21 junho, 2007

Fins


2007




Um mês depois surge a mínima capacidade de comentar este grande marco. O silêncio nunca quis dizer indiferença. Apenas exige paz de espírito, um bem precioso nesta fase.


O sonho de ser jornalista foi semeado naquela viagem de carro com o meu Pai no trânsito de Lisboa. O prazer pela escrita, esse nasceu comigo, manifestava-se com raiva quando tinha quadros com giz e só podia desenhar, porque ainda não sabia escrever.


O esforço foi grande nos anos que se seguiram, Português A, e História, e Filosofia, e o que é afinal a Faculdade. Até que naquele dia de fim de Verão em 2004 soube que tinha "entrado da Nova", a tal que assustava com médias tão altas.


O encanto foi-se transformando em hábito e novamente em esforço. Linhas de maturidade acompanhavam as fases de exames, as aulas para cumprir horário, a arrogância dos senhores doutores. De encanto passou a realidade fria e triste, a boatos sobre quem já conseguiu dar um passo em frente, e como, com que cunha, com que factor "C".


Estávamos todos loucos quando escolhemos ser jornalistas, foi a linha de cada superior que por nós passou nos corredores brancos da Faculdade. A esperança em encontrar aulas práticas e mais interessantes foi crescendo e com ela a motivação para enfrentar as dificuldades daquela (ou desta?) rotina suja...


Não foram os melhores anos da minha vida, tenho de dizê-lo. Não senti o espírito, nem as paredes, e sobretudo não senti o conteúdo. "Só" os "amigos de curso". É no entanto compreensível. De uma Casa de ensino caí num mundo de hierarquias, de escassez pedagógica e caminhos fáceis.


Até que surgiu a possibilidade, o desafio, o medo (pavor!), a vontade talvez, a fuga com certeza: esse tal de Erasmus, que sempre subestimei, cruzou-se comigo e quando dei por mim tinha um bilhete de avião para Leipzig.


Inevitavelmente a Alemanha pintou de outras cores a imagem académica que eu tinha. Não há lugar para críticas ou para a arrogância típica dos ex-Erasmus no cliché "lá é que era bom". Mas parece-me quase ridículo dizer que tirei o curso em Portugal e vim à Alemanha conhecer outro sistema de ensino, porque não restam dúvidas que aprendi muito mais nestes nove meses do que em três anos na Avenida de Berna.


A competitividade entre jornalistas é universal. E acrescidas as particularidades deste povo, não posso negar que não se fazem amigos alemães em aulas de jornalismo aqui.


Mas aqui dão-nos voz (se sou alta, loira e de olhos azuis ou uma morena que vem dum tal programa Erasmus, não interessa), pedem-nos ideias, aqui os professores aprendem com as aulas que somos nós a dar. Aqui não se segue o caminho mais fácil, cada tarefa é tomada a sério. Não há lugar para vergonhas ao dizer que passámos o dia na biblioteca. Os Erasmus cruzam-se também naqueles corredores, apinhados de livros, depois da noite anterior em que todos saltavam e gritavam com as cervejas de meio litro. (Nestes momentos sente-se a intensidade de uma experiência como esta.)


Não há lugar para vozes tremidas na hora das apresentações. Mas houve lugar sim para a minha voz tremida, na primeira apresentação, sozinha. Os alemães não se oferecem para trabalhar connosco. Fazem com quem calhar, desde que seja o tema que lhes interessa. São independentes, não têm vergonhas. E então ali estava eu, numa sala de computadores, em frente a 20 alemães - daqueles que tomam atenção à aula toda -, com o meu Powerpoint corrigido por uma das poucas (mas grandes) amigas alemães, a dissertar nesta língua matemática as teorias do Jornalismo Online.


O tempo passou e as apresentações, obrigatórias, ganharam outro à-vontade. Muitos dos alemães com quem me cruzo nos seminários não precisam de nota, estão ali para aprender. E no entanto cumprem as avaliações com a mesma dedicação de quem precisa de um papel no final. É natural que canse, que não dê espaço para relaxar, que haja dias (há, de facto) em que este povo irrita pela sua seriedade. Mas aprende-se - e ganha-se já uma comichão levezinha de intolerância ao pensar no que estará para vir. Se ainda tiver de frequentar aulas no futuro, será difícil contrariar a tendência de aparecer 20 minutos antes de a aula começar.


Tantas diferenças podiam ser mencionadas. Tantas coisas diferentes aprendi. Projectos de Pedagogia dos Media a acompanhar crianças nas horas que passam nos Chats perigosos da Internet, simulações de conferências de imprensa, análise de filmes animados da Disney contra a propaganda nazi - frente a estudantes descendentes dessa geração.


Uma aprendizagem diária e intensiva.


Estava na Alemanha quando teve lugar a Benção dos Finalistas de 2007, o ano da minha Licenciatura. Nunca reconheci a tradição, mas longe pesam-se ainda mais as simbologias. E assim pude estar lá presente de alguma forma, na minha pasta com fitas em cor verde, azul, preta, branca e encarnada, escritas em português, inglês e alemão, elevada pelos meus queridos Pais - aqueles que sempre me incentivaram a fazer o que eu realmente queria.


Como sempre digo, o importante é ter a consciência das coisas. O caminho que escolhi pode não ter sido o mais sensato nos dias de hoje, mas há que procurar alternativas ao arrependimento. Sem tal desilusão talvez nunca tivesse partido naquele avião. E assim, inevitavelmente nunca teria a ambição que tenho hoje de atravessar mais fronteiras, aprender mais, agora que percebi que sou minimamente capaz.


Partir, lutar, aprender, idealizar o Portugal que nos consome na dicotomia entre desilusão e amor profundo.


Hoje é fase de fins, de balanços, de imaginações e muitos, muitos, inúmeros medos. Mas hoje também é dia de poucas exigências. Não me devo permitir pensar que os meus dias são rotina, porque são conquistas desde o dia em que aqui cheguei.


Hoje é dia de Obrigada. A todos os que acreditaram que eu conseguiria.


6 comentários:

Caramela disse...

E dia de Parabéns também, por tudo o alcançado.

Catarina disse...

Já sabes que me sinto tua companheira de Erasmus e como tal a frase que me diz mais é: "não restam dúvidas que aprendi muito mais nestes nove meses do que em três anos na Avenida de Berna". Como te compreendo...
Parabéns, xuxu!!! O país só vai ganhar com uma jornalista como tu!

Anónimo disse...

Felicitar-te é, nestes dias que vives, muito mais do que uma obrigação, uma saudável e respeitosa manifestação pela audácia e sabedoria demonstradas.
Apraz-me ler as linhas que escreves.
Se nos cruzarmos, dir-me`-ás "Olá" e devolver-te-ei a saudação com dois beijos. Porque um dia te conheci, porque nesses dias conversámos, ainda apenas às vezes, "observo-te" agora com apreço.
Parabéns pelas palavras escritas, felicidades para os tempos dífíceis que se seguem.
Não são as palavras que escreves que te enaltecem, mas a combinação que delas extrai quem as lê.

Simplesmente alguém

Anónimo disse...

Uma visita há muito adiada a este teu espaço e deparo-me logo com a kridinha que há tanto tempo não vejo..!
Como eu te compreendo..não pela parte de erasmus (que não vivi), mas pela sensação de medo e, ao mesmo tempo, de conquista, que agora sentimos!
Parece que o tempo levou de nós a melhor nesta etapa e que nem soubemos tirar dela tudo o q poderiamos..Mas ao mesmo tempo, é da memória disso tudo e da esperança em dias de sol que nos fazemos e nos tornamos aquilo que somos hoje!
Já agora, para quando uma nova viagem, mas desta vez mais perto, "quiçá" por terras algarvias?! prometo te esperar outra vez na estação de comboios xuxu ;)
PARABÉNS a nós!!
Bjinhos grandes***

ARN disse...

Bem, então fico feliz, porque eu acreditei! E qt ao resto é normal, tb tenho medo, mas ao msm tempo acho que este incerto é um desafio e isso agrada-me. Mas sim, tenho pena que este não seja mais um setembro daqueles que sabiam tão bem. Os setembro ganham um novo sabor, esperemos que continuem doces! :)Bj grande, minha miuda corajosa!

Anónimo disse...

De nada ;)