O fim do mundo

« Uma mulher discute com a amiga uma conversa entrecortada de apóstrofes e outras indignações.

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Ninguém, na azáfama do regresso a casa, parece preocupado com os magnos problemas da filosofia e da religião, quem sou, para onde vou e o que faço aqui.

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Não seria bom pararmos para nos interrogarmos, não agora pelo menos, quando o 38 está a chegar (...).

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E o mundo sentado na sua poltrona fica a saber das duzentas, ou quatrocentas, ou seiscentas crianças que o terramoto apanhou dentro de uma escola.

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E o mundo fica a saber (...) do tsunami, da explosão, do carro armadilhado, do inocente assassinado, da onda de choque, da derrocada, da multidão desenfreada.

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Não é o que se sofre e como se sofre, é o quanto se sofre.

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A guerra do Iraque podia ser narrada assim, em números diários atirados para o rodapé dos telejornais.

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Como se cada cadáver que se juntasse à notícia lhe conferisse uma qualidade especial, e nos poupasse a nós, os felizes que deambulamos no anonimato da estatística.

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Os sobreviventes não nos interessam.

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A vida segue igual até ao fim do mundo. »

Clara Ferreira Alves