
A cabeça está saturada. Folhas, ecrãs, cores, telemóveis, teclas, livros, mais folhas.
Vejo-me a sorrir, a rir, a dar gargalhadas e a fazer os outros rir. Solto-me, dinamizo-"me" (tão caro!...), telefono, vou, falo, faço. Cheguei ao ponto em que até me esqueço das coisas.
"Gostamos de quem sabe o que quer. Gostamos da vida como ela é." Eu não sei o que quero. Aquela folha, naquele dia, disse-me que o que eu queria não era viável, que era desgastante demais. Naquele dia, aquela viagem ensinou-me que procurar as pequenas coisas é como procurar um tesouro. Perto de todos mas que ninguém abre. Porque não lhe interessa, porque lhe passa ao lado, porque não tem tempo para essas coisas.
O ruído urbano tem deliciado e saturado a minha cabeça. Choca aquele braço encasacado com o meu, a minha mala é empurrada do outro lado, o guarda-chuva ameaça alguns pés. Tocam-se as pessoas com alarme, tocam as buzinas, tocam os telemóveis, toca o alarme de fecho de portas dos transportes. Lá fora ou ali dentro ninguém se toca humanamente e todos soltam o olhar assustado para o acaso dos diferentes que mantêm a mais banal das conversas.
Não gosto de conversar. Nada me sai como eu quero, preciso da minha memorização provocada, observo os outros em excesso. E eu, não faço nada. Digo que fez, digo que não gosto que fez e nada digo para procurar voltar a gostar do que as pessoas dizem ou fazem. As pessoas, essas, sim, são essas que me estão a saturar. E no entanto elas vivem bem, sorriem e até soltam gargalhadas com a reduzida percentagem de espontaneidade que sai da minha boca. Não sou eu que tenho de me sentir saturada. Sei bem quem tem sido saturante aqui.
Revolta-me pensar no que se pensa à nossa volta, porque a cada dia se pensa menos, e quem pensa mais sai prejudicado. Herdei esta obsessão pela concretização, por esta minúcia que, a dado ponto, me enlouquece. E sei, contudo, que não concretizo nada, que penso em demasia no que o outro encasacado fez mal, que me orgulho da minha visão madura, que aponto críticas que sei fundamentar e que no fim da história não me gratificam em nada, porque limito-me a ver o que se passa em meu redor.
Se eu não pensasse tanto, talvez fizesse mais. Frustra saber que faria as coisas certas e não me mexer para fazê-las. Frustra demais. Entristece, enlouquece. Satura.
Preciso de parar. As minhas folhas e o som de uma qualquer máquina obrigam-me a parar de pensar, este pensar que hoje já é fazer, é fazer ouvir o que penso. Mas já é tarde, a cabeça pesa, fazer agora é desgastante. Pensar, tudo bem. Isso não sai assim de mim.
São mais folhas que me esperam. E muito mais do que folhas.
5 comentários:
(e aqui vai mais um "sermãozinho")
Já te disse 1001 vezes que tens de descansar!Não há cabeça que aguente trabalhar 24 sob 24horas..sei q é uma espécie de teste que estás a fazer a ti própria(apesar de seres a única que ainda precisa de provas das tuas inúmeras capacidades). Mas talvez já estejas a exigir demasiado de ti. Afinal, Super-homens ou super-mulheres só existem mesmo na ficção.
Tenho certeza que o teu esforço vai ser devidamente recompensado e talvez no proximo semestre já te sintas o suficientemente realizada para ergueres um verdadeiro sorriso nessa carinha de boneca (pena que eu não esteja cá para o ver).
De qualquer modo, às vezes o sucesso não é tudo e também sei que mais tarde ou mais cedo vais acabar por percebe-lo...
Ai onde andas velha tana..i miss her..
uou...
Turbilhao é um bom título.
Desculpa olhar primeiro para a tecnica que para os sentimentos, mas esta um texto espectacularmente bem escrito...
Quanto ao resto, talvez precises simplesmente de olhar o sol e a lua mais vezes.
Beijos e again: andas a escrever MESMO muito bem, minha quase-jornalista preferida :)
doro-te, 14 dias!
Pois é, são folhas que nos enchem o tempo. Folhas que nos pedem mais e mais palavras. Mas a nossa missão é preenchê-las de vida, de histórias, de trabalhos, de sorrisos, de lutas, de choros, de partilhas. Para mais tarde podermos saber que deixámos uma marca. Sofrida e árdua. Mas a marca que nos distingue e nos faz ser diferentes.
Adoro-te miuda!
Sei, sabes, todos sabem que é em grandes e "pesadas" folhas que se escrevem, as boas, as más, as grandes e também (não menos importantes) as pequenas histórias.
E que é através delas que a nossa história se vai construindo com altos, baixos, bons, maus, embaraçosos...momentos.
Porque a vida, como as folhas, as alegrias e as tristezas, as lágrimas e os sorrisos, as chuvadas e as tardes solarengas, como a pensamos, sentimos e concluímos...como tão bem o sabemos, não tem como não ser enriquecedora!
Mesmo que às vezes nos confunda ou teime ou insista em não parecer.
Beijos enormes
Mais outro grande texto!!
Gosto da maneira como escreves e daquilo que dizes. E não é fácil conseguir conjugar essas duas coisas tão bem como tu fazes!
Não penses tanto...
(Desculpa o atraso do comentário)
Beijinhos grandes
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