11 outubro, 2006

Daqui


Daqui já não vejo o Apolo 70 nem oiço o senhor lá em baixo a gritar que hoje anda à roda. Daqui oiço jovens a jogar futebol às sete de manhã, e acordo sobressaltada com os gritos que me fazem lembrar a fonética dos filmes do Holocausto. Também oiço crianças a brincar no pátio do Jardim de Infância, as mesmas que vejo andar sozinhas nas redondezas, paradas à espera do sinal verde para atravessar a estrada.
Daqui tenho visto muito azul e muito verde, sempre a imaginar os dias em que vou ver mais o verde-seco, o castanho e depois o nu, cobertos por um céu "dunkel" que todos os alemães desejam que venha o mais tarde possível.
Sim, daqui ganhamos uma nova visão das coisas, percebemos que eles não são arrogantes como se diz, porque arrogantes dos que vejo cá também vejo em Portugal. Daqui percebemos que também o estereótipo "espanhol" não corresponde à realidade, porque eles esforçam-se por nos perceber. Ao mesmo tempo, confirma-se que falam muito alto nas ruas, confirma-se que os americanos acham que toda a gente tem de falar inglês, confirma-se que os cidadãos de leste têm facilidade em aprender.
Não há dúvidas que, daqui, todos falam do seu país com um orgulho floreado, saboroso de reparar.
E ainda é cedo para perceber o que daqui é perceptível. Mas gosto (já) de confrontar as coisas, filmar uma tailandesa a escrever caracteres chineses, de sorrir quando me apercebo que falo com asiáticos, sul-americanos e europeus diversificados, de admirar a naturalidade com que este povo se preocupa com o ambiente e as formas práticas e económicas de levar o dia-a-dia.
Um alemão disse-me que Leipzig, Dresden e Jena são das melhores cidades para estudantes, sobretudo se estrageiros, porque o Leste não é tão obcecado com o trabalho e cá sobressai a nova geração, preocupada em lutar contra o esterótipo do "alemão frio".
Daqui sinto, naturalmente, saudades daí. Da minha língua, com a qual me exprimo tão mais transparentemente. Dos meus petiscos, como o bacalhau, a carcaça ou o presuntinho. Mas daqui também estou certa que levarei o hábito de comer mais legumes, mais fruta, pão com sementes e iogurtes de todo o tipo e feitio.
Daqui inspira-se um ar agradável, o ar do Norte, o ar da exploração, o ar da neve que se aproxima, o ar da nostalgia de casa que me ensinará como a nostalgia portuguesa não tem razão de ser.
Porque, a partir daqui, há tanto que deixa de fazer sentido... e tanto que ganha um sentido mais forte.

7 comentários:

ARN disse...

gostei muito deste post, gostei de perceber o como já estás entranhada nesse espaço. Aqui ouvem-se velhas a resmungar o atraso dos autocarros, ouve-se um burburinho ensurdecedor no metro cheio em hora de ponta, ouvem-se buzinas ao fim do dia, quando o frio de outono chega de mansinho, ouvem-se falar mil linguas no sempre concorrido bairro alto, vêem-se sete colinas apinhadas de prédios e portugueses sofredores e nostálgicos, ouvem-se bater corações ao ritmo da saudade. bj grande

Rita disse...

Daqui dá para sentir uma Deb diferente a escrever, e que dá ainda mais gosto ler.
Beijocas!

Polly Jean disse...

A partir daqui já começo a sentir-te outra. Sem duvida mais transparente, sem duvida mais aberta e sem duvida a beber a vida.

Anónimo disse...

...Fico feliz por, finalmente, perceber que estavas certa em arriscar, e que percebes isso... Afinal, a vida é isso mesmo... correr atrás dos nossos sonhos "no matter what!"...
...É verdade, inscrevi-me em alemão! Lol! Vamos ver...
...Beijos... saudade, saudade, saudade...
Ti adoro

Anónimo disse...

Lindooo!So tenho mesmo uma palavra: adorei! Estou super orgulhosa da minha pequena ehehe Mais do que nunca, tenho razões para afirmar: és a maior ;)

Catarina disse...

O texto está realmente lindíssimo :)
E esse espírito erasmus está já muito bem presente, descobrir a pouco e pouco que as coisas são diferentes, os hábitos diferentes, as pessoas diferentes...
Mas que todas têm um bocadinho "igual", esse sentimento que vos une e unirá:)
Por isso é tão bom partir, dar um passo em frente e depois perceber que..."valeu a pena" ! *

Anónimo disse...

É incrível sentir que, estando em lugares tão diferentes, sentimos coisas tão semelhantes...
É tão agradável "ouvir-te" falar de uma realidade tão afastada de mim, daquilo a que estavamos habituadas, de uma forma tão natural. Significa que já não olhas para elas de fora, mas que a absorves de dentro!=) Sinto que, cada vez mais, achas que valeu a pena arriscar, mais que não seja porque tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Bjinhux