Hoje é dia de folga.
Tiro a folga para aproveitar o sol que não tenho visto. Há um mês e meio que a minha noção de tempo se alterou e finalmente posso dizer que passei a valorizá-lo ao minuto. Ficar na cama ou simplesmente em casa passou a ser uma excepção que só se confirma quando o cansaço o exige. E o cansaço não existe por causa do estágio, mas por causa das poucas horas livres que me sobram para resolver o que ficou pendente, mesmo depois de um mês livre de descanso após o Regresso.
Estou mais tranquila, mais discreta. Mas o sentimento mantém-se, as saudades da Alemanha são imensuráveis.
Mas sorrio. Afinal, há um ano, quem diria que hoje estaria assim? Ter saudades constantes da Alemanha é uma arrogância, sei-o. Mas a Alemanha tirou-me muito daquilo que eu tinha de mau, por isso não sinto que fosse justo referir-me à Alemanha como aquela-experiência-que-tem-sempre-um-fim-e-nos-deixa-na-depressão-pós-Erasmus-que-ao-fim-de-três-meses-passa. Não, eu não sinto que vá passar, nem quero que passe. Porque não quero voltar ao pessimismo que sempre me rotulou.
É irónico como visto o meu pessimismo de hoje com um sorriso. Hoje é diferente. Hoje sei que as coisas não se adivinham fáceis, mas em vez de desistir previamente, agora eu quero enfrentá-las. Afinal, não foi assim tão difícil como eu pintava...
O que me preocupa é perceber que podemos mudar de ideias de um momento para o outro. De ideias, de ambições, de sonhos, de talentos. A essência, aquela que ficou provado que se mantém, essa ajuda-nos a lidar com a mudança. Mas não deixa de ser difícil lidar com tudo isto.
Forçaram-me a perder o encanto pelo jornalismo. E como eu passei a acreditar que tudo acontece por um motivo, “gosto” de pensar que estou ali porque era preciso perceber as coisas por outro prisma. Não fui parar a um jornal centnário nem saio à rua de bloco de notas à procura de estórias exclusivas. E se eu disser que no fundo eu sempre soube que nunca quis isso para mim, que nunca foi essa a definição do meu “quero ser jornalista”, sei que à minha volta chovem “não digas disparates, só dizes isso porque estás num sítio onde o jornalismo não é padrão”.
Não sei como clarificar, mas a verdade parece-me simples: não gosto disto por aí além, e partimos do pressuposto que sonhamos com um curso que nos leve a fazer algo que adoramos. E no entanto a minha redacção é um canto extremamente acolhedor. Estou rodeada de pessoas pacientes e interessadas em ajudar e em ensinar, sem nunca esquecer que fazemos parte dos tristes estagiários não remunerados. Tenho um director e dois editores a agradecer todos os dias pelo nosso trabalho. Tenho discussões gerais sobre política, jornalismo, actualidade. Lemos os jornais todos, vemos e ouvimos os noticiários todos. O “refresh” à Agência Lusa é constante, estamos permamentemente a saber em primeira mão aquilo que acontece. Tenho o stress à minha volta quando a noite cai e os jornais, desde o Diário de Notícias ao 24 Horas, arrancam com os gritos do “quem fez as fotos da página 24?”, “despachem-se com a última página” ou “hoje não há merda nenhuma que dê para manchete”.
Tenho tudo isto e sinto-me privilegiada por fazer parte de um estatuto, apesar de tudo, de respeito. Mas ao fim de um mês tudo isto deixou de ser novidade para passar a ser prova de que não preciso de sacrificar a minha vida por exclusivos e últimas horas, que nos tiram vida pessoal durante tempo indeterminado e que não nos dão dinheiro. Não faltaram avisos quando escolhi aquele curso, mas quem é que tem estas noções aos18 anos?
Não é arrogância. É, acima de tudo, desilusão, por me ter descoberto virada para o lado oposto, quando tanta gente à minha volta confirmou, pelo contrário, que quer fazer isto para o resto da vida.
A probabilidade de tudo isto se justificar pelo simples facto de o meu trabalho não passar por sair em reportagem é muito ínfima. Sinto-o.
E agora, o que me resta?
Agora restam-me as saudades da Alemanha, resta-me a Internet que todos os dias me diz algo novo sobre trabalho e formação algures na Europa, resta-me a rotina familiar que não tive durante um ano, restam-me os sorrisos dos portugueses, o sentido de humor, as pessoas divertidas e as amizades próximas. Restam-me os e-mails para a Alemanha, para a Irlanda, para a Holanda, para Espanha, para a República Checa, para o Brasil. Restam-me as folgas para valorizar este sol insubstituível, quando na Alemanha por esta altura as noites chegam já aos zero graus.
E resta-me um sorriso, porque aprendi que com calma e sorrisos as dificuldade se relativizam. Por enquanto fico aqui no nosso cantinho privilegiado a ver o que se passa lá fora. Com um pé já dentro das estatísticas dos licenciados desempregados.
Por enquanto vou chorando as saudades da Alemanha. Mas o meu sangue é português... por isso, “logo se vê”.
3 comentários:
Talvez desilusão, talvez desânimo proveniente da rotina, talvez equívocos e desorganizações desnessecárias no nosso cubículo, talvez tudo um pouco, ou nada, também recebo esse sol das folgas como uma dávida. E com uma mensagem de esperança: ´"está quase"...
P.S- Obrigada pela tua calma e paciência, por dares essa perspectiva "relativista" quando achas que 3 meses já é demasiado tempo...
Dalila
Nunca deixo de me surpreender com a harmonia constante entre nós as duas, que se revelou quase no minuto em que nos conhecemos (melhor, pq ja nos tinhamos conhecido algumas vezes).
Cá estamos, a encarar pela primeira vez uma realidade cujo único lado positivo é mostrar-nos o que não queremos fazer. E, por Erasmus ou não, sabemos que não nos vamos contentar com pouco.
Já sabes o que temos que fazer: ir á procura de respostas por esse mundo fora. :D Que chato.... lol
partilho a desilusão. a desilusão profissional é quase habitual..infelizmente. pior é a pessoal, a desilusão que corroi as pessoas e as deixa amargas e isso não falta por aí.
tona com uma beijoca
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