Nasci em má altura. Não, não foi um acidente, planearam-me, mas nasci no conformismo da época. Não vivi a monarquia, não vivi os amores proibidos de carta de que falava há dias. Não vivi a primeira guerra mundial, nem a segunda, nem o tempo do Salazar, nem quando não havia computadores ou fotografias só a preto e branco, nem o 25 de Abril.
A minha geração nasceu com o nascimento do terrorismo. Aquele que ataca sem receio, que dispara contra o que vê à frente, por razões que evocam lá de um céu que eu não conheço. A minha geração foi educada, e as subsequentes serão ainda mais, de acordo com o Mal ao qual devemos fugir, o alerta que devemos domesticar dentro de nós contra os perigos e as ameaças de mãos dadas com a desconfiança.
Fazem-nos crianças para termos de perceber, lenta e apavoradamente, que o mundo da fantasia cor-de-rosa não existe de facto. Pior, temos consciência desta realidade quando damos conta que vivemos já no século XXI, o século do fim do mundo, o século de uma Natureza destruída sem tréguas, o século do 11 de Setembro, das infinitas e infindáveis guerras ocidente-oriente.
E então?
Então, a vida mantém o seu sentido. É preciso saboreá-la, seja de que forma for, custe o que custar. Com mais ou menos luz, esperança, crença, confiança ou vontade. Noutra época teria tido outros receios e desilusões em relação ao meu mundo! Se me calhou que aqui estivesse hoje, então devo fazer valer isso.
Não posso evitar, porém, que muitos caminhos me sejam vedados. Por opção, por inevitabilidade, por nunca ter pensado nisso, por receio ou autoridade. É sombriamente misterioso e turvo, demais para se poder confiar. Então fecho-me na minha concha, feliz por este lar dentro do qual posso aprender, escutar, imaginar. De alguma forma, viver. Daqui vejo o mundo, no pequeno ecrã, no jornal que leio, no livro, na rádio. Neste computador que me retira tempo para observar a paisagem que aqui tenho mesmo à minha frente. Poderia observá-la e aprender ainda mais. A diagnosticar as diferenças, a morte lenta da natureza, o céu como horizonte infinito a dar azo aos sonhos que digo ter.
Porque todas as pessoas são diferentes, mesmo dentro de uma só geração. Eu não vejo tanto quanto queria. Obcecada por esse caminho de uma vida de observações, eu limito-me a parar e a imaginar o lá longe. É uma pena. Eu vivo pouco, porque penso demais.
05 fevereiro, 2006
Então… Calhou
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3 comentários:
"eu vivo pouco, porque penso demais". Acho que sofremos as duas do mesmo "mal"! ;) Mas é uma questão de nos "educarmos" nesse sentido, de nos libertarmos dos condicionalismos que imprimimos a nós próprias... comigo tem vindo a resultar, plo menos, pq já fui bem mais assim do que sou hj (e ainda sou mt!).
Qto à época em que existimos, por muitíssimas vezes tb me sinto deslocada, mas parte de nós reiventar o que o mundo nos oferece e tirar partido até à última "gota"! :) É não baixar os braços, não conformar... é VIVER! * Beijinhas, querida!*
Seria pior se pensasses pouco porque vivias demais, parece-me. Porque o teu pensamento vai (há-de um dia, mais tarde ou mais cedo-quando te sentires preparada) levar-te a conquistar o Mundo.
E nesse momento nós, para quem és tão especial, vamos ficar nos bastidores a aplaudir-te e a ver-te brilhar nesta época apesar de tudo cheia de oportunidades...
Estás a construir as asas devagarinho. Vais fazer a diferença.
Não vives pouco, mas sim, pensas demais.Pensar nunca é demais, desde que não vivas pensando... Pensar pode levar te a mudar ou a tentar fazer algo para mudar a época em que vivemos, mesmo que seja apenas num circulo próximo. Pensa muito, e vive bastante. Só vivendo consegues pensar, e se pensas muito é porque vives também bastante. ;)
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