01 junho, 2006

Conversa de Criança

Sinto falta de ser pequenina para andar de baloiço,
de correr com os pneus e esfolar os joelhos.
Não me lembro das barbies, nem dos Onda Choc, porque isso era para a menina da minha irmã.
Eu fui o Joãozinho muito tempo, aquele que a minha Mãe quis.
Quando me cortou o cabelo à tigela e ficou feliz daquela forma,
não acreditei como podia aplaudir o meu choro desesperado...
Mas hoje sorrio com isso,
como sorrio sobre tudo o que invadiu a minha infância.
Criancices,
como a de ir de pijama para a escola por engano,
como a de conspirar com a Tatiana para guardar as couves do almoço no bolso da bata,
como a de ver na 4.ª classe o cinto encarnado dessa bata já todo podre,
como a de comer todos os dias um bolo de côco ou de açúcar... a 30$.
Criancice aquela de viver quatro anos no Externato do Parque,
de ainda hoje cantar as Olimparquíedas.
Era tão bom ter o material escolar cor-de-rosa e aprender a ler, a escrever, a desenhar,
a cantar o "A B C" em inglês com a Julieta.
Gostava de ser chamada para encher a garrafa de água da Ester,
de ir ao caixote do lixo afiar o lápis.
Gostava de usar fato-de-banho, fitas no cabelo, roupa de todas as cores,
misturando bolas, riscos e quadrados.
Via na minha Mãe uma criança que fazia de nós os seus nenucos.
Delirava de pânico quando a minha irmã se fingia de morta,
Estremecia à espera do Pai Natal,
Gostava dos mimos da Irene,
Adorava as festas de anos, de levar para casa o saquinho com balões e guloseimas.
Era triste fazer anos no Verão e nunca ter uma festinha parecida.
Uma vez obriguei a minha Mãe a preparar uma festa para o feriado 5 de Outubro,
telefonou e comprou e cozinhou tudo na véspera.
Lembro-me do cesto do lanche,
Lembro-me de não me lembrar da correria dos meus Pais para terem a certeza
de que as "filas" estavam sempre bem.
Ainda gosto de bater na minha irmã, de lhe puxar os cabelos,
(e ela a mim, claro).
Tenho saudades das bolachas Bonne Maman ao pequeno-almoço,
Tenho saudades do "fato-polícia" do meu Pai,
de quando se desculpava por chegar tarde, "filha, estava nos tostões".
Gostava dos meus hamsters, piriquitos, da Bolinha porquinha da índia,
Gostava de programar as minhas férias num papel colorido,
de desesperar por não conseguir aprender a ver as horas.
Gostava das Belinhas, as melhores bolachas de chocolate de sempre,
de jogar ao elástico e ao macaquinho-do-chinês.
Tenho saudades do Porto Covo dos meus quatro anos,
da Marina de Vilamoura dos meus seis.
Tenho saudades dos caracóis no meu cabelo,
do meu sorriso traquina,
de brincar na Gulbenkian,
da sesta na creche.
Sinto falta do muro à minha volta,
da minha ingenuidade,
de não precisar de saber.
Hoje não recebi a minha caixa de lápis de cor Caran D'Ache,
mas tenho-a aqui para sentir que o dia 1 de Junho ainda é para mim.

Um beijinho a todos os que foram crianças quando eu fui e que se identificam com estas palavras.
Um dia destes brindaremos com vinho e carro lá fora
a esta passagem cruel do tempo...
...Embora eu ainda seja uma bebé-bolacha!

6 comentários:

Anónimo disse...

Ai linda também tenho saudades... Não da sesta na creche porque nunca gostei, mas dos bolos de açucar, da venda de Natal, da bata, de tanta coisa.
Mas como sabes, continuo a ser uma criança e gosto assim. Gosto de fazer anos e festejar com goluseimas, gosto de peluches e de lhes dar nomes, gosto deste dia e de dizer que ainda é meu.
Beijinhos fofos:)

Chicotadas disse...

Txi...belo regresso ao externato, este. Eu chegava ao carro e o meu pai perguntava "Como foi o dia? o que fizeste?" e a resposta não variava muito, tanto que hj ainda é ele que me conta isto "Picotaaagem, colaaagem, leituuura...e casinha de bonecas!" ah pois é, mas fazia sempre do homem da casa...lol
Nunca mais sujei as mãos com os pneus e tenho saudades sim...
Nunca mais escondi gomos de maçã na bata...
Acho que nunca mais rezei à mesa...
Acho que, por outro lado, nunca me irei esquecer de um único dia dessa minha infância...
Obrigado...ó Tana!(alguma vez diria isto a alguem da turma da Ester, ui ui!)

Catarina disse...

É a frase típica, mas todos nós temos um bocadinho de criança, um sentimento de inocência que às vezes nos quer fazer acreditar que tudo vai acabar da melhor maneira...
Também tenho saudades de ser pequenina, de correr atrás do nada, de sorrir por sorrir à parva (se bem que ainda hoje isso me acontece), de não ter preocupações...
Enfim, todo este texto está lindo demais para precisar de ser completado!
Adoro-te minha (e de mais alguns) bebé-bolacha :P

Anónimo disse...

...o melhor de tudo é saber que ainda ha em nos um pouco dessa criança...que brinca, que ri, que chora...por nada!só pq é ingenua, pura e simples!e mesmo que escondida pelas responsabilidades, horarios, trabalhos no fundo, bem no fundo ela continua lá...
E se calhar a nossa função como amigos é puxar cá para cima o sorriso de criança em cada um de nós...
beijo muito grande minha gulosa
ps...acho que foi o comment mais longo que eu ja escrevi...influencias da minha escritora preferida!!

ARN disse...

Que chatice miuda...logo hoje que estou estupidamente nervosa e sensível!...Fiz uma viagem à minha infância e até te digo que usei penteados mais estranhos que os teus, mas porque EU queria :% E até apanhei piolhos e fazia coreografias com as músicas dos onda choc, e mordi à minha irmã até fazer sangue, e adorava distribuir os pacotinhos de leite pelos colegas da classe, e quando a senhora professora se atrasava iamos lá tocar à campainha dela, e jogava à passadeira, fazia um mega monte de estalinhos aos quais, com a carolina, pegava fogo e matava uma geração de formigas, e cortava o pelo aos peluches e às barbies, e ensinei uma ovelha (que o meu avô tinha) a marrar nos estranhos, e comia rebuçados floco de neve sem parar, tinha medo do índio do Tom Saweyr, e tinha pavor de não ter amigos quando ia para um sítio novo, quando o meu tio me chamava trequelimeca e me atirava violentamente (achava eu) ao ar, quando adorava ter os dentes a abanar para os poder rodar até a linha ficar tão fraca que os puxava na boa, que quando mal olhavam para mim eu ficava completamente envergonhada...

Vida disse...

Que saudades desses "oculos cor-de-rosa".. dessa infancia que partilhamos lado a lado, parte no mesmo lugar, com as mesmas lembranças, sem saber..! ;) Obrigada por este momento bonito!
Um BEIJInho XL e q sejamos sempre e para sempre (essas) crianças.. *