De repente o espaço parece fechar-se e uma espécie de estúdio de som apodera-se das ruas. Nem o uivar do vento, forte, cortantemente forte, tem a força de antes. De ouvir o vento passo a vê-lo, no reboliço que provoca na neve do chão, feita remoinho a esvoaçar para o incerto. Os sons são abafados. Os carros são silenciosos e parece até que as pessoas ficam fisicamente mais próximas.
Vejo tudo com absorvência, sorrio, fotografo, tenho vontade de telefonar a alguém só para dizer que estou encantada ou que quero companhia para fazer um boneco de neve. Mas na realidade estou apenas a ver; a capacidade de descrever com exactidão parece ter de facto congelado. Não consigo abstrair-me porém da ideia de que não fugi à minha rotina, não procurei aquele cenário, ele é que se cruzou comigo num mero dia de aulas.
A cidade tornou-se outra. Para os nórdicos, tristes com a chegada efectiva do Inverno, o manto branco é um incómodo. Para mim – de “pele castanha”, como eles dizem – o Inverno ganhou outro encanto. Teria sido já suficientemente saboroso passar mais uma tarde naquela wunderschöne Bibliothek, onde não há lugar para todos os estudantes que se encontram para estudar e fazer pausas para um café – e não os que se “encontram no café e aproveitam para estudar um pouco”. Já é – desde há muito – suficientemente saboroso estar ali sentada e não ver ninguém à minha volta que fale a minha língua, nem tão-pouco os senhores que me deram os textos que vou para ali ler. Já é suficientemente gratificante, enquanto estudante, falar com orgulho deste livro, daquela pesquisa, daquele trabalho, sem sequer pensar na hipótese de nos sentarmos numa mesa onde um aviso indica que “aqui não é permitido estudar”.
Teria sido tudo tão suficientemente alucinante só por perceber que estou num espaço deliciosamente não-familiar. E ainda pude desfrutar da sensação, quente, de desviar o olhar para a janela e ver a neve cair com força. Só aí esqueci os deveres de estudante, voltei a ser criança, arrumei tudo e corri lá para fora, sorrindo sozinha por aqui estar.
Esse tal de Erasmus é tão mais do que um estatuto.