24 outubro, 2007

O país do "Ah menina, isso não é comigo"

Não consigo mais deixar de partilhar. Parece uma anedota.

O curso que tive a infeliz ideia de escolher obriga-me não só à realização de um determinado número de cadeiras, como também de um estágio - que estou quase (bom, quase...) a acabar - e à demonstração de "conhecimentos vivos" de uma língua estrangeira. Ora, a Faculdade realiza exames anunais, em Abril, para este efeito.

Dado que, em Abril, eu estava na Alemanha e não aqui, não pude realizar o exame. Tal não me preocupou por aí além, porque sabia que certificados de fora poderiam surtir o mesmo efeito - o que a Faculdade até agradece, porque não tem de gastar mais papel em mais um exame.

Vim da Alemanha com todos os comprovativos possíveis e imaginários de que tenho "conhecimentos vivos" da língua alemã, quanto mais não seja porque fui obrigada a fazer todas as cadeiras em alemão. Ora, com dois certificados oficialíssimos disponíveis para o efeito, contactei um Professor da Comissão Pedagógica ou Científica ou raio que o parta mais às hierarquias académicas, que simpaticamente (sem ironias) se disponibilizou a receber-me para analisar os certificados.


"Isto é perfeitamente válido", disse. "Só que...", claro, há sempre um "só que...", teria de me dirigir a um outro Professor para dar a aprovação oficial.


Contactei o Professor em questão para comparecer no seu gabinete, o que levou alguns dias, porque não podemos esquecer que tudo isto se faz em dias separados, uma vez que há horários de trabalho a cumprir. O Professor marcou um horário comigo, eu apareci, esperei meia hora até que outra Professora me disse que o Professor se tinha ausentado do país durante uma semana. Compreendi perfeitamente (sem ironias), até porque achava (na minha segurança ainda alemã) que era questão de adiar por uns dias aquilo que ficaria logo resolvido.

Qual não foi o meu espanto quando o Professor finalmente me recebeu, não olhou para a minha cara, muito menos para os certificados (quando eu tinha explicado a situação por e-mail) e disse apenas "sim, isso é válido, mas tem de fazer o pedido no Secretariado e só depois é que isso vem para mim e eu posso assinar".

"Bom dia", respondi, e dirigi-me ao secretariado. Um tal doutor que não sei como legitima voltou a não me olhar nos olhos e disse apenas "secretariado? Não, isso não é aqui. Isso é tudo na Repartição Académica". Penso eu para mim, o que é que distingue estas duas merdas se nenhuma delas funciona. Tudo bem, "bom dia", e fui para casa. Era demais num só dia para eu ainda ter a calma de "tirar senha" (essa expressão abominável) e esperar pela minha vez.


Voltei uns dias depois, quando a disponibilidade assim permitiu, esperei cerca de 40 minutos para que a única funcionária da Repartição me atendesse, para deparar com o seguinte diálogo:

- "Bom dia, eu precisava de fazer um pedido de reconhecimento destes certificados, para que eles sejam encaminhados ao Professor do Conselho raio-que-o-parta para que sejam assinados. Isto para poder terminar a Licenciatura de Ciências da Comunicação".
Olhou para mim com sobrolho levantado, como quem não faz ideia do que estou a falar, e respondeu:
- "Então está em Estudos Alemães e quer equivalência a uma cadeira, é isso?"
- "Não, como lhe disse estou de Ciências da Comunicação e não quero equivalência, quero que isto seja reconhecido por um Professor, mas por questões burocráticas o papel tem de partir daqui".
- "Pois, mas nós aqui só tratamos de línguas quando são alunos que estudam mesmo línguas". Olhou para os meus certificados e, ao ler a palavra "Erasmus", que não se referia a entidade nenhuma, e sim ao tema de um exame, que portanto não era chamado ao caso, esquivou-se: "Isto dos Erasmus tem de ser tratado é na Reitoria."
Sorri.
- "Tem a certeza?"
- Se lhe estou a dizer que nós aqui não fazemos isso, é porque tem mesmo de ir à Reitoria.
O "bom dia" já saiu com as costas viradas.

QUE. NERVOS.


Parecia que só queria provar que o que ela disse não fazia sentido nenhum e fui à Reitoria em Campolide. A vontade de lançar uma bomba na faculdade já era mais do que muita, mas depois pensei naqueles que vêm de outros cantos do país para tratar destas coisas e pensei: "eles têm mais direito a rebentar com isto".

Na recepção da Reitoria, tive de aguardar que a senhora acabasse a sua conversa ao telefone de "pois, mas a gente aqui trabalha... sim, depois contas-me essa história ahaha... havias de ver a cara dele bla bla..." e finalmente olhasse para mim e dissesse "diga, menina".

Expliquei a situação, o sobrolho levantado repetiu-se, como quem diz "tem a certeza que isso é aqui?", encaminhou-me para um outro Gabinete não sei do quê onde, mais uma vez, alguém viu a palavra "Erasmus" nos meus certificados e disse "pois, isso não é aqui, é ali com as meninas do Gabinete Erasmus".

Sorri de desespero. Nem deu para discutir a situação. Quando me vi no Gabinete Erasmus, cheio de jovens como eu a tentar que isto funcione, é óbvio que em vez de pedir que me resolvessem o problema, que obviamente não lhes cabia a elas resolver, optei por desabafar o ridículo da situação. Elas ouviram-me, conversaram, e eu vim-me embora, pelo menos com a sensação de que alguém me compreendia.

Ridículo.

Fui para casa, porque tinha sido a dose do dia. Contactei o primeiro Professor e expus a situação como quem diz "há aqui alguém que não me está a dizer o que é que eu devo fazer". A resposta foi "não pensei que isso fosse tão complicado". Eu também não. Então optei por não confiar em repartição nenhuma e escrevi eu própria um pedido de reconhecimento, dirigido a dois Professores, para que algum servisse. "Algum há-de servir de certeza", disseram-me. Voltei à Faculdade (é engraçado como isto está a levar semanas a fio), entreguei as cartas, com a esperança de ver o assunto como encerrado.

Eis que recebi um novo e-mail do Professor a dizer que "sim senhor, isto serve"... SÓ QUE... "terá de ir à Tesouraria ou à Repartição Académica pedir uma minuta de requerimento onde terá de escrever o pedido de dispensa de realização do exame, que a Professora aqui carimbará como "dispensado" e aí sim poderei anexar o seu pedido e os certificados e encerrar o assunto. Faça isso hoje ou, mais tardar, amanhã de manhã".

Claro que fui primeiro à Tesouraria, porque não queria ter de voltar a "tirar senha". Fiz questão de levar o e-mail do Professor para não dizerem que eu estava a inventar. Mas a novamente a minha ingenuidade e segurança alemãs não me fizeram prever a reacção mais provável: "Oh menina, minuta de requerimento? Nós aqui não temos nada disso. Só certificados de matrícula. Tem de ir ali à repartição".

Ela não se apercebe que para ir à repartição é preciso tirar uma manhã inteira.

"Obrigadinha", respondi.


No dia seguinte (para não explodir no anterior), fui tirar senha. Levei o e-mail. E fiz a mesma conversa, como quem tirou Direito e não Ciências da Comunicação:

- "Bom dia, eu precisava de uma minuta de requerimento para pedir dispensa de um exame de língua estrangeira, para poder acabar a minha Licenciatura." E estendi o e-mail.
Quando vi a demora na resposta, percebi que ainda não ia ser desta.
- "Isso não é assim que funciona. A menina terá de vir cá com os certificados, nós fazemos o pedido e ele é encaminhado ao Professor do Conselho Científico do seu Departamento."
- "Isso foi o que me disseram no início. Eu vim cá, esperei e insisti, mas a sua colega teimou comigo que não faziam isso aqui e, veja lá, mandou-me para a reitoria. Como é óbvio ninguém me resolveu o problema lá e eu ando nisto há dois meses."
Quando o senhor sorriu eu percebi que ele me estava a compreender. Ele, sozinho, não faz aquilo funcionar. Lá me deu umas indicações e... terei de lá voltar um dia destes.

Não vos conto o próximo capítulo, não vos desejo assim tanto mal. Gabo-vos a paciência se leram tudo até aqui. E em vez de me verem como alemã arrogante e intolerante, por favor, dêem-me razão.

6 comentários:

Polly Jean disse...

APlaudo a tua arrogancia alemã. Agora, querida, imagina o que é ter de dar todos eses passos qd se tá doente e se tem 80 anos ...o nosso pais funciona muito, mas mesmo muito mal. Sem contar a historia, digo-te que a mim, enquanto tinha aguas rebentadas, ou seja, enquanto paria no dia 12 de dezembro de 2003, com toalhas nas cuecas ( por causa das ditas águas) e com a chuva a cantaros a cair na cidade de Lisboa, mandaram-me embora do hospital do sAMS apenas porque eu não levava uma merda de um atestado de responsabilidade do médico assistente..eu tava a parir!!!!agora imagina o que é ser pobre, velho, doente ou desempregado neste país.!!

o resto sabes, fui para a maternidade alfredo da costa, e sim, fui super bem atendida.

Chicotadas disse...

"E fiz a mesma conversa, como quem tirou Direito e não Ciências da Comunicação..." - LOL - parece-me a mim é que houve por aí uma "falha de comunicação"! :P
Um estudante de direito interpunha logo uma acção de indemnização por danos morais e lucros cessantes, ah pois é!
Mas tens razão, a burocracia é um dos grandes males deste país (e ,concerteza, de outros). Se quiseres formar uma empresa facilitam-te a vida com o simplex, mas se tiveres um problema, seja qual for, na tua empresa, dificultam-ta com o "tirar a senha"...

Anónimo disse...

Santa Paciência!!!

Anónimo disse...

o que é que é isso da arrogância e intolerância alema?!?!? nao estarás a nutrir um estereotipo negativo, kida? ;-) mas de resto, sim, tens razao!

Anónimo disse...

UFA....que fiquei cansada!=)

Anónimo disse...

N�o te dou raz�o por favor, dou-te raz�o com sem qualquer favor, Farta de pessoas inuteis e de portugal.. um pa�s onde ninguem faz nada, todos recebem e todos se queixam.. Enfim, veremos se atingirei o ponto m�ximo de comodismo ou tambem me mudo de malas e bagagens para qualquer outro lado depois da fronteira mais pr�xima. Gosto*