
É inevitável ouvir as conversas alheias enquanto me visto no balneário de um ginásio. Duas senhoras de meia idade, encasacando os seus padrões burberry e outros quadriculados, antes de tratarem as suas poupas na zona dos secadores, falam sobre “a vida”. A mais faladora (nestas situações há sempre uma que fala mais e mais alto, tanto que o que a outra disse passou-me ao lado) começou por dizer “não tenho obsessões na vida”. Do pouco que percebi, achei a senhora descontraída e sem razões de queixa. “Continuo a viajar e a passear como quero”, diz ela. Pouco tempo depois, conta à sua dialogante, que não deve conhecer há muito tempo, ter-se casado três vezes, a última com 49 anos.
Não ouvi muito mais, para pena minha, porque ainda tinha de arrumar o saco e ela foi para os secadores. Fiquei curiosa quanto à vida da senhora.
Mas com isto tudo, porque eu não gosto de me limitar a ouvir, pus-me a pensar. Há quem diga que não cometer excessos de vez em quando faz mal a si mesmo, não aproveita bem a vida. Outros dizem que fazer as coisas com moderação permite-nos conhecer um pouco de tudo de uma forma saudável e enriquecedora. Pois eu acho que a primeira hipótese faz mais sentido. A segunda parece soar a projectos inacabados, a querer provar sem nunca saborear até ao fim, sem aprender com o arrependimento de ter exagerado, sem, enfim, matar a curiosidade, seja de que tipo for.
Ainda assim, acho que não sou obcecada por nada. Claro, se não contarmos com a gastronomia. E talvez com os meus defeitos. Com as minhas indecisões ou a minha incapacidade de me decidir sobre qualquer coisa. E se não contarmos com Nova Iorque.
Tenho uma força implacável para criticar estas minhas incapacidades, ou a minha insistência para auto-incapacitar-me, que irrita tanta gente. Confundo-me propositadamente, ao ouvir sobre a vida dos outros, velhos, novos, ricos, pobres, portugueses ou patrióticos. Acho sempre que eles escolheram o caminho certo. É como em criança. Quero a boneca daquela menina, no instante seguinte tenho-a e nem olho para ela porque quero a boneca que a menina comprou a seguir. Gosto daquela camisola, gosto daquela casa, posso imitar, mas nunca fico satisfeita. Não, não é uma questão de o homem estar permanentemente insatisfeito com o que tem e o que é. É sim uma questão minha, porque eu vejo, efectivamente, os outros a fazer coisas tão simples e eu limitar-me a constatar que eles as fazem. Ou têm. Ou são assim. Olho, assim, com os braços caídos, sem atitude.
O que tem esta reflexão egocêntrica (como sempre) a ver com as obsessões? Bastante até. Não sou obcecada por carros, nem por animais, nem por tabaco, nem por compras, nem por festas, nem por livros, nem por filmes, nem por pessoas. Gosto de saborear de tudo um pouco para poder lamentar-me que não conheço um pouco mais. Gostava de ser obcecada por viagens, se ainda viajasse, ou se já viajasse mais, ou se fosse obcecada por andar de avião, ou se fosse workohollic (uma obsessão, sem dúvida) de forma a semear fortunas, ou se não gostasse do meu país. Não, eu sou muito mais modesta. Queixo-me de tudo, prendo-me às pessoas q.b., não confio no meu futuro profissional, insisto em não me desenvencilhar com nada, e assim esquivo-me a poder dizer que sou obcecada por viagens.
Acho que a senhora do ginásio era obcecada por ela mesma. Queria fazer bem a ela própria e acabava por cair na descontracção de querer afastar as preocupações. Sem grande esforço. E assim viajava, ia ao ginásio com as amigas e até se casava três vezes. Assim é que é, minha senhora. Fico contente que goste de si dessa maneira. Sabe, eu também gostava de ser assim. Assim... como quem diz.
8 comentários:
Hummm...n acho bem?Vamos nós para longe e ficas logo assim tão pessimista srª dona débora...temos que nos chatear a sério estou a ver!!!Mau Mau!
Quero um post com alegria minha menina...alegria de viver:)
*Baci*
... ja sabes que penso, a catarina tb o disse... ja te esqueceste da nossa palavra de ordem?! ATITUDEEEEE!
Bjos do sol que fara td para iluminar (mm de longe) a vida da minha pequena!
meninas, mas este post não é assim tão pessimista!... raios, uma pessoa esforça-se e ninguém reconhece...
Reflexões desconexas:
-Lol, tá genial este texto.
-Cometer excessos é importante sim, mas viver um pouquinho de tudo, prendendo-nos q.b. a tudo,tambem!(mas eu sou suspeita)
-Faço parte do grupo das pessoas que se irritam com a tua insistência para te auto-incapacitares. Porque tu ao menos ouves, desejas, ambicionas, sonhas. queres melhor?
-As obsessoes nao sao saudáveis. à partida limitam-nos e cortam-nos outras possibilidades. (e obsessao por nós-próprios deve ser entediante)
-Porque não Buenos Aires ou Cairo, para variar um pouquinho?
-E o teu coelho, porque nao foi referido como uma obsessaozinha?
-jinhos até amanha
És excessivamente linda, isto dito moderadamente, claro;)
mais uma vez te invejo, por conseguires por em palavras o que alguns até podem pensar e sentir, nao o conseguindo...como eu.
Um beijo.
Opá.... e se nós gostarmos de ti assim???Pode ser ou não??
:)És tão auto-crítica!!!
Como sempre um óptimo texto, ao teu melhor estilo.
**Kisses**
Gosto das tuas obsessões, gosto das obsessões dos outros... Sou obcecada pelas obsessões dos outros.
Não é um texto pessimista, é um texto teu... Obsecado como sempre, não fosses tu assim... Obsecada pela vida dos outros, pelas conversas alheias que te fazem reflectir... Obsecada pelos males da vida.
Um texto teu sem dúvida.
Não, não concordo com o pessimismo que aqui foi escrito nos comentários, é mais do que isso...
É uma obsessão. Porque minha linda, tu és simplesmente obsecada por escrever sobre o que pensas.
e mais uma coisa...essa foto...este ano vamos tirar outra do mesmo sítio, boa? ;) beijão
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