08 janeiro, 2006

Unidos na fraqueza


É o último dia deste ano em que ela está acesa. E a primeira vez que a vejo acesa aqui, no meu refúgio. Já é novo ano, um igual ao anterior, que pouco me faz reflectir. Porque o fim do ano que agora acabou ainda me está na memória. Nada mudou. Está tudo presente demais, até.

Um presépio em frente a uma árvore iluminada e a luz de ver o que ela transmite. Ou pode transmitir. Ou poderia ter transmitido.

Para mim, o Natal que passou e que ainda não esqueci não era mais do que a celebração de uma união muito particular. Uma união que nunca existiria senão entre duas pessoas que se conhecem, se amam tal qual como são, que se compreendem e se defendem. Para lá de todos os insultos. Aquela entre aqueles que mais amo, a quem mais devo e agradeço, a quem desejava uma celebração mais merecida. Fiz o que pude, mas fui atirada para um poço de egoísmos e intrigas sem fundamento a que quase ninguém escapa hoje em dia. Família. Não consegui ter forças para tirá-los dali e fazerem abraçar-se com a força com que o fizeram depois de os convencionalismos o terem permitido. Depois de tudo tentarem para inverter o cenário. Não consegui, porque nunca mo deixaram, porque a tudo, sempre e com revolta minha me pouparam.

As luzes cintilantes da minha árvore, no meu refúgio silencioso e transparente, contam-me que a família é assim. Brilha forçada e automaticamente nas datas que assim o exigem. Hoje sei que ela teve esta data mais escura, qual árvore que abandonámos durante todo o Dezembro que já terminou.

Egoísmo não é pensar que só este refúgio me faz sentir em casa, mas sim ver como não me fazem, a mim e aos meus, sentir em casa noutro lugar. Talvez porque não saibam o que é sofrer a demora pelo erguer de um lar como este, que é o nosso tesouro e que vemos imitado até ao mais ínfimo pormenor, como o fruto de uma inveja orgulhosa. Egoísmo é tudo o que encontro fora deste refúgio, o único sítio onde tudo me é naturalmente claro. É tudo aquilo que as pessoas pensam não ver, iludidas com o que as tradições as obrigam a fazer. Egoísmo é acharmo-nos só "nós os quatro", mas também, mais gravemente, só "nós os três". Sentir-me-ia melhor, mesmo que longe dos quatro, se tivesse estado junto daqueles que não têm nada - nada que lhes permitisse ser egoístas. Pelo menos sei que não haveria lugares vazios na mesa, pois só lá estaria quem o pretendesse de livre vontade. Não, não estou melhor sem os meus, pelo contrário. Só quis estar ali para protegê-los de quem não queria que eles ali estivessem. Pois pelo que vi não quiseram.

Não reflicto. Apenas lembro, com esta clareza cruel, aquilo que fui obrigada a viver. Mas como todos os maus momentos, também com este eu aprendi que não adianta forçar a lágrima a não cair, não adianta evitar o curto-circuito já tão adiado, nem adianta vendar os olhos (ou deixar que mos vendem) para fingir que não sei o que sempre existiu.

Senti os meus princípios à flor da pele. A defesa daqueles que mais estimo, a revolta interior contra a injustiça e a ingratidão! e, ainda assim, a esperança num clima mais luminoso, que uma noite e uma mesa convenientemente decorada fizeram esvair-se. Contive-me, acreditei que não era verdade, que não era desilusão, sorri, procurei a calma, em mim e nos outros, chorei feridamente por dentro e assim o quis, forçando-me a viver aqueles minutos intermináveis como se pudessem ter o final feliz que não tiveram.

Senti o princípio da Família, presente nos injustiçados (e mais bem intencionados) e ausente dos anfitriões acusadores. Senti que não adianta incutir o espírito em quem não nasceu com ele, ou não o apreendeu devidamente.

Olhei para uma criança da mesma forma que vi os que já sabia que (não) iam sorrir para o quarto de século de união que, a partir deste Natal, se tornou o meu orgulho eterno.

Desenganem-se. As mais novas e mais poupadas são as mais esclarecidas, que agora sabem já ver e ouvir aquilo que os "mais grandes" sussurram e ditam entre linhas.

Para mim, tal como as luzes da minha árvore brilharam sem eu ver, também o meu Natal brilhou menos do que queria, do que esperava, do que merecia, do que fazia sentido ter brilhado. Havia tantas razões para isso. Apenas não conseguimos juntá-las. Assim só brilhou, e brilhará para sempre na memória, o ouro branco de duas peças que, tão escondidas, sabem exactamente o que sentem uma pela outra. Para lá de qualquer data ou (in)conveniência.

O meu Natal foi tão turvo quanto este texto.

6 comentários:

Catarina disse...

Só tu sabes bem o que sentiste nesse teu natal "turvo como o teu texto".
E para mim, basta me ler que te compreendo mais um pouco, que descubro em ti mais um pouco daquilo que, por vezes, queres libertar mas não sabes como (ou falta qualquer coisa que não sabes o quê).
Procuro entender esse teu texto triste. Mas é como já escrevi, só tu o vais entender. E é isso que te vai fazer bem.
Delicio-me a ler o que escreves de forma tão simples e tão profunda.
Quero continuar a "ouvir o que procuras libertar" para que, quando chegar o dia, eu te possa confortar e ajudar a que te libertes ainda mais.
Estou aqui. Mas esse mundo é só teu. Cabe-te a ti saber lidar com ele, com os seus difíceis obstáculos, com as invejas e as frustações.
Cabe-te a ti enchê-lo de brilho, de partilha. Eu sei que o fazes bem. *

Anónimo disse...

Fiquei triste ao ler o teu texto triste...
Mais uma vez alguém me disse (desta vez tu) que este Natal não tinha sido tão feliz, que tinha tido menos sentido ou que já menos significava.Porquê??
:(
À parte o conteúdo, volto a reiterar, e porque entramos num novo ano, que só tu sabes fazer isto tão bem!
Beijinhos***

Caramela disse...

Tu sabes o que penso do Natal... É, supostamente, a época da família, mas os "stresses natalicios" retiram essa beleza da época, deixando o Natal "turvo como o teu texto"... A época tornou-se indefinida, cinzenta, estranha...
Por vezes é uma época alegre, como se desejava, mais do que se desejava ou um pouco menos. Outras vezes é uma época triste... O teu, neste ano que passou, foi menos bom, digamos assim... Não sei exactamente porquê, não me compete saber...
E apesar de a memória deste Natal com pouco significado ainda ser recente e de este ano ter existido uma data especial anterior à época, não passa disso mesmo, uma memória. Junta esta ás outras, de outros Natais mais alegres, mais sentidos, mais signigicativos, e aproveita este fim de época natalicia para criar novas memórias de novos tempos que agora começam. Sei que sabes fazer isso bem. Sorri e "desturva" a cabeça e o texto! Boa sorte! *

mj disse...

:(
Já passou...

Mas acho que o objectivo do natal, no fundo, até foi cumprido: nao serve ele para reforcar os lacos com os que mais amamos? :) "unidos na fraqueza".

Beijo com muitas saudades...

Anónimo disse...

Miúda:
Só para saberes (e te lembrares) - porque às vezes nos esquecemos da verdadeira essência, daquilo que realmente interessa - que descobri, mesmo agora, em certo arquivo-mais-do-que-quase-esquecido-pelas-partes-implicadas, que és "...tudo isto...como o sorriso de uma lágrima.".
ah, e para nunca te esqueceres que te adoro muito. Muito mesmo. Adoro-te.
Beijo enorme e abraço muito, muito apertado

Anónimo disse...

Como eu gosto muito de pensar, o que não nos mata, torna-nos mais fortes! Não te matou e se calhar fez-te ver que, mais do que natal, há coisas que realmente importam na nossa vida! Mais importante do que as convenções é podermos estar com aqueles que realmente nos amam! No teu caso isso não aonteceu da melhor maneira, mas acabou por acontecer, não fosses tu fruto de uma união entre duas pessoas que realmente se amam! Bjinhux! Gosto de ti!*