18 setembro, 2007

"O" dia: 16 de Setembro de 2006

Há um ano (o ano que fez há dois dias e que nao me deixou escrever mais do que duas linhas, porque depois de um ano acontece muita coisa e calhou trabalhar ao domingo)... há um ano acordei com a respiração acelerada, mas com uma calma que reflectia a falta de espaço para mais medos. Toda eu era pavor do que me esperava. A mala preta (a mesma citada há pouco tempo) estava encostada à secretária de madeira clara, ainda aberta, à espera que eu me lembrasse de mais alguma coisa "imprescindível para viver 5 meses".

Fiz um único telefonema. Aquele que me deu 99% de certezas de que a querida Catarina tinha sido colocada em Medicina. Lembro-me que esse foi o único momento em que me senti totalmente feliz naquele dia. Todos os outros eram metade medo, metade expectativa.

Fui tomar o pequeno-almoço à Versailles com os meus Pais. Tinha saído o jornal Sol nesse dia, pela primeira vez. Saboreei um croissant e um sumo de laranja sem a consciência de que tal coisa não me surgiria tão cedo na Alemanha.

Um dia de sol e calor. Trazia a mesma roupa que decidi vestir no último dia, o já nostálgico 27 de Julho de 2007. Também não tinha noção da saudade que o sol me traria.

Peguei nas malas, tantas. E fui para o aeroporto com Mãe, Pai e irmã. Não me lembro do que disse, mas sei que me saíam expressões do mais quotidiano possível, abafando avisos sobre bilhetes e passaportes, na esperança de me convencer que amanhã seria mais um dia em Lisboa.
Mas não. No tapete rolante do check-in, ao ver as minhas malas partir, percebi que estaria quase-quase a partir atrás delas.

Lembro-me do bolo de arroz que aí me alimentou para o resto do dia, se é que chegou a passar da garganta. E lembro-me da mesa comprida improvisada, com Família, amigos e Miguel, de onde se afastou a minha Mãe por instantes, no primeiro momento de aflição. Lembro-me de sorrir para querer convencê-los a todos que estava bem.

Um ano depois, a imagem da despedida de todas aquelas pessoas importantes, e importantes acima de qualquer distância, um ano depois essa imagem não descrevo, porque não se descreve.

Seguir "para trás do biombo" foi literalmente o momento da passagem para o lado de lá. O senhor do controlo de bagagem tentou acalmar os meus soluços com um "não fique assim triste". Hoje tenho pena de mim quando me lembro do medo que me assolava.

Partida para Palma de Maiorca, avião cheio de portugueses e espanhóis. Partida para Leipzig, avião cheio de loiros, branquinhos, caladinhos. Muitas horas de viagem, para pensar, ou não pensar de todo. Respiração acelerada, apatia, tudo junto.

Aterrei numa cidade escura, silenciosa e de pouca gente. A cidade que se tornou acolhedora, querida, palco do ano mais intenso da minha vida. A minha cidade.

Tive a grande sorte de ter a Clara à minha espera. A única morena que encontrei no tapete da bagagem, cheia de malas e portátil a tiracolo, chamou-me a atenção. "Deve ser espanhola", pensei. Dois dias depois cruzámo-nos na matrícula da faculdade e perguntámos em uníssono, para nos apoiarmos nos primeiros tempos, esses tão desafiantes: "Bist du portugiesin?"... "Sou!".
A Clara sorriu durante todo o percurso, durante toda a semana. Mas o que marcou mais foi aquela noite. Era sábado à noite, os eléctricos iam cheios de jovens divertidos. E eu, no meio deles, com centenas de quilos às costas, a tentar perceber aquela língua que soa a quem come tostas.

Rodinhas que pisaram os passeios da antiga RDA, até à Tarostrasse 12, quarto 537, que desde esse momento se tornou no espaço da maior prova que dei a mim mesma.

Em casa abri a mala preta. E nos dias que se seguiram, desfiz a mala, aos pouquinhos, até tudo estar cá fora.

Sabia lá eu que difícil seria voltar a enchê-la.

9 comentários:

Anónimo disse...

Uau. Que grande texto.
Sobretudo a frase: "e eu no meio deles, com centenas de quilos às costas, a tentar perceber aquela língua que soa a quem come tostas."
Lol!!! Consegues fazer rir e (quase) chorar no mesmo texto; gosto muito de te ler.
O resto, e o que eu senti naquele dia tu já sabes, e não é que importe a muita gente :P
Muitos beijinhos, Amiga.

Anónimo disse...

Miúda...não desvalorizando o texto completo e o significado que ele encerra (longe de mim) detive-me no - creio que - terceiro parágrafo! Afinal não engordaste assim tanto...vejamos: a roupa que levaste no dia em que foste...foi a mesma (segundo o relato pormenorizado) que trouxeste no dia do regresso...Vês?!! As evidências não mentem...é impossível teres engordado 10 kgs...IMPOSSÍVEL!!!

(aGORA VOU REGRESSAR SERENAMENTE E SEM SOBRESSALTOS À LEITURA)beijo e até jáaaa

Anónimo disse...

hum...afinal era no quarto parágrafo!!!bah...estou péssima...eu e mais a minha memória fotográfica e as treze horas que trabalho por dia (eu tinha de dizer ISTO!!)EHEH

Anónimo disse...

Miúda...Adorei as descrições...os pormenores com que descreves todos os passos...a atenção aos pequenos movimentos (o afastamento da tua mãe da mesa)...sabes que me identifico muito com esse olhar para as coisas..
Sou um bocadinho como tu...atenta a coisinhas...contadora de histórias..

Apesar de não estar cá quando partiste, fomos falando "passo-pós-passo"...partilhando experiências e vendo na outra cada bocadinho de rotina descolada a vivências saudosas...e cada apropriação de uma nova realidade..que passou a preencher cada bocadinho de dia...
Sabes como ninguém aquilo que foi o meu ERASMUS...porque também o viveste...(desculpa a convicção mas sinto-o tão profundamente que tenho de o afirmar!)

Gosto de te ver assim, tão sensível à realidade e tão receptiva ao futuro...Vamos emigrar?!
Espero que sim...afinal..."Miúda...até acho que nos íamos dar muito bem!"

GENAU miúda!!! Isso ninguém nos tira!!!

(sei que não fica à altura mas são tantos os pensamentos que me perco...:(...GOSTEI MUITO!)

Anónimo disse...

Minha querida, fico muito angustiada quando se fala deste medo em partir, porque fica-me um desespero colado por não ter dado mais um abraço, mais uma palavra. No dia em que saí da Aroeira, que entrei no carro, a margarida branca e a folhinha (que me deste de bónus por não poder ir ao aeroporto) tremiam na minha mão, porque eu sabia que se passavam mil coisas na tua cabeça, e não havia nada que eu, ou qualquer pessoa, pudesse fazer. A vitória foi tua. Em cada pormenor.

Anónimo disse...

"O" dia 16 de Setembro de 2006 foi sem dúvida dos dias mais "estranhos" da minha vida, daqueles em que não conseguimos ter bem noção dos sentimentos e das emoções...bem,em que não conseguimos ter noção de nada!!!
E digo isto porque por um lado não cabia em mim de contente e choviam mensagens e telefonemas que me davam os parabens por uma coisa que nem eu sabia ter conseguido, mas por outro sabia que vinha ai uma nova realidade, daquelas que assustam...especialmente porque aquele aeroporto ia levar partes importantes da minha vida!
E então quando estavamos na tal mesa comprida pensava que estavas quase a ir embora,que ninguem estava a dizer nada de jeito, só conversa de circunstância para preencher o desconforto que se fazia sentir...

Anónimo disse...

Estava preocupada sim,mas lá nos foste tranquilizando!!E hoje,ao fim de um ano sei que foi das melhores coisas que tu fizeste, por tudo!!
Só um pequeno parentisis, a Mariana tem razão, se conseguiste usar a mesma roupa não estavas assim tão mais gorda:)
Resta-me dizer que me sinto muito previligiada por ter sido a protagonista do único momento de
felicidade num dia tão importante na tua vida!E claro como a sintonia fala sempre mais alto,sendo importante para ti,tb tinham de inventar alguma coisa para ser importante para ti!!!
Beijinho grande da menina insensivel (escrever o que tu me chamas aqui era de mau tom!)

Unknown disse...

e lá estou eu a chorar como quando te deixei ir atrás do biombo...estou sem palavras para descrever o que sinto sempre que te leio mas uma coisa que vai crescendo sempre é a vaidade de te ter ajudado a crescer assim bonita por dentro e com essa capacidade de nos fazer recriar tantos sentimentos beijinho grande da tua.....lerdinha!

Anónimo disse...

a lerdinha helena disse tudo...
tona