05 dezembro, 2005

O turbilhão


A cabeça está saturada. Folhas, ecrãs, cores, telemóveis, teclas, livros, mais folhas.

Vejo-me a sorrir, a rir, a dar gargalhadas e a fazer os outros rir. Solto-me, dinamizo-"me" (tão caro!...), telefono, vou, falo, faço. Cheguei ao ponto em que até me esqueço das coisas.

"Gostamos de quem sabe o que quer. Gostamos da vida como ela é." Eu não sei o que quero. Aquela folha, naquele dia, disse-me que o que eu queria não era viável, que era desgastante demais. Naquele dia, aquela viagem ensinou-me que procurar as pequenas coisas é como procurar um tesouro. Perto de todos mas que ninguém abre. Porque não lhe interessa, porque lhe passa ao lado, porque não tem tempo para essas coisas.

O ruído urbano tem deliciado e saturado a minha cabeça. Choca aquele braço encasacado com o meu, a minha mala é empurrada do outro lado, o guarda-chuva ameaça alguns pés. Tocam-se as pessoas com alarme, tocam as buzinas, tocam os telemóveis, toca o alarme de fecho de portas dos transportes. Lá fora ou ali dentro ninguém se toca humanamente e todos soltam o olhar assustado para o acaso dos diferentes que mantêm a mais banal das conversas.

Não gosto de conversar. Nada me sai como eu quero, preciso da minha memorização provocada, observo os outros em excesso. E eu, não faço nada. Digo que fez, digo que não gosto que fez e nada digo para procurar voltar a gostar do que as pessoas dizem ou fazem. As pessoas, essas, sim, são essas que me estão a saturar. E no entanto elas vivem bem, sorriem e até soltam gargalhadas com a reduzida percentagem de espontaneidade que sai da minha boca. Não sou eu que tenho de me sentir saturada. Sei bem quem tem sido saturante aqui.

Revolta-me pensar no que se pensa à nossa volta, porque a cada dia se pensa menos, e quem pensa mais sai prejudicado. Herdei esta obsessão pela concretização, por esta minúcia que, a dado ponto, me enlouquece. E sei, contudo, que não concretizo nada, que penso em demasia no que o outro encasacado fez mal, que me orgulho da minha visão madura, que aponto críticas que sei fundamentar e que no fim da história não me gratificam em nada, porque limito-me a ver o que se passa em meu redor.

Se eu não pensasse tanto, talvez fizesse mais. Frustra saber que faria as coisas certas e não me mexer para fazê-las. Frustra demais. Entristece, enlouquece. Satura.

Preciso de parar. As minhas folhas e o som de uma qualquer máquina obrigam-me a parar de pensar, este pensar que hoje já é fazer, é fazer ouvir o que penso. Mas já é tarde, a cabeça pesa, fazer agora é desgastante. Pensar, tudo bem. Isso não sai assim de mim.

São mais folhas que me esperam. E muito mais do que folhas.

5 comentários:

Anónimo disse...

(e aqui vai mais um "sermãozinho")

Já te disse 1001 vezes que tens de descansar!Não há cabeça que aguente trabalhar 24 sob 24horas..sei q é uma espécie de teste que estás a fazer a ti própria(apesar de seres a única que ainda precisa de provas das tuas inúmeras capacidades). Mas talvez já estejas a exigir demasiado de ti. Afinal, Super-homens ou super-mulheres só existem mesmo na ficção.
Tenho certeza que o teu esforço vai ser devidamente recompensado e talvez no proximo semestre já te sintas o suficientemente realizada para ergueres um verdadeiro sorriso nessa carinha de boneca (pena que eu não esteja cá para o ver).
De qualquer modo, às vezes o sucesso não é tudo e também sei que mais tarde ou mais cedo vais acabar por percebe-lo...
Ai onde andas velha tana..i miss her..

mj disse...

uou...
Turbilhao é um bom título.

Desculpa olhar primeiro para a tecnica que para os sentimentos, mas esta um texto espectacularmente bem escrito...
Quanto ao resto, talvez precises simplesmente de olhar o sol e a lua mais vezes.

Beijos e again: andas a escrever MESMO muito bem, minha quase-jornalista preferida :)

doro-te, 14 dias!

Catarina disse...

Pois é, são folhas que nos enchem o tempo. Folhas que nos pedem mais e mais palavras. Mas a nossa missão é preenchê-las de vida, de histórias, de trabalhos, de sorrisos, de lutas, de choros, de partilhas. Para mais tarde podermos saber que deixámos uma marca. Sofrida e árdua. Mas a marca que nos distingue e nos faz ser diferentes.
Adoro-te miuda!

Anónimo disse...

Sei, sabes, todos sabem que é em grandes e "pesadas" folhas que se escrevem, as boas, as más, as grandes e também (não menos importantes) as pequenas histórias.
E que é através delas que a nossa história se vai construindo com altos, baixos, bons, maus, embaraçosos...momentos.
Porque a vida, como as folhas, as alegrias e as tristezas, as lágrimas e os sorrisos, as chuvadas e as tardes solarengas, como a pensamos, sentimos e concluímos...como tão bem o sabemos, não tem como não ser enriquecedora!
Mesmo que às vezes nos confunda ou teime ou insista em não parecer.

Beijos enormes

Anónimo disse...

Mais outro grande texto!!
Gosto da maneira como escreves e daquilo que dizes. E não é fácil conseguir conjugar essas duas coisas tão bem como tu fazes!
Não penses tanto...
(Desculpa o atraso do comentário)
Beijinhos grandes