06 julho, 2006

O semblante

Depressa se escondem os traços outrora mais visíveis, aqueles que a todos familiarizam pelo tom inequivocamente superficial. Uma bola na rede certa, uma agenda cheia de cores ou um simples bonito dia de sol carregavam a força do sorriso que em todos queremos ver. Pois os traços lá se esconderam, frios sob os poros da pele, por onde agora só entram os olhares que nós queremos. Como se nos sentíssimos bem apertadinhos, naquele calor tão forte, o calor humano do núcleo do lar, preso num espaço também apertadinho. Um espaço para tudo o que é preciso. É dele que olho lá para fora, para os sorrisos que ainda espreitam acolá, lembrando-me novamente da perícia em que consiste o olhar para além da visão. E por isso é para este espaço que eu tenho a certeza que poucos estão a conseguir olhar. Aos que me e nos observam realmente, com aquela palavra certa ou mesmo aquele silêncio que diz tudo, a esses devolvo a garantia que é por eles que ainda olhamos lá para fora. Para aqueles que, de lá, se mostram capazes de estar atentos a todos os casulos espalhados pelas arestas das suas caixas de amigos.


Para os que mantêm um olhar inocentemente ignorante, cá dentro não somos capazes de declarar nada, pois a força do instinto amigo não se manifesta e creio que não compensa acenar para que nos vejam. Conformo-me, tranquila. Dói mais quando tantos daqueles pares de olhinhos que apareciam no parapeito do casulo, tantas vezes, fazendo parecer daquela fronteira um espaço tão mais amplo e harmonioso, não espreitam mais, por qualquer motivo que quase parece não ter agora importância alguma. As marcas dos cotovelos apoiados no parapeito ainda se vêem, mas a erosão vai tratando do assunto. Faz-nos acreditar que é possível já ter passado, que não há lugar para rancores num espaço tão pequeno, num tempo tão valioso.


Tudo porque o semblante oscila e nem sempre aquele mais escondido está ao alcance do olhar de quem gostaríamos, ou de quem seria suposto. Importa assim recarregar as forças do casulo, queimar os ácaros das arestas e, se Deus quiser, sair enfim de volta para o mundo dos semblantes, onde então o nosso lembrará a hierarquia dos valores.

Enquanto isso, não calculam a força que vai cá dentro.

3 comentários:

mj disse...

"O essencial é invisível ao olhar".
Pois não são os teus olhos que contam o que aí dentro passa, nem o distanciamento que consegues dar às frases que soltas como se nao fossem tuas.
Não, por aí não se percebe, porque contigo é preciso saber escutar o que não dizes e ver o que não mostras.
E eu talvez até veja pouco, mas pelo menos nâo questiono (nunca questionei) a tua força, que insistes tantas vezes em disfarçar dos olhos de quem te conhece já bem.
Essa força escapa-se de ti e mostra-se aos outros sem reparares. Quando escreves: "Assim como observa o mar que se estende diante dela, Débora fica atenta às oportunidades, na esperança de que uma gaivota a acompanhe até um destino onde possa viver(...)feliz.", tenho a certeza do que tens em ti para superar o Medo.
E já agora há muita força na tristeza, nas lágrimas e na revolta; ela nao se vê pelo tempo que consegues manter o tal semblante esperado.
E o "Vai tudo correr bem" é dito ao ouvido, como o som do mar, e com a convicção de que, mesmo que não pareça, há uma Razão que escapa à nossa visão tão reduzida dos nossos mundos.

Anónimo disse...

Profundo demais pra ser compreendido a um olhar nu. Forte demais.
Perfeito demais para ser comentado.
beijo enorme...

ARN disse...

Nestes momentos sinto-me quebrada,porque te percebo e sei que nada posso fazer, a não ser ficar a ver e sorrir quando for preciso. Confia, entrega-te mais a actos de fé e sê feliz suportada por uma força que nem sempre se explica e compreende.Bj*