2007

Um mês depois surge a mínima capacidade de comentar este grande marco. O silêncio nunca quis dizer indiferença. Apenas exige paz de espírito, um bem precioso nesta fase.
O sonho de ser jornalista foi semeado naquela viagem de carro com o meu Pai no trânsito de Lisboa. O prazer pela escrita, esse nasceu comigo, manifestava-se com raiva quando tinha quadros com giz e só podia desenhar, porque ainda não sabia escrever.
O esforço foi grande nos anos que se seguiram, Português A, e História, e Filosofia, e o que é afinal a Faculdade. Até que naquele dia de fim de Verão em 2004 soube que tinha "entrado da Nova", a tal que assustava com médias tão altas.
O encanto foi-se transformando em hábito e novamente em esforço. Linhas de maturidade acompanhavam as fases de exames, as aulas para cumprir horário, a arrogância dos senhores doutores. De encanto passou a realidade fria e triste, a boatos sobre quem já conseguiu dar um passo em frente, e como, com que cunha, com que factor "C".
Estávamos todos loucos quando escolhemos ser jornalistas, foi a linha de cada superior que por nós passou nos corredores brancos da Faculdade. A esperança em encontrar aulas práticas e mais interessantes foi crescendo e com ela a motivação para enfrentar as dificuldades daquela (ou desta?) rotina suja...
Não foram os melhores anos da minha vida, tenho de dizê-lo. Não senti o espírito, nem as paredes, e sobretudo não senti o conteúdo. "Só" os "amigos de curso". É no entanto compreensível. De uma Casa de ensino caí num mundo de hierarquias, de escassez pedagógica e caminhos fáceis.
Até que surgiu a possibilidade, o desafio, o medo (pavor!), a vontade talvez, a fuga com certeza: esse tal de Erasmus, que sempre subestimei, cruzou-se comigo e quando dei por mim tinha um bilhete de avião para Leipzig.
Inevitavelmente a Alemanha pintou de outras cores a imagem académica que eu tinha. Não há lugar para críticas ou para a arrogância típica dos ex-Erasmus no cliché "lá é que era bom". Mas parece-me quase ridículo dizer que tirei o curso em Portugal e vim à Alemanha conhecer outro sistema de ensino, porque não restam dúvidas que aprendi muito mais nestes nove meses do que em três anos na Avenida de Berna.
A competitividade entre jornalistas é universal. E acrescidas as particularidades deste povo, não posso negar que não se fazem amigos alemães em aulas de jornalismo aqui.
Mas aqui dão-nos voz (se sou alta, loira e de olhos azuis ou uma morena que vem dum tal programa Erasmus, não interessa), pedem-nos ideias, aqui os professores aprendem com as aulas que somos nós a dar. Aqui não se segue o caminho mais fácil, cada tarefa é tomada a sério. Não há lugar para vergonhas ao dizer que passámos o dia na biblioteca. Os Erasmus cruzam-se também naqueles corredores, apinhados de livros, depois da noite anterior em que todos saltavam e gritavam com as cervejas de meio litro. (Nestes momentos sente-se a intensidade de uma experiência como esta.)
Não há lugar para vozes tremidas na hora das apresentações. Mas houve lugar sim para a minha voz tremida, na primeira apresentação, sozinha. Os alemães não se oferecem para trabalhar connosco. Fazem com quem calhar, desde que seja o tema que lhes interessa. São independentes, não têm vergonhas. E então ali estava eu, numa sala de computadores, em frente a 20 alemães - daqueles que tomam atenção à aula toda -, com o meu Powerpoint corrigido por uma das poucas (mas grandes) amigas alemães, a dissertar nesta língua matemática as teorias do Jornalismo Online.
O tempo passou e as apresentações, obrigatórias, ganharam outro à-vontade. Muitos dos alemães com quem me cruzo nos seminários não precisam de nota, estão ali para aprender. E no entanto cumprem as avaliações com a mesma dedicação de quem precisa de um papel no final. É natural que canse, que não dê espaço para relaxar, que haja dias (há, de facto) em que este povo irrita pela sua seriedade. Mas aprende-se - e ganha-se já uma comichão levezinha de intolerância ao pensar no que estará para vir. Se ainda tiver de frequentar aulas no futuro, será difícil contrariar a tendência de aparecer 20 minutos antes de a aula começar.
Tantas diferenças podiam ser mencionadas. Tantas coisas diferentes aprendi. Projectos de Pedagogia dos Media a acompanhar crianças nas horas que passam nos Chats perigosos da Internet, simulações de conferências de imprensa, análise de filmes animados da Disney contra a propaganda nazi - frente a estudantes descendentes dessa geração.
Uma aprendizagem diária e intensiva.
Estava na Alemanha quando teve lugar a Benção dos Finalistas de 2007, o ano da minha Licenciatura. Nunca reconheci a tradição, mas longe pesam-se ainda mais as simbologias. E assim pude estar lá presente de alguma forma, na minha pasta com fitas em cor verde, azul, preta, branca e encarnada, escritas em português, inglês e alemão, elevada pelos meus queridos Pais - aqueles que sempre me incentivaram a fazer o que eu realmente queria.
Como sempre digo, o importante é ter a consciência das coisas. O caminho que escolhi pode não ter sido o mais sensato nos dias de hoje, mas há que procurar alternativas ao arrependimento. Sem tal desilusão talvez nunca tivesse partido naquele avião. E assim, inevitavelmente nunca teria a ambição que tenho hoje de atravessar mais fronteiras, aprender mais, agora que percebi que sou minimamente capaz.
Partir, lutar, aprender, idealizar o Portugal que nos consome na dicotomia entre desilusão e amor profundo.
Hoje é fase de fins, de balanços, de imaginações e muitos, muitos, inúmeros medos. Mas hoje também é dia de poucas exigências. Não me devo permitir pensar que os meus dias são rotina, porque são conquistas desde o dia em que aqui cheguei.
Hoje é dia de Obrigada. A todos os que acreditaram que eu conseguiria.