Lá fora é tudo tão longe, tão difícil, pensava eu. Isso é coisa para gente grande.
Até hoje ainda não sei definir como é que eu também fui "lá" parar, mas acho que já desisti de procurar resposta. Foi e ainda é mágico por isso mesmo.
E agora que estou cá, "lá fora", tão longe, parece que não é nada de especial. Quando algo se conquista e se repetem conquistazinhas pequenas a cada dia, tornando a aventura numa nova rotina, parece que uma força idiota nos vai dizendo "vês?, não foi assim tão difícil" e por isso aquilo que eu via como inalcançável afinal já foi conquistado. Venha outra coisa.
NÃO, não é assim que deve ser. E ainda bem que me resta a lucidez para não deixar de valorizar cada dia que tenho deste lado. Seja na West ou na Ostdeutschland. Porque a verdade é que às vezes ainda bloqueio quando, nas arrumações do quarto, oiço vozes da cozinha que me lembram que na minha casa não há mais ninguém que fale a minha língua. A televisão que me ajuda a adormecer fala em alemão, as pessoas na rua falam alemão, tudo é estrangeiro à minha volta.
E é tão boa a sensação. Não só a de estar cá, mas sobretudo a de ter tido a oportunidade de voltar. Voltar a delirar com os escassos metros que separam a minha casa da paragem do autocarro, em que caminho com as mãos nos bolsos, a cabeça agachada, o vapor que sai pela boca a chocar com o frio. "Talvez neve este Carnaval, dão um grau para sábado, QUE BOM."
É proibido subestimar as conquistas diárias que aqui se têm. Mesmo que à minha volta as vivências de outros estrangeiros sejam semelhantes, porque na verdade elas cometem a mesma falha e sabem-no.
Estar aqui é um privilégio, e não me vou permitir nunca deixar de ser grata por isso.