À quinta-feira entro em êxtase. Delicia-me fazer parte da Universität Leipzig. E particularmente nesta quinta-feira, quando o Sol de Inverno sob uns toques de nevoeiro se espalha lá fora, sinto que já devia ter descrito há um tempo como é exactamente a minha rotina académica por cá.
À segunda-feira começo por ter uma aula no Studienkolleg, o edifício onde se aprende alemão. A Aula é de Alemão para Ciências Sociais. A Professora é a Frau Tieg, uma mulher muito caricata, típica alemã, que tem umas contas a acertar com a moda e com tudo o que em geral é moderno. Só fala na DDR (República Democrática Alemã) e parece que ainda não vive no tempo do Euro. Mas é sem dúvida culta e esforça-se por nos pôr a debater (auf Deutsch, natürlich), temas de interesse geral para os alunos de várias nacionalidades que ali estudam História, Germanística, Estudos Europeus, Teologia ou Jornalismo (sou a única, como sempre). Fazemos normalmente uma espécie de fóruns porque em cada país a realidade é diferente.
Sigo a correr para o centro, onde me espera a única Vorlesung que visito (eles usam o verbo “visitar” para as aulas). Vorlesung, para os colegas FCSHianos, são as conhecidas aulas em que o auditório se senta a ouvir; aceitam-se atrasos e baldas (aprendi aqui um verbo importante: “schwänzen”, como quem diz fazer gazeta), mas igualmente para os FCSHianos importa referir que o Powerpoint, o microfone e o silêncio são regra. A aula é de Comunicação Política, onde Habermas é citado como cidadão cá da terra, o que não deixa de ser mais interessante. Em todo o caso aproveito o facto de ser a única cadeira em que só se marra para o exame final e por isso vou às aulas só recolher a assinatura e aproveito aquela hora e meia para despachar trabalho de outras cadeiras - no fim vou ver-me grega (ou alemã...), mas não vamos stressar já porque isso é só "para o ano". Naturalmente compreensível a inviabilidade de absorver Habermas, problema suficientemente grave, acrescida do factor “auf Deutsch”, que triplica a gravidade da coisa. Kein Problem!
À terça só tenho aula no Studienkolleg: Alemão em prática escrita. Não havia lugar na turma de nível intermédio, então armei-me em esperta e meti-me na turma de Alemão avançado e fico caladinha o tempo todo porque não percebo metade do que é dito. Mas não deixa de ser interessante: praticamos a escrita de comentários (por exemplo, de discursos melodramáticos de ministros americanos), protocolos, etc.
Quarta-feira é dia de seminário. Bases do Jornalismo Online – no edifício cuja fotografia foi publicada no fotolog mais famoso da blogosfera erásmica. Cerca de 20 alemães e a pobre Tuga sentam-se numa sala com vários computadores, onde assistem aos temidos Referats (as apresentações, para as quais não sou excepção: na próxima quarta é o meu dia, que ontem não houve tempo, sabem, eles entusiasmam-se tanto com as pesquisas que depois fazem Referats de meia-hora quando lhes pedem 20 minutos). Aprendemos as várias particularidades do Ciberjornalismo através dos Referats, cada um tem de escrever um artigo sobre um tema previamente distribuído (calhou-me “Erasmus na Europa de Leste”, vou entrevistar uma alemã que esteve na Polónia e já é jornalista), a ser publicado na Online-Magazin dos estudantes de KMW (Ciências da Comunicação). No fim do semestre ainda há um exame, por isso podem ver como eles gostam de trabalhar.
Tive a infelicidade de escolher um seminário que começa às 8 da manhã a uma sexta-feira. Sair à noite na 5ª, festas WILMA, noite de estudantes, é para esquecer (isto agora soou um pouco Pimpinha Jardim, mas juro que não me sinto a emburrecer por aqui). E apesar de acordar quando ainda é noite (bom, a maior parte do tempo aqui é noite, mas…!) vale a pena, porque Jornalismo Radiofónico é realmente interessante. Não basta ser seminário, ainda é designado de seminário-prático, o que significa que não dá propriamente para parar. Treinamos a pronúncia em estúdio (sim, nem os alemães sabem fazê-la, por isso imaginem a risota que não é verem a Tuga a tentar soar como uma locutora alemã: TOLL!), aprendemos como os textos jornalísticos para rádio devem ser redigidos, somos obcecados pelo chamado O-Ton (os cortes do que os entrevistados dizem para serem colados na peça), aprendemos a mexer no EasyCut, programa radiofónico por excelência e há referats, mas a Professora foi muito querida e livrou-me disso. Isto porque também temos de fazer individualmente 2 reportagens de quatro minutos. A minha primeira, sobre WILMA (sehr interessant) vou montar na próxima segunda-feira: mais um momento de riso se adivinha. Claro que tudo isto em alemão queima os meus neurónios, mas o senhor Rasmus, que ainda por cima trabalha para a rádio da Uni-Leipzig, dá-me uma mãozinha. [Aceitam-se pedidos de envio da reportagem que ele fez na abertura do Mercado de Natal em directo para a rádio, por telemóvel, ao meu lado no meio das barraquinhas. É muito giro viver o Jornalismo in loco, sobretudo quando a velocidade com que eles falam me faz confirmar que o alemão ainda me é muito inacessível!!]
E isto tudo para descrever a particularidade da semana que mais me delicia (em termos académicos, claro…): a Quinta-feira.
Um 9 Uhr arranca o seminário “Recepção de televisão pelas crianças”. Falamos da pedagogia inerente aos Media e apesar de ser uma cadeira mais teórica, a interactividade entre os 25 alunos (fora a Erasmusstudentin, que prefere ficar caladinha a tirar apontamentos) torna aquela hora e meia muito interessante. Com Referats, powerpoints e acetatos constantemente, a informação a absorver é mais que muita. Mas o que é mais interessante é que em cada Referat os alunos preparam uma selecção de programas televisivos (desde desenhos animados, telenovelas até blocos noticiários e Reality-Shows) a que assistimos e sobre os quais discutimos a partir da perspectiva das crianças. O Referat, no meu caso, será substituído por uma recensão (5 páginas, vá lá) sobre o tema em geral: "Warum die Kinder Fernsehen lieben?" Dá pano para mangas. E não acabou: no fim do semestre tenho de fazer um Hausarbeit sobre um tema específico. Hausarbeit, esse palavrão que inicialmente julgava ser um Hausaufgabe (o chamado TPC). Pois nada a ver: é mesmo um trabalho realizado em casa, em paralelo com a biblioteca e, no meu caso, com o meu dicionário. Tem de ter 15 páginas, o que em alemão, para mim, corresponde a uma tese de mestrado. A ver vamos.
Mas apesar de toda esta carga, a verdade é que saio daquele seminário com uma boa-disposição incrível. Hoje não apanhei o Strassenbahn (eléctrico) porque faço questão de andar todos os dias a pé pelo mercado de Natal um pouco. Mas uma regra mantém-se: passar pela Cafeteria, pedir o meu habitual Doppel-Espresso (que mesmo assim não dá a força de uma boa bica Delta portuguesa, mas é o que se arranja…), organizar a agenda, ler um pouco ou escrever o Diário Erasmus, sair meia-hora depois toda encasacada, apanhar o Strassenbahn, passar no supermercado aqui ao lado de casa, comprar um pãozinho, chegar a casa, fazer umas torradinhas e sentar-me na secretária a trabalhar.
[É verdade, passo muito tempo isolada; ossos do ofício de uma aluna Erasmus abandonada na área de Jornalismo. Mas digam lá que não gostavam de um isolamento assim?]

Agora, se me dão licença, tenho muito que fazer.