23 julho, 2006

No vale do semblante.

Semelhante a um manual de instruções. Por fases, seguindo uma de cada vez, com cuidado, com se’s. Como num manual de instruções também há momentos em que não percebemos o que nos indicam, parece que algo não bate certo.

Folheio essas fases, embebida de inseguranças, de muita esperança, de sorrisos sinceros e transparência. Só disfarço as lágrimas, quando elas me atraiçoam. No fim de cada dia folheio mentalmente o que me trará o amanhã, a semana seguinte, o mês seguinte num fechar de olhos molhado, fraco e isolado.

Com o raiar de cada nova manhã correu nestas veias a tranquilidade, a vontade de subir àquele terceiro andar para lembrar a presença, o amor, o valor – e garantir que somos especiais, sem pretensões no entanto.

Aos poucos fui tomando a consciência do que tenho em meu redor de certo e incerto, de corajoso e cobarde, de prestável e impotente, de insignificante e imperativo.

Nunca duas velas do meu aniversário tinham sido tão partilhadas, tão amigas, tão fiéis. Sopradas ao sabor do lar, com a fragrância de um ar que se construiu pelas suposições e contrariedades do início, pela consciencialização das prioridades entretanto e pela consolidação dos valores com o passar do tempo. Os princípios que o quotidiano de uma Família faz emergir e que comandam as emoções com esta facilidade. Falo pelo Caranguejo que sou.

Depois de aquela cigana me agoirar o mal só porque não quis ouvir o meu futuro pela voz de uma estranha acabei por confirmar o que pressentia para este arranque de terceira década de Vida. A mudança iria envolver-me, essa que vira como um desafio e que agora ganhou contornos de protecção. Ou, na perspectiva contrária, de abandono.

Agora as dúvidas quanto ao desafio ganham novos argumentos – que desejava ardentemente não ter precisado de conhecer para olhar os anteriores com desdém. Pois enquanto nos movimentarmos, respirarmos e contactarmos tudo ganha viabilidade.

Agora as ausências adivinham mais dor. A saudade antecipada rouba a força, a coragem que nunca foi muita e até a vontade de ir. Um desafio que julgava enriquecedor soa-me agora, todas as noites, disparatado e irreflectido. Mesmo sabendo não ter nada a provar, a vontade de me pôr à prova oferece o seu espaço à vontade de saborear cada presença e companhia. Cá.

Custa, esta necessidade de abdicar de qualquer coisa. Custa conjugar o desejo sincero de estar por perto com a certeza de que quem está por perto deseja ver-me amadurecer lá longe. Custa pensar no motivo que me levou a crer que deveria ir. Custa mais agora pensar que falta tão pouco para sentir tanto a falta de quem fará sempre falta. Por se ter unido quando a surpresa nos surgiu como só ela sabe surgir.

Não gosto de clichés, não gosto do carpe diem, não acredito que viva mais por me concentrar no momento. Acredito sim que sofro mais, tão mais, pelo medo constante que nasceu comigo, este medo do futuro em todos os seus sinónimos.

A dúvida consome-me, o pânico aproxima-se e eu recuo. Como ultimamente tenho dito, não posso mais planear. Não tenho força nem experiência para isso. A Vida tem-me dito, nos últimos dias, que a Família, a Saúde e os Amigos são tesouros a acarinhar. E para isso precisava de estar presente. Para não sentir falta, para adiar a saudade, para ter onde chorar depressa, para estar segura e retribuir a dedicação que até hoje me foi dada.

Está a corroer-me este sofrimento de não saber o que será melhor.

E no fim, tal como num manual de instruções, ficam as hipóteses. Ou se consegue sem saber como, ou se persiste com a ajuda do tempo, ou se desiste.

8 comentários:

Anónimo disse...

Queria tanto saber dar-te uma resposta, mas também não sei, também tenho dúvidas e também sei que por mais que diga que te percebo isso não chega.
Faz o que o teu coração mandar, não te preocupes com o resto. Certo ou errado é o melhor a fazer, com certeza.
Vai tudo correr bem.
Beijinhos muito grandes

Anónimo disse...

Assusta-me ver um texto tão caracteristicamente teu. Deixas-me quase sem palavras de sentir que te conheces assim tão bem e cheia de felicidade de te sentir mais adulta, mais madura do que quando te conheci.
Tens tantas dúvidas e ao mesmo tempo, como um paradoxo, tantas certezas.
Partilho contigo essa paixão pela família. Tu sabe-lo. Afinal, sem ela, o que seríamos nós, Tana?

Deixo-te um grande beijo e um abraço apertado. Sabes que podes contar comigo para esses momentos em que o chão parece que falha e o que fica é um declive tão grande que nem os óculos de jornalista mais graduados conseguem vislumbrar solução.
Mas também sabes, tão bem como eu, o que vem sempre depois da tempestade...

Adoro-te tanto, miúda! Beijo enormeeeeeeeee***

ARN disse...

:(sem quereres estás a voltar ao antigo blog, na verdade nunca saíste dele. Tentamos sempre fugir desse antigo blog, mas não dá, porque na hora de escrever as amarguras, o sóbrio, a solidão e a nostalgia falam mais alto aos dedos que teclam. Mas como já te disse, gosto de ti assim. Nós somos pessoas ndo fernando pessoa. É este o nosso fado.Bj*

Caramela disse...

Não desistas... Nunca foste de o fazer.
Nunca te conheci assim, nem tu te conheces assim. Por isso sei que lutas, agarrada à esperança como sempre o fizeste.
És uma sonhadora e como tal sofres, mas também vives grandes alegrias.
Por isso aproveita o que tens agora, mesmo sabendo que amanhã não o terás e sofrendo já hoje por essa ausência futura.
Sofres por antecipação como sempre sofreste, mas vives como sempre aproveitando os poucos momentos que tens a certeza de ter agora...
Porque é isso que a ti te importa realmente, o agora.

Chicotadas disse...

Oi...já cá tou! vim logo "ler-te"...sabes, conselhos sao fáceis de dar, mas mesmo assim dou-te dois, tens de ir aos Açores (encontrarás naquelas ilhas perdidas no oceano algumas coisas que julgas perdidas em ti...) e tens de ir onde é suposto ires, não por o ser, mas pq o queres, pq precisas, pq te vai fazer bem...quem gosta de ti não te vai deixar ficar cá, por isso pinote!
um ultimo conselho, nao ligues aos conselhos que te dão, a vida é tua, decide tu...("gostamos da vida como ela é";)
um beijo "arejado"

Chicotadas disse...

és caranguejo e basta...;)

ANIMA-TE, vá!

Vida disse...

Minha querida, tantas verdades que aqui dizes..! A vida é feita de escolhas e, cm diz o Paulo Coelho, há momentos na vida em que surge uma oportunidade, para testar a nossa capacidade de mudança e a nossa coragem e, aí, não adianta dizer que ainda não estamos prontos..! A vida não espera, pequenina. E embora te pareça assustador deixar Portugal, com td o q isso implica, tenta pensar que estás apenas a ir viver A tua experiência de vida, a tua aventura, "o teu crescer". As coisas nunca são cm imaginamos, não penses tanto no depois, não sejas futurista. Além disso, nem toda a distância é ausência (há pessoas que vivem lado a lado que certamente estarão menos presentes na vida uma da outra do que tu o estarás na vida dos que amas).
Li uma vez uma frase que me disse muito: MAKE THE RIGHT (thing), NOT THE EASY! ;) Nem sempre o que parece mais certo a fazer e mais fácil é a solução correcta. Às vezes temos de abdicar do que mais adoramos e ir investir noutras coisas, ou até mesmo em nós, porque ao investires em ti, ao seres feliz por ti, estarás também a fazê-lo pela e para a tua família, para os teus amigos e para todas as pessoas que te querem bem!!! Quem te ama quer que vivas o que tens a viver e não suportaria nunca pensar que terias abdicado do que quer que fosse por ela.
Querida, não desistas! Tangerina que é Tangerina não baixa os braços, desistir não faz parte do nosso dicionário! Pelo menos enquanto acreditamos nas coisas e sei que acreditas nisto. Não vaciles, sim ? "LET´s grow up? O que tem de ser tem muita força". Lembra-te sempre das tuas palavras que agora torno minhas!! :)
Um beijinho cor-de-laranja, estarei sempre aqui para ti. Força!

Anónimo disse...

Quando puderes, numa noite limpa, olha o céu estrelado, de preferência num sítio bem afastado de qualquer centro urbano. Depois pensa melhor se vais estar assim tão longe quanto parece! ;) Isto, claro, admitindo que é a distância física que temes...
um gaijo tão caranguejo quanto tu :P