Não sabe exactamente se veio ou se simplesmente chegou. Está de passagem, é como uma turista que não pára de movimentar a cabeça à procura de todos os pormenores. Reflecte mais agora, sem dúvida.
Acorda no seu quarto novo, casa de sempre, os olhos semicerram-se com a demasiada luz que vem de fora. Mesmo com estores e cortinas. Um azul que ilumina a faz sorrir, para o qual poucos olham. É, sem dúvida que agora reflecte mais sobre essas coisas.
A pele está tão branquinha que nem lhe apetece usar óculos de sol. Os raios da Primavera que se anuncia batem devagarinho nas faces que ela tem esperança de ver ficar rosadinhas, como acontece com os loiros de dois metros lá do norte.
Sente-se longe desse “lá” mas em parte ainda lá está.
Eles, coitadinhos, têm pena de não saborear este “em casa” como nós. Estar em casa significa render, trabalhar, para nas férias apanhar o avião para um Portugal-destino-de-sonho. Dizem que sorrimos muito, não somos sérios e carrancudos como eles. Ela, no entanto, acha que muitos deles são mais interessantes do que muitos dos que vê por cá. Só depois de regressar reparou.
Num café, esperou 10 minutos até que uma senhora viesse em passos lentos perguntar-lhe “o que é que quer”. Nem sabe se ela chegou a dizer isso, porque antes disso desistiu e dirigiu-se a outro café. Esperou outros 10 minutos, tentando ser mais paciente, foi atendida mas claro que lhe perguntaram se arranjava os 2 cêntimos. Noutra proporção, é o lema deste país de “faça-me um jeitinho”. Não é como “lá”, não, em que a grupos de 50 pessoas fazem a conta separada para cada uma individualmente, com troco certo.
Lá, como chegou a comentar antes, o estudo leva-se a sério e as pausas para o café são curtas e rentáveis. Pois cá, mal se sentou num café, viu dois jovens sentados a conversar alegremente na companhia de livros de Literatura Contemporânea, ao lado de canetas às cores, do último Nokia, de um Marlboro e de óculos Vogue (a Vogue ainda está na moda?).
Exacto, ela já não se lembrava que era assim.
Também não se lembrava que não é possível ser peão em Lisboa. Encharcou-se nas poças do caminho, desviou-se dos carros estacionados em segunda e terceira fila, em cima do passeio, sem ordem nem hora de regresso.
As buzinas nem são o que mais a incomoda. O que realmente incomoda é o zumbido nos transportes públicos, diga-se, as vozes zangadas e críticas de todas as bocas em seu redor. Sentiu saudades dos alemães caladinhos nos transportes, cuja vida pessoal não precisa de conhecer através das conversas aos telemóveis. (Também recordou a importância extrema do telemóvel neste país cheio de dinheiro para os topos de gama de todas as gamas.) Talvez seja porque lá eles não têm do que se queixar. Um jovem que vive os seus primeiros 27 anos de vida a receber 150 € mensais do Estado simplesmente pelo facto de ser jovem, que paga 50 € semestrais de passe de transporte, que não se desdobra nas despesas de sobrevivência, um jovem que tem café, capuccino, chocolate quente e bolos totalmente de graça só para fazer o favor de se sentar a ler um livro numa livraria – um jovem assim não tem razões para se queixar.
Nem em todo o lado assim, é verdade, há pequenas crises em qualquer país, nós temos sol e eles não. Mas quando ela chega “a casa” e sente este arrastamento de quem só quer uns trocos ao fim do mês ou ambiciona ser despedido para receber um subsídio de desemprego ainda mais em conta; quando ela chega “a casa” e volta a ver a discrepância entre as mãos estendidas no Chiado e os óculos da moda mesmo ao lado; quando ela chega “a casa” em desespero para procurar a cunha que a deixe estagiar de graça num qualquer meio de comunicação podre…
…quando ela chega “a casa” tem vontade de voltar para aquela cidade fofinha e pequenina de onde veio, cinzenta mas com uma chuva menos chata, caladinha mas sem queixas, histérica apenas aos fins-de-semana mas com força de vontade de segunda a sexta…
…é assim mesmo que ela se sente, uma confusão na cabeça, uma perna em Lisboa e outra na Alemanha Oriental, fria, com frio, fachadas lisas, silêncio, ordem, reciclagem.
Está contente por saber que ainda volta, por saber que mais portas serão abertas lá do que cá, por saber que faz parte dos portugueses que querem trabalho e não emprego, que querem produzir e não cumprir horários. Está contente por ter percebido tudo isto em tão pouco tempo, o mesmo tempo em que tudo cá ficou na mesma, as mesmas OPAs, os mesmos sacos azuis, apitos dourados, os mesmos arguidos, as mesmas parasitas a preencher folhas de revistas 90% fotos 10% texto, as mesmas cunhas e os mesmos aumentos dos transportes públicos.
Está contente mas profundamente triste por não poder ficar cá. Cá, numa das cidades mais lindas que já viu, a cidade onde orgulhosamente vive desde que nasceu, a cidade da luz, da calçada portuguesa, das ruas estreitas, das colinas, dos eléctricos, dos estendais, a cidade do Tejo e do Fado.
Sei que vou torturar-me de saudades tuas. Mas desde já me desculpo, Lisboa, por saber que vou ter de viver muito tempo afastada de ti.
Acorda no seu quarto novo, casa de sempre, os olhos semicerram-se com a demasiada luz que vem de fora. Mesmo com estores e cortinas. Um azul que ilumina a faz sorrir, para o qual poucos olham. É, sem dúvida que agora reflecte mais sobre essas coisas.
A pele está tão branquinha que nem lhe apetece usar óculos de sol. Os raios da Primavera que se anuncia batem devagarinho nas faces que ela tem esperança de ver ficar rosadinhas, como acontece com os loiros de dois metros lá do norte.
Sente-se longe desse “lá” mas em parte ainda lá está.
Eles, coitadinhos, têm pena de não saborear este “em casa” como nós. Estar em casa significa render, trabalhar, para nas férias apanhar o avião para um Portugal-destino-de-sonho. Dizem que sorrimos muito, não somos sérios e carrancudos como eles. Ela, no entanto, acha que muitos deles são mais interessantes do que muitos dos que vê por cá. Só depois de regressar reparou.
Num café, esperou 10 minutos até que uma senhora viesse em passos lentos perguntar-lhe “o que é que quer”. Nem sabe se ela chegou a dizer isso, porque antes disso desistiu e dirigiu-se a outro café. Esperou outros 10 minutos, tentando ser mais paciente, foi atendida mas claro que lhe perguntaram se arranjava os 2 cêntimos. Noutra proporção, é o lema deste país de “faça-me um jeitinho”. Não é como “lá”, não, em que a grupos de 50 pessoas fazem a conta separada para cada uma individualmente, com troco certo.
Lá, como chegou a comentar antes, o estudo leva-se a sério e as pausas para o café são curtas e rentáveis. Pois cá, mal se sentou num café, viu dois jovens sentados a conversar alegremente na companhia de livros de Literatura Contemporânea, ao lado de canetas às cores, do último Nokia, de um Marlboro e de óculos Vogue (a Vogue ainda está na moda?).
Exacto, ela já não se lembrava que era assim.
Também não se lembrava que não é possível ser peão em Lisboa. Encharcou-se nas poças do caminho, desviou-se dos carros estacionados em segunda e terceira fila, em cima do passeio, sem ordem nem hora de regresso.
As buzinas nem são o que mais a incomoda. O que realmente incomoda é o zumbido nos transportes públicos, diga-se, as vozes zangadas e críticas de todas as bocas em seu redor. Sentiu saudades dos alemães caladinhos nos transportes, cuja vida pessoal não precisa de conhecer através das conversas aos telemóveis. (Também recordou a importância extrema do telemóvel neste país cheio de dinheiro para os topos de gama de todas as gamas.) Talvez seja porque lá eles não têm do que se queixar. Um jovem que vive os seus primeiros 27 anos de vida a receber 150 € mensais do Estado simplesmente pelo facto de ser jovem, que paga 50 € semestrais de passe de transporte, que não se desdobra nas despesas de sobrevivência, um jovem que tem café, capuccino, chocolate quente e bolos totalmente de graça só para fazer o favor de se sentar a ler um livro numa livraria – um jovem assim não tem razões para se queixar.
Nem em todo o lado assim, é verdade, há pequenas crises em qualquer país, nós temos sol e eles não. Mas quando ela chega “a casa” e sente este arrastamento de quem só quer uns trocos ao fim do mês ou ambiciona ser despedido para receber um subsídio de desemprego ainda mais em conta; quando ela chega “a casa” e volta a ver a discrepância entre as mãos estendidas no Chiado e os óculos da moda mesmo ao lado; quando ela chega “a casa” em desespero para procurar a cunha que a deixe estagiar de graça num qualquer meio de comunicação podre…
…quando ela chega “a casa” tem vontade de voltar para aquela cidade fofinha e pequenina de onde veio, cinzenta mas com uma chuva menos chata, caladinha mas sem queixas, histérica apenas aos fins-de-semana mas com força de vontade de segunda a sexta…
…é assim mesmo que ela se sente, uma confusão na cabeça, uma perna em Lisboa e outra na Alemanha Oriental, fria, com frio, fachadas lisas, silêncio, ordem, reciclagem.
Está contente por saber que ainda volta, por saber que mais portas serão abertas lá do que cá, por saber que faz parte dos portugueses que querem trabalho e não emprego, que querem produzir e não cumprir horários. Está contente por ter percebido tudo isto em tão pouco tempo, o mesmo tempo em que tudo cá ficou na mesma, as mesmas OPAs, os mesmos sacos azuis, apitos dourados, os mesmos arguidos, as mesmas parasitas a preencher folhas de revistas 90% fotos 10% texto, as mesmas cunhas e os mesmos aumentos dos transportes públicos.
Está contente mas profundamente triste por não poder ficar cá. Cá, numa das cidades mais lindas que já viu, a cidade onde orgulhosamente vive desde que nasceu, a cidade da luz, da calçada portuguesa, das ruas estreitas, das colinas, dos eléctricos, dos estendais, a cidade do Tejo e do Fado.
Sei que vou torturar-me de saudades tuas. Mas desde já me desculpo, Lisboa, por saber que vou ter de viver muito tempo afastada de ti.
10 comentários:
Adaptar-se,crescer e progredir na vida é saber pegar nas coisas boas que cada novo sítio nos ensina!
continua a pendular q t faz bem a saude, nomeadamente s for pos lados da rep checa ;)hehe
Que orgulho é este? só dizes mal e mal e tens orgulho? decide-te! Porque não ficas lá na Alemanha, se isto é tão mau?
se me decidisse não pendulava, sr/a. cobarde
ai. "Tudo o que sinto é, sobretudo, cansaço". (Mas quem é o anormal que deixa estes comments em anonymous... é tipicamente português, sempre a queixar-se, sempre irritado, mau-feitio!)hihi
Tem de reler (ou ler) o texto, quem se queixa e parece irritada com Portugal não sou eu...
Já na alemanha é tudo do bom e do melhor. Porque não vai também para lá, "arn"??
É bom ser portuguesa, e "tipicamente" ainda melhor!
Diz que lá as salsichas são boas!Amiguinho, não te enerves. E não penses que te vou tentar explicar alguma coisa.Não me apetece.
...Saudades...
belos argumentos...
Que bom conhecer estas duas realidades. Poder equacionar, amar, criticar, sentir saudade, "odiar".
O amor por um país é mesmo assim, mesmo com estes anónimos que não entendem, quiça pq não percebem sequer a realidade do país em que vivem.
Vai, sobrinha, aproveita tudo o que a Alemanha tem de bom. Aproveita o cinzentismo, o silencio, a proficiência, o orgulho, o saber, os cafés e os chocolates quentes. Tenta um estágio por lá...sempre com a saudade daqui, e sp sabendo que esta cidade cá te espera.
Beijos
tia tona
Como outra apaixonada por Lisboa e Portugal, sei o que custa vê-los por uns olhos mais maduros e sinceros. Temos muito que mudar por cá, mas só nós, os que realmente se interessam, o podemos fazer. E sei que o faremos.
Aproveita o que aprendes por "lá", vai fazer falta cá.
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