17 agosto, 2006

Sobre os carris do Alentejo

Gosto das metáforas e da realidade simplificada aos meus olhos. Atravesso o olhar pelo comum dos mortais, ignoro o pensamento dele, quiçá também concentrado. Ambos relaxamos com a ajuda destes fios conectados aos ouvidos, cada um a transportar decerto uma energia diferente. Por detrás do seu perfil vejo uma paisagem alentejana, aquela que arriscaria dizer só o portugês nato e amadurecido saberá observar para além do verde e castanho secos.


Sinto como se os sobreiros falassem a toda esta carruagem, lembrando que o equilíbrio passa por olhar para eles com alguma frequência. Passa a senhora com petiscos para o lanche, quebrou a minha concentração, mas agora não me apetece comer, vou continuar a olhar.

É esta metáfora de quase duzentos km/hora a penetrar o Alentejo rumo ao Sul que me força à reflexão. Com os olhos regalados pela luz de fim de dia de Agosto e uma alma tão requisitada nos últimos tempos mergulho num agradecimento e numa força interior que só neste sossego poderia conseguir.

Consciencializo-me de que só no isolamento se vencem algumas batalhas. Aliviante ideia, se pensar que me delicia o silêncio de uma carruagem que todos aqui obriga a conversarem apenas consigo mesmos. Não é no entanto à escala de uma carruagem ou de uma travessia do Alentejo que me apraz falar. Encontrei, ideologicamente, a proporção destes pensamentos num patamar que propõe muito mais. Alarga-se o tempo, o espaço, o contacto. E alarga-se o horizonte, certamente.

Descobri com orgulho ser isso que pretendo. Como se, no acumular de todas as viagens que fiz sob o silêncio do transporte à luz de Agosto, tivesse visto a necessidade de fazê-lo sob outra tipologia.

É irónico constatar que, na consideração de ter posto neste desafio uma fasquia demasiado alta, fui alertada para os clichés que julgava adaptáveis aos outros, nos seus projectos que eu idealizava perseguir tão mais tarde - eu, que penso sempre para tão mais tarde. Irónico porque só então assimilei os meus vinte e um anos, a empurrar-me para um novo início. Quem sabe conseguido com este primeiro passo de qualquer coisa que, pela primeira vez, conheço apenas até certo ponto da escalada.

Esta carruagem não esperou por mim, tal como a Vida não espera por nós. A ousadia de que o "próximo comboio" também surgiria na minha vida castigou-me na suposta fase madura da minha vida. Não censuro. A ousadia reconhece-se com um estalo, aos olhos dos outros, aqueles cuja imagem só nós no nosso isolamento podemos esquecer.

Soube fugir sem ser para dentro de qualquer esconderijo. E não saberia qual escolher, mesmo que o quisesse. Do lar fugiria para um coração em par, deste para uma amizade listada ou desta novamente para o lar, no arranque de um ciclo sem fim à vista.

Como se tivesse saboreado estas certezas a escapar-me das mãos, castigo-me agora, ao mesmo tempo que me sinto florescer. Numa planície como esta que se estende ao meu olhar.

Vou apanhar o comboio para ir ter comigo.

04 agosto, 2006

Calor

Humano, familiar, do lar, dos amigos, do amor, do Verão.
Quando é esta energia que o Calor traz, eu adoro-o. Consome-me por completo.
As boas notícias têm sabor a mar, a casa fica mais alegre, os amigos mais próximos, o sorriso mais presente, as viagens mais apetecíveis.
O comboio vai soar a partida e eu hei-de ficar no meu lugar, sentada, sossegada, observadora. Isolada no meu Eu, como só agora faz sentido precisar.
Hoje sinto-me capaz de enfrentar as temperaturas negativas do amanhã. Ou, mais precisamente, do mês e pouco que falta.