns cantados à Dê-bo-rrá em várias línguas, o sol a pôr-se às 23 h, o bolo feito pela Laura e os telefonemas de "casa".

A nostalgia de uma portuguesa saudosa, ali ao som da chuva miudinha, debaixo do chapéu... onde choveu da mesma maneira.

Respirei fundo e segui a caminhada. Ao passar na biblioteca Albertina fotografei a fachada, sorrindo. Um rapaz esperou que eu fizesse o clic e olhou admirado, como quem diz "de facto a biblioteca é linda, mas quem me dera não ter de entrar aqui a estas horas num sábado".


E logo depois a cúpula azul, a memória de todos os caminhos ali percorridos, em todas as direcções, em todos os meses, com livros ou patins, sozinha ou acompahada. Naquela Beethovenstraße confirmei todos os dias que vivia numa cidade de estudantes.

Assim segui para a rua dos estudantes por excelência, a longa e animada Karl-Liebknechtstraße (ou simplesmente "Karli"). Caminhei pelo passeio sem tirar os olhos do espaço de estrada esburacada onde tantas vezes pedalei a caminho de filmes com chocolates, encontros internacionais ou jantares do curso de alemão.

Passei numa das inúmeras padarias (as mesmas que mais fazem falta aos alemães que vão para Portugal), comprei uns pães de sementes e segui para casa do João, o sortudo que ficou em LE, cujo andar reconheci de imediato pela bandeira portuguesa na janela.

Mais uma casa tipicamente lipsiana, de pé alto, soalho de madeira com ruídos, quartos enormes, plantas na cozinha e o mapa-mundo na parede.


Contou-me do noivado, contei-lhe do outro lado da Alemanha e recomendei que aproveitasse bem aquela cidade. As saudades vão ser muitas. Enquanto isso comíamos pão com queijo "da terra", ovos mexidos com cebola e tomate e bolo de cenoura...

De barriga cheia preparámo-nos para ir ao centro. Desci as escadas a correr como uma criança. À porta ali estava ela... mal se aguentava em pé, meia preta meia rosa, sem a campainha que levei para Lisboa de recordação, agora sem cesto... era ela, a minha bicicleta, que só se olhar já parecia fazer ruídos de travagens difíceis e mecânica atrofiada.


Pedalei feliz como uma criança pela tal Karli esburacada, passei pelo Neues Rathaus, fiz curvas entre as pessoas que passeavam no centro num sábado à hora de almoço. De volta à Altes Rathaus com as suas cores vivas, de volta à calçada cinzenta que vai dar, SIM!, à Augustusplatz, palco de tantos encontros, despedidas, fotografias, caminhos para as aulas às 8 da manhã com temperaturas negativas... e ali me deixei encantar pelas imagens e os cheiros daqueles meses maravilhosos.

Não resisti depois a subir até à Bayerischer Platz, a subida que outrora me cansava e desta vez só me deu adrenalina, segui sempre a direito pela Straße des 18. Oktobers a sorrir como uma tolinha até virar a esquina pelo Rewe, onde tantas vezes me cruzei com a Caroline, a Maria, a Laura, o Hektor... não ia vê-los desta vez, pois segui em frente, parei em frente à residência da Tarostraße que me acolheu durante 5 meses e liguei à Família que ali passou o Natal comigo.

Pouco depois estava a Ju a mostrar-me cantos de LE que eu não conhecia, um Apfelstrudel junto aos canais, um sol arrefecido mas agradável e conversas a pedalar lado a lado, de regresso.
Não há tempo a perder, tudo tem de ser (re)visto. Ao fim da tarde estava na minha antiga varanda da Frommannstraße, o palco do segundo semestre da experiência da minha vida, a varanda da qual me despedi a 27 de Julho de 2006 onde nunca imaginei que menos de um ano depois estaria novamente. Ali, com a Franziska e o seu abraço a cumprimentar a sua "meine kleine" (minha pequenina), de volta a uma companheira de casa que tem prazer em cozinhar - em grandes quantidades para o pequeno monstrinho que viveu consigo.

E eu que, na minha ingenuidade, pensei que teria de deixá-la dormir cedo para o seu turno da manhã, fui surpreendida com um "não interessa o trabalho, não é todos os dias que estás aqui". E aí, sim, confirmou-se o estereótipo da amizade que em tanto bate certo com a maneira de ser deste povo: é a sério, é a sério. Danke, Zisse!


Com sono e barriga a rebentar, pedalámos novamente lado a lado, eu e Ju, em direcção à Südstadt. Precisava de percorrer a Karli de noite. Passei pelas esquinas e ruas perpendiculares de ex-Erasmus, um silêncio de ausência no ar, no entanto com o ânimo que caracteriza a Karli, sofás nas esplanadas, bicicletas a andar e a estacionar e música a tocar. Deixámo-nos escorregar até ao Clara-Park, onde uma qualquer festa Reggae estaria a decorrer... sem luz sobre os pedais, cheiro a mato denso, sem ver um único obstáculo na estrada lá nos deixámos ir, a Julia a rir-se do meu pavor, caminhos estreitos, tropeços em pequenos troncos e ali está a música, num relvado escondido com duas tendas de cerveja e música a tocar.

Um outro mundo: gente isolada, lua cheia por cima, céu cheio de claridade, jovens à volta de fogueiras, nós e as bicicletas!


Leipzig é assim. Faz parte de um outro mundo. E antes que as lembranças de um fim-de-semana mágico se pudessem desvanecer, ali estava eu de novo, no Clara Park na manhã seguinte, a tomar um pequeno-almoço em toalha de piquenique junto ao lago. Aí, de barriga cheia, não pude reclamar por ter de... regressar. Como sempre.


(Obrigada, minha loirinha com sardas!)

17 junho, 2008

Quero lá saber

Como se tivesse um monte de papéis na mão e os quisesse atirar todos para o ar. "Que se lixem os combustíveis", li eu há dias. Que se lixe a previsão do tempo, se o céu estiver estrelado de véspera teremos sorte. Que se lixe se descobrirem que fujo ao horário de trabalho.
A porcaria do comboio chegou hoje de manhã 17 minutos atrasado. Não é muito normal, está certo. Mas o que é menos normal é, ao fim de apenas 3 minutos de atraso, já estar toda a gente a fazer o drama das suas vidas. "Die Bahn hat Verspääätuuuuungggggg"!!! Só aí já fizeram descer a esperança média de vida 1 ano. E só um caos destes para fazer os alemães falarem de manhã.
Não me peçam para suportar isto dois dias depois de vir da minha casa. Mas por que é que não faltaram os combustíveis para o avião se ter atrasado mais uns dias? Ou melhor, levem os alemães para a minha terra para eles colherem umas batatas de que se queixar!
Volta a pressão, traduz mais um pouco, não chegues atrasada, passa no supermercado senão amanhã não tens pequeno-almoço. Ah, sim, e prepara-te porque dentro de duas semanas o chefe vai perguntar o que queres fazer do teu futuro. Aguente-se, que primeiro tenho de ter tempo de perguntar a mim mesma. Agora que aprendi a não sofrer por antecipação é que começam com pressões?
Que se lixem as decisões. A Espanha entrou em solidariedade com o país vizinho e vamos afundar os dois. Pelo menos não gastamos tanto em transportes, estamos perto de água.
Eu queria era ainda estar em casa. Que se lixe, amanhã já passa. Além disso não vai haver Podolsky nem Ballack que atravessem o Ricardinho Carvalho e aí é que eles vão ver como é possível ter sucesso se se relaxar de vez em quando.
Se perdermos, que se lixe, pelo menos já estamos habituados. A crise vai continuar e eu também vou ficar por aqui.

15 maio, 2008

Jornalista por umas horas

DW e Reno, 04:30 am

A rotina alterou-se por três dias, agora cinco, em breve sete, qual banho de brilho sobre um mês repetitivo. Como tenho sempre dito, não se trata de não gostar; estou proibida de me queixar se faço algo que preciso, se tenho bons colegas e trabalho com 70 pessoas da minha idade, onde a minha língua não se fala apesar de eu ter um teclado português. É apenas diferente. Ler as notícias "da terra" e do mundo faço-o às escondidas, porque já não faz parte deste trabalho. Por umas horas pude matar saudades daquele jornalismo que já me assolou com tantas dúvidas. Acordar às 2:30 da manhã não faz mal nenhum. Aliás, saltei da cama. Não sabia bem se devia jantar ou tomar o pequeno-almoço, mas a ansiedade também me roubou a fome. Toca a despachar.

Lá fora a noite é de Verão, apesar de cerrada. O casaco de ganga chega. Destranco os cadeados da debicleta, a minha nova amiga. Ponho a mala no cesto, o gesto é igual ao de Leipzig, com a diferença de que lá os percursos não eram para o trabalho.
Vou pedalando pela Weberstrasse, ninguém na rua. Viro para a Adenauerallee, a grande alameda paralela ao Reno que já me é tão empática. Na minha direcção encontro um rapaz que caminha aos esses, de tão alegre que parece estar. Por momentos lembro-me que se tivesse optado pela carreira nocturna, seria provavelmente a única pessoa sóbria no autocarro. Ao fim-de-semana os alemães não perdoam.

Continuo a pedalar, desta vez encontro um mendigo a dormir num saco-cama sobre a relva. Aqui os mendigos são poucos, mas nunca vi ninguém dar esmola a nenhum. Um dia ganhei coragem e disse a um alemão "não entendo, nós somos mais pobres mas ajudamos muito mais". Recebi uma resposta óbvia: "eu pago boa parte do meu salário para a Segurança Social dessa gente, que só está na rua porque quer". É verdade: há famílias inteiras a viver do apoio do Estado aqui, sem precisarem de mexer uma mão para trabalhar.
Sigo caminho.
Finalmente viro à esquerda para a rua cheia de árvores, o cheiro a internacional já paira no ar. Em frente, o edifício das Nações Unidas bombardeado de câmaras de vigilância. À direita, a Deutsche Welle. Minha querida DW (graças a ti, Julia, não me esqueço! Danke!!!).

A paixão pelo jornalismo parece tão evidente naquele momento que, quando associada àqueles ataques de orgulho que este país longínquo tanto me dá, fico completamente arrepiada. Com os phones nos ouvidos e milhares de estrelas no céu limpo lá de cima, deixo a bicicleta escorregar para debaixo do edifício até chegar ao parque de estacionamento... de bicicletas. Tranco a minha e despeço-me por umas horas.

Para chamar o elevador é necessário o cartão da casa. Já tenho um: diz o meu nome, tem a minha fotografia, com a designação de "freie Mitarbeiter" e um prazo de validade até Maio de 2009. Entro na gigante e labiríntica Deutsche Welle, o caminho para a redacção portuguesa é automático, mas agora algo é diferente. É noite, não vejo o Reno com nitidez, apesar de tão perto. As luzes iluminam o parque que separa o edifício da água, qual paraíso.

Estou de facto sozinha na redacção, sou responsável pela emissão da manhã desse dia.
Fico na sala dos colegas Machava e Martins, muito sui generis. Na mesa do Martins, a frase emoldurada que tão bem espelha a personagem jornalística: "Dr. Martins, tarefas impossíveis executam-se imediatamente. Milagres levam um pouco mais de tempo."

Abro as janelas, acendo a televisão na CNN, abro a Lusa e as agências de notícias alemãs, inglesas, francesas, espanholas. Sugo notícias que chegam frescas a cada instante, ouvindo simultaneamente as emissões dos últimos dias para estudar os temas que a semana não me deixa apanhar com decência.

Aos poucos formaliza-se o meu texto com as minhas notícias. "BREAKING NEWS: Quake shakes Taiwan" assusta-me, repenso a ordem do que já escrevi, leio para me fazer companhia e para aquecer a voz de madrugada. Lá fora, sem dar conta, o dia nasceu. Ainda não são 5 da manhã.

Dez minutos antes da emissão das 07:30 sigo para o estúdio, no outro lado do edifício labiríntico. Está lá um técnico que não entende a minha língua, por isso eu tenho de entender a dele para qualquer imprevisto. O estúdio é grande, tem um relógio imponente, muitos botões e ecrãs. Sento-me em frente ao microfone, ao lado a Internet para qualquer outra Breaking News em directo (felizmente ainda não fui apanhada de surpresa), ao fundo o vidro que me separa do técnico e no centro da sala uma antena com uma luz vermelha pronta a acender. O coração bate mais depressa, bebo uns goles de água meia a tremer. 07:29:56, 07:29:57, 07:29:58, 07:29:59... e no instante em que bate as 07:30:00, bate o jingle "Deutsche Welle... noticiário". A luz vermelha acende-se. A minha luz vermelha.

"Bom dia..."

O resto vai saindo, fico absorta entre o microfone e o papel. Não me recordo de nada e luto contra uma voz trémula que ao fim de 5 dias já está bem mais habituada.
Quando consegui controlar a voz, sobrou-me espaço para saborear a sensação: estou, de facto, "em directo dos estúdios de Bonn, Alemanha", para rádios espalhadas pelo mundo fora, seja lá quem esteja a ouvir, do Brasil até Timor-Leste...

Aceno ao técnico para lançar os spots ou as peças seguintes, já que ele não entende que eu disse que o noticiário terminou. A minha meia-hora chega ao fim, levanto-me, passo pelo técnico, "Schönes Wochenende, tschüss". Como sempre, no jornalismo, muito trabalho para um produto que se consome tão depressa.

O trabalho regressa à redacção para pôr o programa online com as devidas legendas. Meros 20 minutos. Aí o sol já vai alto... Sigo com sono até à bicicleta, destranco os cadeados e pedalo automaticamente o caminho de regresso, sonhando com a minha cama. Quando chego, restam-me ainda umas energias para comer uns cereais no terraço ao sol. E aí sim, salto para a almofada com sensação de dever cumprido. Mas há que dormir depressa, que fim-de-semana só vem de cinco em cinco dias e é para ser aproveitado.

14 maio, 2008

Globalização individualizada

Shannon é uma jovem muito querida, norte-americana de Wiscounsin, que trabalha aqui para a TravelTrex há dois anos. A cada dois fins-de-semana vai visitar o namorado inglês a Londres. Conheceram-se no Mundial 2006 aqui na Alemanha e namoram desde então. Na semana passada contou-nos que vai casar no fim deste mês. Vão encontrar-se na Dinamarca, país europeu que mais facilita os aspectos burocráticos para dar o nó entre estrangeiros e que disponibiliza de imediato todos os papéis em inglês. A família, que descobriu o segredo apenas há uns dias, virá de Inglaterra e da América. Dia 1 de Agosto, o novo casal muda-se para os Estados Unidos.

22 abril, 2008

Comboio - 2

Mero cenário de dias bonitos e compridos. Acordo antes das sete da manhã, mas o sol já vai bem alto e o céu está azul. Há muitos meses que não sabia o que era estar antes das oito horas na rua, por isso nunca me tinha apercebido do movimento.
Criancinhas de seis e sete anos, com mochilas maiores do que elas mesmas, vão sozinhas ou em grupo para a escola, a pé, sem medo. E sem medo também os pais que os deixam ir.
Bicicletas passam muitas. Passam assim a correr, dão-me saudades da minha correria a pedalar.
E lá vou eu a caminhar durante 7 minutos à estação, música nos ouvidos, mãos fora dos bolsos, que o frio já não exige tanto.
Hoje entrei numa carruagem mais ao fundo da estação, com esperança de que fosse mais vazia. O batalhão de gente era o habitual, e é engraçado como vou reconhecendo pessoas todos os dias. Os tais malucos que fazem este percurso diário.
Como sempre, esse mesmo batalhão entra e divide-se entre o piso de cima e o de baixo. Mas desta vez, por algum motivo, todos os que começavam a subir ou a descer as escadas, voltavam para trás. Olhei com a atenção que as 8 horas da manhã permitem: ah, primeira classe. Costuma ser só um cubículo, mas desta vez era uma carruagem inteira. Então o batalhão deixou-se ficar no átrio em pé, ao pé da porta, porque é proibido ocupar a primeira classe. Espreitei, as cadeiras eram largas, tudo tem mais espaço, tem um ar acolhedor. Quase todas as cadeiras estão vazias, mas os alemães - e eu - mantêm-se todos de pé, à entrada. É proibido.
Todos os dias, naquele que é um comboio regional e por isso o mais barato, não vejo um pedinte, não tenho receio de nada, tudo cheira a banho matinal, só vejo óculos e jornais abertos. Computadores portáteis abertos, um por cada 4 pessoas.
Onde está a primeira classe, a digna de ocupar a outra carruagem?

Apesar de atravessar o semáforo vermelho, não me sento na carruagem da primeira classe. Sentei-me nas escadinhas, sossegada, o meu livro também aberto, naquele percurso de 18 minutos. E chegando a Köln Süd, saí para a segunda metade do percurso até ao trabalho.

09 abril, 2008

Um dia

escrevo um livro.

03 abril, 2008

No comboio - Episódio 1

Nesta aventura ferroviária diária Bona-Colónia que agora começou, presumo que virão outras histórias... aqui fica a primeira:

Entro com os phones postos nos ouvidos, música bem baixinha, para não incomodar. Eles são tão caladinhos que qualquer coisa os enerva - e há inclusive avisos nas janelas a pedir para não exagerar no volume...
O comboio está lata de sardinha, apesar dos dois andares. São quase 19 horas. Pela primeira vez não tenho lugar sentada, então fico de pé no corredor entre os dois pisos, mão no corrimão das escadas. Reparo que vão dois homens com os seus 50 anos, muito animados ao meu lado, também de pé, com garrafas de cerveja na mão.
Quando percebo que estão a meter conversa com o rapaz que estava sentado ali no meio, presumi que a brincadeira podia estar quase a cair em cima de mim e, não tirando os phones dos ouvidos, desliguei a música para ouvir a conversa.
- Está com ar de quem vem do trabalho.
- É verdade.
- E para onde vai?
- Bonn.
- Não me diga que é outro maluco que vive em Bonn e trabalha em Köln.
- É verdade... são só 20 minutos, de carro não há estacionamento, de bicicleta sai longe. Pagam-me o Jobticket, por isso não pago nada, de carro seria uma despesa.

(São sempre tão matemáticos, estes alemães)

- Muito bem. Mas tire lá essa cara séria. Precisava de uma cerveja, você.
O rapaz estende a mão e o homem entrega-lhe a garrafa dele. Brindando com o outro homem, gritam perante a lata de sardinha em redor: "Prost!"

(Ao contrário do ambiente matinal, a esta hora todos sorriem.)

Com o silêncio que se impôs, eu espetei os olhos na janela e bloqueei o olhar, como quem vê o infinito. Pura distracção. Mas o homem mais castiço, sempre atento, mete de repente a cabeça dele à minha frente para me assustar.

(Se faço de conta que não vi, passo por antipática, e nem sequer posso fugir dali. Além disso está tudo olhar para aquele festival...)

Então sorrio...

- Olhem, ela tem covinhas! - grita ele a apontar para mim.

... E fico corada.

- A menina anda na escola?
- Eu não!
- O quê, não me diga que já trabalha?
- Já!...
- Com esses 16 aninhos?

(Oh não, mais um que acha que nem tenho idade para pedir cerveja. Já basta nos bares, no banco, até no supermercado... Raio de cara de bebé!)

- Eu não tenho 16 anos...
- Não acredito. E trabalha em quê?
- Numa agência de viagens.

Vira-se para o rapaz, que tinha dito que era jornalista técnico (ainda não percebi o que isso é) e volta a falar com ele. Ufa, já me deixou sossegada, pensei. Quando um minuto depois se volta outra vez para mim e diz qualquer coisa que, com voz de provinciano (como ele se auto-designou) e voz atropelada pela cerveja, eu não percebi.

(Por mais tempo que se viva aqui a ouvir e falar alemão, a toda a hora surgem palavras esquisitíssimas.)

Tiro os phones como quem nem ouviu o que ele disse: “Bitte?”

- Olha ela, está a ouvir música! Dei um coiso desses, Ipod né?, à minha filhota, que também tem 16 anos. Deixe cá ouvir essa música.

E lá estou eu no comboio-lata-de-sardinha, a esticar o phone para o senhor ouvir, com não sei quantos olhos postos em nós! O rapaz vai-se rindo…

- Sim senhor, boa música. Lkdlkjlakjdadlajdlaks? (Mais uma qualquer pergunta que não percebi.)

- Bitte? Não sei o que isso significa, é que eu não sou alemã…

- NÃO????

E pensei para mim, já deves ter bebido muito, para nem teres percebido isso, homem…

- Não, sou portuguesa.

E aí, o típico: vem o outro senhor todo entusiasmado dizer a frase do vira o disco e toca o mesmo: ah eu infelizmente não falo português, mas podemos falar espanhol!

- Você pode falar espanhol, mas eu respondo em português :)

Ele desiste.

Depois o outro homem castiço olha para mim de alto a baixo, cachecol e casaco em dia-de-neura-cinzenta.

- Credo, você consegue respirar com essa roupa toda?

- Consigo pois. Sou portuguesa, para mim nesta terra está sempre frio.

- Ah, pois é. Mas devia usar uma coisa mais leve. Eu comprei agora uma t-shirt do Hard-Rock em Berlin para a minha filhota, espero que ela goste. Também ficava contente com uma t-shirt do Hard-Rock?

- Quando tinha 16 anos, sim.

- Mas que idade tem você afinal?

- VINTE E DOIS!!!

- Não pode ser!!

- DOCH!!!!! (a palavra que mais gosto no alemão, para me dar razão!)

E sorri-lhe, começando a descer as escadas. Atrás de mim uma fila de gente para sair, depois do anúncio Bonn Hauptbahnhof.

- E a nossa conversa acaba assim?

- Desculpe, mas agora tenho do de ir…

E saí do comboio com a lata de sardinha a desfazer-se, voltei a pôr os phones, mãos nos bolsos, um leve sorrisinho de conforto sob o céu cinzento lá de cima.

27 março, 2008

A Pátria que tanto me confunde


«
Nunca há dinheiro para o essencial, mas arranjam-se sempre uns trocos para o acessório - é esse o segredo da miséria de Portugal, um país onde ainda há milhares de crianças que acordam e adormecem com fome, e onde, para regatear o leite escolar em falta, os pais têm que ir bater à porta do centro da irresponsabilidade, vulgo "sede do agrupamento". Se os pais pudessem escolher a escola pública que querem para os seus filhos, não seria necessário sequer gastar-se dinheiro com a avaliação dos professores. Mas Portugal é anti-escolha: todas as leis são feitas de modo a que a única escolha possível seja entre a resignação e a sua irmã afoita, que dá pelo nome de cunha ou esperteza saloia. Quem tem "conhecimentos", consegue mexer os papéis, quem não os tem, é melhor ficar sentado e pensar noutra coisa. Os "papéis", em Portugal, são uma entidade mágica e autónoma - como os automóveis, que em caso de acidente, se diz que "matam", pelos vistos sozinhos.
»

Inês Pedrosa, in EXPRESSO

Bis, bis, bis, e por aí fora...

09 março, 2008

Homesick


"As saudades de casa não dependem do tempo que estamos longe".

Há dias em que a intensidade dos projectos no estrangeiro é tão grande, que a saudade vale a pena. Há outros, seja na primeira ou na trigésima semana, em que a saudade é tão tão forte que nos parte aos bocadinhos. Aí desejamos ter um quarto e uma cama bem pequeninos, para aconchegar a angústia. E fechamos os olhos, para não ver o cinzento do céu lá de fora.
Custa mais quando sentimos a decisão sobre nós. Ninguém me obrigou a vir para aqui, me pediu sequer. Vim porque quis - e porque pude...
Agora o lema não pode ser a lamentação ou o medo. Tento a cada manhã repetir a mim mesma: "Vamos começar por baixo, trabalhar muito e sonhar demais". Afinal, o meu grande dilema está em boa parte solucionado. Descobri uma direcção: a direcção do internacional, da Europa, do Mundo. Não sei se quero as notícias acima de tudo, mas pelo menos já sei que não quero as notícias locais ou mesmo nacionais. Também não sei se quero a comunicação para a venda a substituir a comunicação como dever público de informar. Mas é a comunicação para a venda que me compra o trabalho com maior valorização.
O que eu queria mesmo era levar a minha mente de volta para a escola, pois aí não pensava em dinheiro. Nunca pensei que se tornasse nesta obsessão - e ao mesmo tempo uma obsessão obrigatória. Além disso, nos tempos da escola nem eu nem ninguém pensava nesta crise desta forma. E já não é uma crise económica: é uma crise social, uma crise existencial elevada à escala de um País com uma linda História.
É uma frustração dificílima de descrever. Porque o que eu mais queria era caminhar para o meu trabalho sobre a calçada portuguesa, subindo e descendo as colinas da minha cidade. O que eu mais queria era ter a minha Família por perto e um céu azul por cima. Queria rever os sorrisos do meu povo, as melodias do meu Fado, a maresia do meu Tejo, os sons da minha Língua. A língua mais bonita do mundo (não preciso de conhecer as outras).
O que eu mais queria era ser valorizada no meu País, por ter feito o politicamente correcto: terminar a escola com sucesso, ter o curso que queria na Universidade e tornar-me numa licenciada com vontade de trabalhar e de evoluir.
Mas parece que muito poucos estão a reconhecer o nosso valor. Não é justo. Um país já degradado está a mal-tratar os jovens que são o seu futuro. Está a deixá-los escapar e um dia pode ser tarde para querê-los de volta. Mas não é só nisso que os Portugueses não sabem pensar a longo prazo, não é?
Somos tantos, que devíamos juntar-nos em nome do que valemos.
Equanto o comodismo nos vai vencendo, eu vou-me integrando na sistematicidade germânica. Hoje é engraçado, amanhã é cansativo, volta a ser um exemplo a seguir, de repente farta e regressa ao estatuto de orgulho.
Vou balançando constantemente aqui na Europa Central, qual emigrante que sonha voltar à terra por uns dias. Só para estar junto das raízes, olhar para o mar e comer umas sardinhas.
Saudades que têm de valer a pena.


29 janeiro, 2008

Nada de especial

É perfeitamente nítida na memória a admiração que sentia por aquelas histórias contadas. Desde a amiga da irmã que estudava na Escócia, e que eu ouvia sempre com olhar de criança a falar ao telefone em inglês, "que máximo"! Outros amigos, colegas, conhecidos foram fazendo passar a mensagem de terem ido "para fora" trabalhar ou estudar, tinham arranjado namorados e namoradas, vinham "cá" no Natal.
Lá fora é tudo tão longe, tão difícil, pensava eu. Isso é coisa para gente grande.
Até hoje ainda não sei definir como é que eu também fui "lá" parar, mas acho que já desisti de procurar resposta. Foi e ainda é mágico por isso mesmo.
E agora que estou cá, "lá fora", tão longe, parece que não é nada de especial. Quando algo se conquista e se repetem conquistazinhas pequenas a cada dia, tornando a aventura numa nova rotina, parece que uma força idiota nos vai dizendo "vês?, não foi assim tão difícil" e por isso aquilo que eu via como inalcançável afinal já foi conquistado. Venha outra coisa.

NÃO, não é assim que deve ser. E ainda bem que me resta a lucidez para não deixar de valorizar cada dia que tenho deste lado. Seja na West ou na Ostdeutschland. Porque a verdade é que às vezes ainda bloqueio quando, nas arrumações do quarto, oiço vozes da cozinha que me lembram que na minha casa não há mais ninguém que fale a minha língua. A televisão que me ajuda a adormecer fala em alemão, as pessoas na rua falam alemão, tudo é estrangeiro à minha volta.
E é tão boa a sensação. Não só a de estar cá, mas sobretudo a de ter tido a oportunidade de voltar. Voltar a delirar com os escassos metros que separam a minha casa da paragem do autocarro, em que caminho com as mãos nos bolsos, a cabeça agachada, o vapor que sai pela boca a chocar com o frio. "Talvez neve este Carnaval, dão um grau para sábado, QUE BOM."
É proibido subestimar as conquistas diárias que aqui se têm. Mesmo que à minha volta as vivências de outros estrangeiros sejam semelhantes, porque na verdade elas cometem a mesma falha e sabem-no.
Estar aqui é um privilégio, e não me vou permitir nunca deixar de ser grata por isso.

14 janeiro, 2008

Guten morgen!!

9:18 horas da manhã, há ruído em casa.

Eram 7:30 quando o despertador tocou. É dia de aniversário e colei papéis pela parede com votos de felicidades. Ainda estava bem escuro lá fora, mas havia mais pessoas na rua do que vejo agora. Crianças, bicicletas, carros. Ao fundo, a torre da Deutsche Post que me orienta para o estágio rodeia-se de luz azul, cinzenta e cor-de-rosa, adivinhando o nascer do sol por entre as habituais nuvens…

Banho tomado a ouvir uma qualquer rádio alemã, o dia nasce finalmente e às 8:30 tocam à campainha. O senhor para a instalação da Internet disse que viria entre as 8 e o meio-dia. Pois em Portugal teria vindo provavelmente ao meio-dia e qualquer coisa, pelo que por breves instantes ainda me interroguei “quem será a esta hora?”. E ali vinha ele todo lançado a subir os três andares, já a dizer bem alto e com um sorriso “schönen guten morgen!!” como quem se sente realizado quando chega o expediente numa segunda-feira de manhã, bem cedinho.

Entretanto estão dois pãezinhos de sementes, typisch deutsch, no forno. Põe-se roupa da máquina a secar, abrem-se presentes, seca-se o cabelo.

E às 9 horas em ponto, como combinado, chega a Gianna, alemã bem loirinha, para estudar com a Julia no dia do seu aniversário. Quão interessante seria imaginar isso na minha terra – estudar às nove horas em ponto, enquanto se toma o pequeno-almoço e se recebem mensagens de parabéns.

E na volta, nem há compromissos profissionais para hoje. Apenas aqui é assim. A luz é pouca, o ritmo é acelerado, o dia está planeado. Engraçado como entramos nos hábitos de um país assim, tão depressa.

Bom dia!


11 janeiro, 2008

Leipzig X Bonn


Começou a minha nova aventura. Não passei por Mallorca para aterrar em Leipzig; fui direitinha a Köln-Bonn. Três horas de transição, algures no ar, já entre loirões e moreninhos, que vi dissiparem-se depois de recolherem a bagagem. Mais uma vez lá estava eu, com 37 Kg de roupa quente e tudo o que é imprescindível para viver mais uma vez sozinha durante uns meses.

Não fosse a Internet e nada disto teria sido possível. Desde a candidatura ao estágio até à procura de casa. E a Julia das fotografias que vira já estava ali, à minha espera no aeroporto. Pareceu surreal, ao fim de tão pouco tempo, voltar a ouvir esta língua-de-tostas-trincadas em todo o lado, na rua, na rádio, na minha colega de casa com quem desde logo discuti as diferenças óbvias entre West- e Ost- Deutschland.

Só faço questão de descrever a primeira impressão pois a experiência já me ensinou que a entrega à rotina acaba por fazer esquecer aquilo que chamou a atenção em primeiro lugar.

Falta ainda tempo para que a Alemanha pareça mais homogénea – mas bem depressa já ela anda. BMW’s, Mercedes e Volkswagen são a constante que Leipzig não tinha. Até as bicicletas são mais arranjadinhas, bem como quem as pedala. Cabelos apanhados, jovens altas e bonitas, preços consideravelmente mais altos. Nada de críticas, apenas diferenças. Um centro muito simpático, andar a pé para todo o lado, pessoas que de certa forma ainda me são familiares. Entrar num restaurante como quem sai do Inverno e entra no Verão, mesinhas ordenadas com velas acesas em cada uma. Chegam amigos, voltam os apertos de mão de quem me apresenta, novamente, como a “Dê-bô-rrá”. Venham cervejas!!

Preparo-me para trabalhar à séria dentro de dias, ali pertinho do Reno, o amigo do Tejo que vou conhecer ainda hoje e que certamente abafará a saudade de água que Leipzig tão ferozmente alimentava.

No meu quartinho, as minhas coisinhas, as minhas fotografias, aquelas que em Lisboa não são necessárias.

Frio? Quanto baste, para quem acaba de aterrar num novo lar.

E, claro, acordar antes das nove da manhã para aproveitar as poucas horas de sol.

Tschüss!


05 janeiro, 2008

Lá voltar

Resoluções do novo ano? Não há forma de as fazer. Inflação, proibido fumar, saldos, dietas pós época festiva. Se é sempre a mesma coisa, não especulo, afinal, os anos fazem-se de meses próprios, com semanas fugazes mas distintas, dias de sol e de chuva, horas agradáveis e melancólicas.
O grande mês de outrora foi o meu Setembro, Julho revelou-se revelador, Abril detesto-o, Maio nem sempre tem a luz do Tejo, Dezembro está cada vez mais cansativo e cínico.
Janeiro? Não gostava dele. Era frio, escuro e chuvoso. E na volta, quem poderia dizer que me apaixonaria pelo mês do Beyerhaus às segundas-feiras, da fuga da biblioteca em hora de nevão, da bicicleta gelada, do corpo tapado por todo o lado deixando apena a retina estrategicamente de fora. Janeiro, o mês dos aniversários de meio mundo, aqueles aos quais infelizmente faltei (mesmo estando presente), compensando comemorações na festa de anos de um holandês, numa festa de pátria, noutra de fim de semestre.
O Janeiro de 2008? Esse estava escrito numa tal ficha de candidatura, como quem pede um lugar num estágio concorrido seja em que mês for, mas "por favor, o mais depressa possível". E assim voltou a resposta, recordando a rigidez loirinha com aquele "início a 15 de Janeiro, fim a 14 de Março", até com hora marcada...
E assim se planeou a resolução do arranque do novo ano, muito antes das passas, das badaladas, sequer do Natal.
Porque levando os dias com calminha, caseirinhos como tanto gosto, memorizando a rotina, os petiscos e as conversas lisboetas que tanta saudade me trarão, assim me preparei para o 9.º dia, em que um novo avião me levará para uma nova aventura, outra vez por minha conta. Desta vez por vontade própria e, talvez por isso, mais assustadora numa certa perspectiva.
Os medos são os mesmos do herói Setembro, mas agora mais ténues. Uma responsabilidade acrescida pelo factor segunda-a-sexta, horário laboral e rigidez germânica.
Uma nova cidade que só conheço de mapa, com um Tejo emprestado, uma família substituída por uma jovem alemã, estudante de Direito, que conheci pela Internet. Uma equipa de trabalho que visualizei por fotografia, eléctricos quentinhos que me levarão onde preciso, neve (esperemos) a cair no dia-a-dia, derreter em casa, num quarto novo.
Desafios e medos, esses sim, vamos ter de (re)solucionar.
Boa sorte!

01 janeiro, 2008

Para 2008

"venha por favor SAÚDE,

porque o resto depende de nós".