Ouvem-se gritos entre os membros da família que dirige o bar, a discutir sobre as mesas que falta servir. Rapazes com boné na cabeça atravessam a esplanada a correr, sem nada fazerem para repor no lugar as cadeiras que desarrumam. “É isto que me atrai”, diz esta estudante de Ciências da Comunicação. “Estes pequenos grandes quadros que espelham a sociedade. A pobreza, a ausência de oportunidades educativas que estas pessoas tão bem transparecem. Mas também gosto de me pôr a analisar o Mundo na generalidade, obviamente de forma modesta”.
Débora é uma jovem de vinte anos que tem como objectivo lutar para alcançar um lugar no jornalismo. Acredita que o curso seja um bom passaporte para esta profissão. Daquela espalanada, o horizonte que visualiza fá-la relembrar esse esforço, que persiste desde a infância. “Na altura em que ainda não tinha sequer entrado para a escola primária, dava por mim a riscar com imensa raiva um quadro a giz que os meus pais me tinham dado para desenhar”, conta, remexendo uma caneta entre os dedos. “Queria fervorosamente saber escrever, porque me fascinava a imagem que tinha daquelas linhas com palavras de letras arredondadas”. O gosto pelo prática jornalística não tardou quando, num dia dessa infância, numa viagem de carro por Lisboa em hora de ponta, Débora ouviu o seu pai falar sobre a azáfama que lhe está associada.
O tempo e a experiência rapidamente fizeram com que esta estudante se apercebesse dessa dinâmica de trabalho que a sua aspiração exige. A confrontação permanente com o pai, que hoje a aconselha a procurar oportunidades além-fronteiras, é o seu grande quebra-cabeças: “Com a crise que tem desgastado o nosso país sou obrigada a pensar que mais facilmente tenho sucesso lá fora, mas não me imagino longe das raízes que aqui criei a todos os níveis”, lamenta.
A família que tem e aquela que gostaria de construir um dia, assente numa rotina saudável choca com a sua vontade de contar histórias de vida de pessoas que vivam noutras culturas. Pesa também o facto de ter estudado em colégios católicos durante doze anos, o que incutiu nela um espírito de entrega e de sensibilidade que admite ser um entrave ao espírito aventureiro. “Costumo autodesignar-me de diletante, porque a minha vontade de executar coisas concretas fica apenas pelo papel, na maioria das vezes. Parece que não levo a sério os meus próprios desejos, ou então estou precisamente à espera que o tempo me ensine a «sair da minha concha», como costuma dizer o meu pai”.
É esta luta contra a sua própria resistência que move Débora hoje a tentar efectivar alguns anseios. A blogosfera e a aprendizagem de novas línguas fazem-na sentir-se mais perto do sonho de um dia ver a sua crónica publicada, por exemplo, na revista Única do jornal Expresso. Adorou as duas viagens que fez aos Estados Unidos, uma à Florida, outra a Nova Iorque, pela impressão de imponência que o poder americano provocava no espírito de uma criança em crescimento. Adoraria repeti-las hoje, para então ver tudo com um sentido crítico mais apurado.
Não há nada mais aliciante na vida desta jovem do que olhar para um quadro do seu quotidiano e imaginar como poderia escrever sobre ele. Diz mesmo que é sua frustração não conseguir manter uma conversa com alguém ou meramente passear na rua sem tomar atenção ao modo específico como as coisas e as pessoas se movem. “Adoro ir no metro e descrever mentalmente o passageiro que segue à minha frente, ou apreciar o silêncio de uma carruagem apinhada de gente”, relata, com um brilho entusiástico nos olhos castanhos. “Mas também gostava muito de conseguir quebrar esse silêncio e encher aquelas pessoas de perguntas, de ouvi-las falar das suas vidas, especialmente aqueles que parecem mais sozinhos, como os pedintes. Sei que nunca terei muita coragem para isso. Então habituei-me à ideia de escrever sobre aquilo que observo em silêncio”. Fica a esperança de, um dia, chegando sozinha à América, ter coragem para investigar tudo o que observou na idade da inocência.
Débora vive os seus anos académicos a sonhar com alguma estabilidade na vida incerta que se lhe avizinha. Acorre muitas vezes àquela esplanada para saborear um bom peixe grelhado com a família. Horas depois escreve sobre aquilo que vê: a nacionalidade dos empregados, o grupo de jovens que por ela passa a dizer palavrões em voz alta, o surfista que não olha senão para o mar, as gaivotas que afluem à beira-mar quando os pescadores recolhem as redes cheias de peixe. Sente inveja dessas gaivotas quando olha o horizonte e alimenta aquela vontade de atravessar o Atlântico, para um destino onde possa amadurecer as suas observações. “Queria ser como elas”, suspira a jovem. “Voam por este mar fora à procura de peixe, mas fazem do seu ganha-pão um conhecimento aventureiro do mundo, sem por isso precisarem de se afastar dos seus companheiros...”
Para contrariar esta quimera, é na racionalidade que procura soluções viáveis. Embora ninguém da sua família trabalhe na área da comunicação, Débora considera que a partilha de experiências profissionais não pode deixar de ser uma mais-valia. A irmã arquitecta, o pai engenheiro civil e sobretudo a mãe médica inspiram todos os dias a sua escrita com novas histórias para contar. É com o desejo de escrevê-las fervorosamente antes do fecho da edição do jornal que cresce a cada dia nesta estudante a vontade de dinamizar as suas ideias, para além do simples olhar e do canudo no final do curso – que tantos consideram suficiente para o sucesso profissional.
Assim como observa o mar que se estende diante dela, Débora fica atenta às oportunidades, na esperança de que uma gaivota a acompanhe até um destino onde possa viver do que escreve e então construir uma família feliz.
4 comentários:
Fogo, bom comó caraças (muito bem escrito, vá) mereceu a nota que teve e uns pontitos mais não era exagero! quero ver mais trabalhos cá
16??!!
Um belo dum 18, pelo menos...mai nada!
És linda!! O futuro do jornalismo em Portugal está assegurado :)
bjoka
ah! gostei tanto...
Como só tu sabes fazer!
Beijinhos muitos
Gostei muito mesmo deb. O problema é que depois não são pessoas como tu, com talento, esforçadas e trabalhadoras, que têm crónicas num dos principais jornais deste país. (Sim, estou a falar da Putinha - perdão - Pimpinha Jardim, essa grande idiota que não faz nenhum da vida, mas tem um namorado cuja mãe é directora de um jornal e por isso agora acha divertido brincar aos intelectuais.)
Temos de mandar mails e cartas de indignação para o Independente. Eles não nos vão calar, não é deb?
Beijinhos*
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